Um raríssimo Ferrari 250 Testa Rossa 1958 “Pontoon Fendered”, especial de competição, irá a leilão no próximo dia 23 de fevereiro, em Detroit, EUA, organizado pela RM Sotheby’s que espera arremate entre 34 a 38 milhões de dólares, equivalente a R$ 166 milhões e 186 milhões.
Até aí, nada de especial. Afinal, modelos clássicos da Ferrari estão sendo leiloados constantemente mundo afora. O que faz a diferença no caso deste esportivo é sua longa e curiosa trajetória aqui no Brasil, onde ficou de 1958 a 1985, passando de mãos em mãos e com muitas histórias confusas.
A primeira delas se refere a origem do carro. Alguns dizem que ele foi comprado após a vitória da Scuderia Ferrari na prova 1.000 km de Buenos Aires, em janeiro de 1958. Mas o modelo pilotado pelo inglês Peter Collins e o americano Phil Hill era protótipo da fábrica, fabricado em 1957.
O modelo que vai a leilão, com chassi #0738 TR, na verdade era novo quando foi adquirido pelo empresário Jean-Louis Lacerda Soares, brasileiro que nasceu em Paris e era proprietário da concessionária VW Marcas Famosas, no bairro de Santo Amaro, São Paulo.
Jean-Louis, segundo consta, encomendou o carro para o Concessionário Oficial da Ferrari na América do Sul e Central, Carlos Kauffman, em Caracas, Venezuela, para disputar competições pela Equipe Lagartixa, que era seu apelido, e que também tinha como um dos pilotos Chico Landi.
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A principal vitória dele, com Ferrari, foi no Grande Prêmio Presidente Juscelino Kubitschek, realizado em 23 de abril de 1960, por ocasião das comemorações da inauguração de Brasília, segundo o próprio Jean-Louis relatou em depoimento à revista Piauí, em fevereiro de 2011.
Porém, o carro com o qual ele venceu a competição era um Ferrari 290 MM, 1956, chassi #0606, com base em registros da própria fábrica de Maranello. Talvez devido à idade, na ocasião do depoimento já tinha mais de 70 anos, ele pode ter se confundido.
No começo da década de 1960 Jean-Louis vendeu o Testa Rosas ao banqueiro italiano, radicado no Brasil, Giorgio Moroni, que enviou o carro à Itália, para a SAS Motors em Modena, do carrozziere Piero Drogo, que construiu uma carroceria nova, cópia tosca do original Ferrari 250 GTO.
De volta ao Brasil, já como cupê, o Ferrari foi emprestado ao piloto Camillo Christófaro, que com ele venceu o Grande Prêmio IV Centenário do Rio de Janeiro, no dia 19 de setembro de 1965, em circuito na ainda bucólica e desabitada Barra da Tijuca.
Após a corrida, o carro foi vendido a Cláudio Klabin que, no ano seguinte, o repassou para Paulo César Newlands na troca por um FNM 2000 JK. Newlands participou de provas no recém-inaugurado Autódromo de Jacarepaguá e venceu a corrida de rua em Petrópolis, RJ, em 1967.
Com poucas competições para carros esporte, o Ferrari passou a ser usado no dia a dia e sofreu diversas transformações, até ser trocado, como reza a lenda, por dois Dodge Charger. Alguns dizem que foi só um, até acabar na oficina de Camillo Christófaro, em 1975, que comprou o carro.
O “Lobo do Canindé” guardou o Ferrari, ainda na configuração cupê, por cerca de dez anos até receber uma proposta irrecusável de Colin Crabbe, especialista inglês em negociar esportivos clássicos. Segundo consta, Crable pagou 1 milhão de dólares para Camillo, em 1975.
Em 1986, Colin Crabbe revendeu o carro para um colecionador americano por 1,5 milhão de dólares. Dois anos depois, o carro foi novamente vendido para o lorde britânico Paul Vestey, que devolveu ao modelo sua configuração original, trabalho realizado por um restaurador inglês.
Na ocasião, o Testa Rossa foi pintado de amarelo com faixa verde no bico, em homenagem à sua “herança” brasileira, segundo informações de especialistas em esportivos clássicos, apesar do carro originalmente nunca ter corrido com as cores do Brasil, conforme definia o regulamento da FIA.
Mas foi isso que deve ter chamado a atenção de Carlos Monteverde, um rico brasileiro, herdeiro das lojas Ponto Frio e radicado na Europa desde a juventude, que comprou o Testa Rossa em 1996 e passou a participar com ele de diversos eventos e competições de esportivos clássicos.
Em 2010, Monteverde colocou o Testa Rossa à venda no evento Sports & Classics of Monterey, na Califórnia, em leilão da RM Auctions. O carro arrematado por um colecionador americano pela quantia de 10 milhões e 700 mil dólares, incluindo a comissão do leiloeiro.
Com novo proprietário, o Testa Rossa finalmente retornou à fábrica de Maranello, após 53 anos rodando pelo mundo, para ser submetido a uma restauração completa pelo Ferrari Classiche, o departamento interno que preserva os clássicos da marca italiana.
Conforme o levantamento no Red Book da fábrica, o modelo é um 250 Testa Rossa 1958 com carroceria esculpida por Sergio Scaglietti, originalmente bem preservado, e um dos raros exemplares desta versão com motor e câmbio “matching numbers”.
Isto significa que o motor V-12 de 3 litros, com os cabeçotes pintados em vermelho — daí a denominação “Testa Rossa” —, e o transeixo montado na traseira — com suspensão De Dion são os mesmos que saíram da fábrica em 1958.
Já a carroceria, segundo consta, foi refeita pelos artesãos do Ferrari Classiche e segue o estilo original. das 19 unidades moldadas exclusivamente pelo carrozziere Sergio Scaglietti.
A fábrica produziu várias versões do 250 TR, com os motores V-12 de cabeçote pintado em vermelho, entre 1957 e 1961. O mesmo motor também foi utilizado em modelos Ferrari GTO e 250 LM.
Já com relação ao Testa Rossa que ilustra nossa reportagem, o atual proprietário fez questão de manter o número 81, que era utilizado por Jean-Louis Lacerda Soares nas pistas e que, infelizmente, foi uma das primeiras vitimas da Covid-19, vindo a falecer em maio de 2020, com 86 anos de idade.
RM
(Atualizada em 18/2/24 às 9h15, Jean-Louis Lacerda faleceu com 86 e não 80 anos)