A expectativa do mercado era grande para o lançamento da primeira versão esportiva do Fusca. Falava-se muito sobre como seria sua mecânica, e o quanto ele era melhor em desempenho comparado aos VW 1300 e 1500. A revista Quatro Rodas, no segundo semestre de 1973, já tinha publicado em sua capa, como segredo, um flagra que um de seus repórteres fotográficos tinha feito do que seria o Fusca mais potente da linha.
Mas, ninguém sabia ao certo quando ele chegaria, e a VW estava numa fase de investir na esportividade de seus modelos, inclusive apoiando totalmente aa novas categorias de monopostos criada pela CBA em 1974, a Fórmula Vê e a Fórmula Super Vê: a primeira utilizando um motor 1300 com dupla carburação e com suspensão dianteira e traseira do Fusca, só que com molas helicoidais em vez de barra de torção, e a segunda com motor 1600 de preparação livre e carburadores Weber IDA 40 de corpo duplo.. A Super Vê corria com pneus de competição slick (radiais de rua na Vê), além de chassi e suspensões bem mais sofisticados. Foi na qual Nélson Piquet começou a pilotar monopostos, por exemplo.
O clima dentro da fábrica transpirava esportividade. Se o motor 1600 com turbina de arrefecimento alta já iria receber dupla carburação para o Brasília no final de 1974, por que não lançar um Fusca com a mesma motorização do Brasília? Foi o que a VW fez. A primeira, e única, versão esportiva do Besouro recebeu adereços esportivos e uma propulsão que o destacava dos demais Fuscas: além do motor 1600 com dupla carburação de 54 cv (potência líquida NBR 5484), 4 cv mais que o mesmo motor monocarburador do Brasília lançado em junho de 1973.
Os freios seriam os mesmos do Fusca 1500 (“Fuscão”), a disco na dianteira, de quem herdaria a suspensão, inclusive com a barra compensadora na traseira. A relação de diferencial seria a já adotada no Fusca 1984 até sair de produção em 1986, 3.8751 (31;8), enquanto as rodas de aço 5J x 14 e os pneus diagonais 175S14 seriam iguais aos do Brasília.
A tampa traseira, uma peça plástica que servia, pelo menos teoricamente, para captar mais ar para o motor 1600 mais potente, acomodava o emblema que fazia identificar o Fusca esportivo (“1600” em prata e “S” em vermelho). Oficialmente, o nome do carro era Super-Fuscão 1600S, mas a própria VW o chamava de “Bizorrão” nas propagandas, grafia divertida destinada a imitar um alemão pronunciando “Besourão”.
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Na traseira destacava-se o escapamento de saída única voltada para o lado esquerdo com a ponta ligeiramente curva , que realçava o som do seu motor. Claro, graças a ele, aliado ao baixo peso do carro, 800 kg, seu desempenho era um destaque positivo: o carro podia acelerar de 0 a 100 km/h em pouco mais de 16 segundos, e, para a época, surpreendia principalmente pelas retomadas mais ágeis. Era bem acima do que a concorrência tinha na época.
Além das cores chamativas para a carroceria (branco, vermelho e amarelo, seguido do azul na linha 1975), o Super-Fuscão tinha interior também esportivo. Um otimista velocímetro, marcando até 160 km/h, tinha a companhia de um conta-giros no seu lado esquerdo, com o marcador de combustível do lado direito. Em um pequeno painel complementar de plástico, no centro, logo abaixo do rádio, ficavam mais três instrumentos: termômetro para o óleo do motor, amperímetro e um relógio, que, aliás, só havia nessa versão esportiva. Hoje, uma peça raríssima.
O charme complementar estava ainda no volante de três raios Walrod, e a alavanca de câmbio mais e curta e voltada para trás, revestida com uma capa decorativa. O 1600S ainda tinha carpete (um luxo para um Fusca!), e bancos dianteiros reclináveis.
Nessa época, eu iniciava minha carreira jornalística respondendo cartas, aquelas dúvidas técnicas, na revista Oficina, publicada pela Abril Tec, divisão de publicações técnicas da Editora Abril. Acompanhei o lançamento do Super-Fuscão apenas pelo material de imprensa que os meus colegas de redação trouxeram. Então com 20 anos, ainda não estava maduro o suficiente para testar os carros cedidos pelas fábricas, essa prazerosa função ficava para o pessoal mais velho, como Luiz Bartolomais Júnior, Marco Antônio Sotto Maior e Roberto Marks, responsáveis pelos testes da Oficina.
Sem dirigir
Tive oportunidade de andar como carona no 1600S na época, e as acelerações e, principalmente, retomadas de velocidade do Fusca anabolizado impressionavam, a ponto de obter bons resultados nas pistas quando foi homologado pela CBA (foram fabricadas cerca de 5.500 unidades dessa versão, o que permitia sua homologação no Grupo 1 da FIA, que requer um mínimo 5.000 unidades produzidas. O carro, bem preparado, com motor do Brasília, movido a álcool, e suspensões bem acertadas, era bastante competitivo, chegando a virar tempos próximos aos do Passat 1500 e do Dodge Polara em Interlagos.
Era um deleite para quem, como eu, curtia corridas, ver os Fuscas tomando a ponta numa competição de carros de turismo. Hoje, o Super-Fuscão 1600S é da maior raridade e, dos mais de 5.500 carros produzidos, não mais do que 300 ou 400 sobraram para contar história. O Bizorrão também teve vida curta, sendo fabricado apenas de setembro de 1974 até o final de abril de 1975, por cerca de sete meses, quando o modelo foi simplificado e tornou-se o VW 1600 “comum”, um Fusca 1600 sem a esportividade do Super-Fuscão.
Tive um desses 1600 com carburação dupla por cerca de cinco anos. O meu 1600 sem a decoração “S” tinha a mesma mecânica do Bizorrão, e o comprei, bem pouco rodado, no final de 1976 de um conhecido que havia o retirado da concessionária zero-km alguns meses antes. Como o dono era jovem como eu, ele já havia feito algumas modificações buscando mais desempenho do seu 1600 de cor marrom Caravela. Ele havia trocado os dois carburadores Solex 34 originais por dois Solex 40, aqueles que vinham nos Opala, que eram maiores, com difusor do modelo 4-cilindros, e permitiam que o VW 1600 respirasse um pouco mais, ganhando assim alguns cavalos.
Assim, já comprei o Fusca meio envenenado. O carro era muito bom e dava trabalho a alguns maiores da época graças a agilidade do motor 1,6-litro aliado ao baixo peso do Fusca, na mesma fórmula do Bizorrão. Durante o período que estive com esse carro fui evoluindo seu motor quando o assunto era potência. Primeiro, troquei o kit 1600 original por um com pistões de cabeça plana para conseguir maior taxa de compressão. Essa alteração me obrigou a utilizar o que na época chamavam de gasolina azul, com maior octanagem, 95 RON versus a gasolina comum 87 RON, ambas com 5% a 8% de álcool ainda.
Depois, fui mais radical: tirei o motor original e o guardei, fazendo um outro praticamente do zero. Comprei carcaça, virabrequim, volante, polias, comando de válvulas, tuchos e por aí vai, criando a partir dali um 1600 com cabeçote (também de dupla entrada) retrabalhado e válvulas maiores, comando Aplic AP3 de maior duração, mandei polir o virabrequim (que foi balanceado com um volante aliviado), enquanto as bielas também foram polidas, pesadas e equilibradas, junto do jogo de pistões, usinados para ficarem exatamente como mesmo peso.
Para alimentar esse miolo “envenenado” passei a utilizar dois carburadores Weber 40 IDA de corpo duplo, e retirei o filtro de ar, trocando-o por quatro cornetas cromadas. No escapamento, um coletor especialmente concebido, 4 em 1, com silenciador na saída final.
Para arrefecer toda essa cavalaria, utilizava bomba de óleo dupla com radiador de óleo externo, mas tudo de maneira bem discreta, que não aparecia. Assim, o óleo não ia além dos 110 ºC quando utilizava o motor a plena potência nas retas por muitos minutos, enquanto no uso diário eram sempre cerca de 90 ºC. Não deixava de usar o bom e velho Molykote: o aditivo estava presente em todas as trocas, e garantia lubrificação correta mesmo nos usos mais severos.
Não tinha nenhuma invenção, e eu usava a receita básica do Porsche 912, com seu 1,6 de 4 cilindros arrefecido a ar, alimentado por dois Solex 40 ID, entregando 90 cv. Acredito que esse meu motor devia produzir alguma coisa entre 82 e 84 cv, o que para um Fusa de 800 k, era desempenho para ninguém botar defeito. Aí sim era possível pegar os grandões com seus motores de 4 ou 5 litros, e não só dava calor, como muitas vezes conseguia deixá-los para trás. Mas meus maiores “fregueses” eram, sem dúvida, os VW Passat TS e os Dodge Polara 1800: esses comiam poeira atrás do Fusca.
E para completar, já que optei por não colocar rodas de liga de alumínio (mantive as de aço do Brasília na dianteira e do SP2, com meia polegada a mais, na traseira), troquei seus pneus diagonais por radiais Firestone Cavallino 175/70R14 e até mandei instalar nele um teto solar daqueles de lona com abertura manual, fabricado pela Santilli, se não me falha a memória. O teto era bom: nunca me deu problema, nem infiltração de água! Também, na época, coloquei para-brisa laminado, já com faixa degradê para evitar ofuscamento pelo sol, e nada muito além disso.
O Fusca 1600 marrom me deixou saudade: naqueles cinco anos viajei incontáveis vezes com ele para o interior de São Paulo litorais do estado (mormente norte), sem contar que ele me servia diariamente para ir à faculdade de engenharia, ao trabalho, passear. E o motor que montei ficou tão bem acertado que nunca me deixou na mão. Só alegria. Acabei vendendo o carro no início dos anos 1980, depois de reinstalar seu motor original, claro, para minha então namorada. O motivo da venda? Comprei do meu pai um Gol L 1980, novinho, que logo passou a rodar também com aquele motor 1600 que preparei para o Fusca, com carburação Weber e tudo mais.
Nessa época, aquele motor que construí já estava com 100 mil quilômetros, mais ou menos a quilometragem total que rodei com o Fusca marrom. Antes de colocá-lo no Gol, desmontei-o e mandei-o para a retífica, que me devolveu tudo como estava dizendo que nada precisava ser feito. Apenas foram trocadas as bronzinas de virabrequim e bielas, anéis e aumentei sua taxa de compressão para entrar na era do álcool, e assim ele já estava pronto para rodar outros 100 mil km. Mas essa é outra história, que fica para depois…
DM
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