Falar do desenvolvimento da aviação comercial brasileira sem mencionar o Curtiss C-46 seria omitir uma parte importante de sua história.
Ao lado do DC-3, o Curtiss teve papel de destaque de expansão da malha aérea no país e foram operados pelas principais companhias aéreas no pós-guerra., tendo chegado ao país adquiridos como sobras de guerra do Corpo Aéreo do Exército Americano (AAF)— a Força Aérea dos Estados Unidos (USAF) só seria criada em 1947.
Gênese
O projeto do Curtiss CW-20 surgiu de um empreendimento privado da empresa Curtiss-Wright em 1937 e objetivava concorrer diretamente com os Boeings 307 Stratoliner e o Douglas DC-4 (ambos quadrimotores) para o transporte de passageiros.
A ideia era oferecer uma aeronave para 25 a 35 passageiros em um novo padrão de conforto (ao empregar cabine pressurizada), usando um conceito de “dupla bolha” para a fuselagem visando a distribuição de esforços para voos em grandes altitudes (e diferenças de altitude advindas da pressurização).
A escolha da empresa foi o emprego de dois. em de quatro motores, de grande potência, visando a otimização estrutural da aeronave e menores custos de operação e manutenção.
Para tal, inicialmente foi escolhido o motor Wright R-2600 Twin Cyclone, de 18 cilindros, 42,6 L e gerando 1.700 hp e uma fuselagem convencional com leme de cauda dupla.
O primeiro voo do CW-20 se deu em 26 de março de 1940. Nos modelos subsequentes, no entanto, a dupla cauda foi abandonada em favor de um leme único e os motores Wright R-2600 cederam lugar para o robustíssimo Pratt & Whitney R-2800 de 18 cilindros e 45,8 L gerando 2.000 hp cada.
Apesar das expectativas em torno da aeronave, a Curtiss-Wright não encontrou aceitação para o seu CW-20. Por sua vez, o início da Segunda Guerra Mundial e a necessidade de aeronaves de transporte fez com que a AAF encomendasse um lote de CW-20, inicialmente batizados de C-55 e posteriormente, C-46, sua nomenclatura definitiva e como é conhecido até hoje.
Os primeiros Curtiss C-46 foram entregues de maneira maciça a partir da segunda metade do ano de 1943, após modificações impostas pelo exército e algumas barreiras burocráticas. Fora produzidas 3.181 unidades até 1945 quando o modelo foi descontinuado.
Sua capacidade de carga aliada ao espaço interno, apto a transportar 55 soldados ou 33 leitos, permitiu sua imediata aceitação pelo exército, com pequenas modificações (adição de uma porta de carga dupla e piso reforçado) substituindo as companhias aéreas que não encomendaram uma unidade sequer da aeronave.
O Curtiss não teve muita participação no flanco europeu mas na Ásia, suas qualidades se tornaram patentes: suas dimensões e capacidades de carga aliada à capacidade de cruzar em grandes altitudes (necessárias para transpor a Cordilheira do Himalaia) fizeram do C-46 um transporte popular naquela região.
Entretanto, a aeronave tinha manutenção problemática, problemas hidráulicos, bloqueio por vapor (vapor lock) das linhas de combustível em grandes altitudes e, somado a eles, casos de explosões de aeronaves em voo acabaram com a reputação da aeronave.
A questão específica das explosões em voo, descobriu-se depois, era vazamentos de combustível dos tanques da aeronave que à menor faísca se inflamava e causava a explosão.
Tudo isso levou a aeronave a ficar conhecida como Plumb Nightmare e Flying Coffin (pesadelo de chumbo e esquife voador), não sendo muito apreciada em sua operação.
Seu desempenho operacional em condições monomotor (algo que não era tão incomum assim nos motores radiais) também era tido como insatisfatório e foi a causa de muitos acidentes.
Talvez, por conta disso, além de ter uma operação 50% mais cara que um C-47/DC-3, as sobras de guerra, vendidas a preços módicos depois da guerra, não tenham tido aceitação por parte das companhias aéreas americanas e, o Curtiss só encontrou espaço na América Latina, onde muitos foram operados no transporte de carga e em alguns locais, de passageiros, alguns deles operando até bem recentemente no Alasca.
O C-46 tinha velocidade máxime de 435 km/h. alcance de 5.069 m e teto máximo de 4.689 metros. Sua carga útil era de 6.800 kg e a razão máxima de subida, 1,180 pés por minuto.
No Brasil
Os primeiros Curtiss C-46 chegaram ao país em 1947, trazidos pelo empreendimento de Vinicius Valadares Vasconcellos, um empresário que se especializou em importação de aeronaves tidas como excedentes de guerra.
O primeiro operador, ainda em 1947 foi a TCA – Transporte de Carga Aérea S.A. seguida pela Companhia Itaú de Transporte Aéreos (ligada à Companhia de Cimentos Itaú). Posteriormente ambas empresas foram absorvidas por outras congêneres (a TCA pelo Lóide Aereo e a Itaú´, pela Transportes Aéreos Nacional Ltda) e suas frotas, incorporadas.
Mas foi nas cores do Lóide Aéreo, Paraense e da Varig que os Curtiss ficaram conhecidos.
Configurados para até 46 passageiros, em fileiras de 3+2, os Curtiss voaram do final da década de 1940 até meados dos anos de 1960, em especial nos voos de carga.
Para melhorar o desempenho em subidas (e por consequência, a segurança operacional) e mesmo em condição monomotor, alguns C-46 foram equipados com dois motores a reação adicionais nas asas: Duas Turbomeca Pallas de 72 kg cada e produzindo 350 lb de empuxo eram ligadas na decolagem como auxilio nesta fase de voo.
Posteriormente a Varig modificou algumas aeronaves com a L.B. Smith americana, com a substituição dos motores R-2800 originais por outros, de 2.400 hp, hélices tripás e novas naceles de motor, dando melhor desempenho ao avião.
Conhecido com Super 46-C, essas aeronaves voaram ainda um bom tempo, chegando à década de 1980 quando a Taba (Transportes Aéreos da Bacia Amazônica) ainda mantinha dois deles em voo.
O último Curtiss C-46 em voo no país foi o PT-LBP, originalmente pertencente ao importador Vinicius Valadares Vasconcellos. Entregue ainda em 1947 para a Força Aérea Brasileira (FAB) junto com outra aeronave do mesmo modelo, operou com o prefixo FAB 2058 até 1967 quando foi desativado e vendido.
Essa aeronave passou muitos anos encostada no aeroporto Santos Dumont até 1989 quando foi para o Pará, operando como Táxi Aéreo ate 1996, quando foi novamente encostada. Anos depois, o Musal (Museu Aeroespacial) trouxe novamente o avião (em voo!!!) para o Rio de Janeiro, onde pintada com as cores da FAB permanece em exposição estática no Campo dos Afonsos.
Além do FAB 2058, existe no país o PP-VCE, um Super 46C exposto em Bebedouro, SP no Museu de Armas Veículos e Máquinas Eduardo André Matarazzo e o esqueleto de uma aeronave encostado há mais de 30 anos no Aeroporto de Itacotiara, AM.
DA