Alterar um Jaguar E-Type nunca foi fácil. Alguns poucos tentaram, como Frua e Bertone, mas talvez o mais radical deles seja o Guyson E-12.
Um bom motivo existiu para Jim Thomson criar o Guyson E-12, motivo esse não muito comum, um acidente. Guyson International e um fabricante de equipamentos de limpeza com jatos de areia e outros elementos movidos por ar pressurizado (blasters), basicamente usados para limpeza de metal, e o nome do carro veio da empresa, uma ação de marketing. Atuam continuamente há muitos anos e está sediada em Skipton, Inglaterra.
Em 11 de julho de 1972 Jim Thomson recebeu seu E-Type conversível novinho, na cor número 35 do catálogo, bronze amarelado, com interior preto. Depois de 14 meses de uso, o carro derrapou numa viagem no meio da noite em uma estrada com asfalto recém-colocado, ainda mais escorregadio que o normal. Entrou numa valeta ao lado da estrada, e foi parar capotado na lama. Jim não se feriu, mas o carro perdeu a estrutura do para-brisa, capô e para-lamas, e teve a tampa do porta-malas bastante avariada.
Ao ser desmontado para ver o que podia ser feito, notou-se que a estrutura do carro estava intacta, devido a absorção de energia que a lama proporcionou. Uma batida suave, pode-se dizer. A ideia de modificar o carro nasceu nesse momento.
A Guyson estava trabalhando com o estilista William Towns para definir o alojamento estilizado de uma nova máquina de beadblaster (usa pequenas esferas de plástico ou metal macio, como alumínio, e m vez de areia). Thomson conversou com Towns sobre o ocorrido, mostrou a ele o carro, e rascunhos foram feitos ate que se chegou no que Jim acreditou ser interessante para seu carro e para uma eventual comercialização de kits de modificação.
Como o seguro havia oferecido um valor ridículo pelo carro, coisa de 5% do que ele valia se estivesse inteiro, Jim recusou o pagamento e contratou a empresa de Towns para fazer o que fosse necessário. Custaria estimadas 2 mil libras esterlinas, em setembro de 1973. Foi especificado que rodas e pneus bastante largos fossem usados, para chamar atenção no Salão de Carros de Corrida de janeiro de 1974, evento anual onde carros de corrida, equipamentos e acessórios, além de fabricantes de carros de pequena serie ou artesanais expunham suas criações e produtos.
Era obviamente pouco tempo para um trabalho grande, e o serviço só terminou em setembro de 1974, nove meses depois do esperado, custando 2.278 libras esterlinas, pouco mais de 20% acima do estimado. Antes disso, a Guyson International já havia divulgado um press release sobre o kit de conversão, e solicitações de detalhes e custos estavam chegando de varias partes do mundo.
O trabalho foi feito com painéis em compósito de fibra de vidro, aplicados e fixados sobre a estrutura original do E-Type. Havia a intenção de colocar carburadores Weber no lugar dos SU originais, para maior potencia em altas rotações.
A apresentação do carro deveria ser feita em 7 de setembro de 1974 em um evento batizado Mintex Press Driving Day, apenas para jornalistas. Este era organizado por vários fabricantes, um tipo de salão apenas para imprensa, mas dinâmico, ou seja, todos os veículos expostos eram dirigidos.
Mas ao receber o carro apenas quatro dias antes, Jim começou a notar a grande quantidade de problemas óbvios que iriam gerar imagem negativa. Cancelou a aparição do Guyson E-12 e em uma semana enviou a Towns uma lista de problemas a serem corrigidos. Alguns deles:
– O faróis circulares eram muito ruins no alojamento retangular, tendo o facho cortado pela borda desses; deviam ser trocados por faróis quadrados.
– A cobertura transparente deixava entrar água
– A tampa do porta-malas não tinha vedação boa
– Vibração excessiva do capô do motor, provável superaquecimento em clima quente, necessário adotar aberturas para saída de ar do cofre do motor.
Entre outros problemas, também havia entrada de gases de escapamento com o teto montado rodando em baixa velocidade. Abrindo-se os vidros o problema piorava, com o cheiro, sendo um incômodo. Esse era o problema mais grave. Com o teto aberto, os gases de escapamento entravam dentro do carro ao se andar em velocidades de estrada. Alias, esse teto também foi alvo de reclamação, com seu desenho e execução bastante falhos, como e visível nas fotos.
Mesmo com os problemas Jim adorou o carro, e em qualquer lugar que fosse chamava atenção. Foi apresentado oficialmente no Racing Car Show do ano seguinte, 1975, nessa ocasião com um teto rígido que Willian Towns tinha desenhado, ainda solto, pois não tinha as fixações corretas.
A curiosidade do público fez Towns fundar uma empresa para colocar seus desenhos em produção, a Interstyl. Era anunciado que a empresa Forward Engineering modificaria o sistema de admissão do V-12, para atingir 400 cv, bem mais que os 272 cv originais.
William Towns fabricou um segundo Guyson para seu uso, sendo vendido e destruído depois de não muito tempo.
O carro de Jim foi enviado após a exposição para Ron Beatty, para prosseguir com varias melhorias e instalar os seis carburadores Weber duplos no lugar dos SU de fluxo horizontal originais.
Nesse período, um dos funcionários da empresa de Beatty bateu com o carro em um teste, e outras coisas foram mudadas, como as capas dos faróis sendo refeitas com mais capricho, um novo capô e o que seria um para-choque foram fabricados, e o carro foi todo repintado em amarelo.
Mais um pouco de tempo e foi adotado o novo capô de motor com varias aberturas, permitindo melhor arrefecimento do cofre e consequentemente do motor, eliminando um bolsão de ar muito quente. Essas aberturas eram cortes horizontais em um calombo, necessário para que os carburadores Weber tivessem espaço.
E Jim Thomson seguiu usando o carro, inclusive em viagens promocionais para sua empresa, com inscrições “Beadblast Guyson” nas laterais, ate 1988, quando foi exposto em um evento em Yorkshire. A partir daí, pouco uso por vários motivos, e em 1990 Jim Thomson faleceu.
O irmão de Jim, que trabalhava também na Guyson, colocou o carro dentro do escritório da empresa em Skipton como um exemplo de diversidade do que a empresa poderia fazer. Tim Thomson planejava melhorar o carro, mas sua artrite o fez deixá-lo parado por 20 anos.
Em 2011 ocorre o início do renascimento do Guyson E-12, quando o neto de Jim, Jimmy, recebe um telefonema da organização dos eventos de Goodwood, que requisitava o Guyson E-12 para a comemoração de 50 anos do E-Type, onde haveria um concurso para modelos especiais e modificados do mais famoso de todos os Jaguares. A família discutiu as possibilidades, e enviaram o carro para a Hepworth International, onde Steve, o dono da empresa analisou o carro todo descobriu que o motor que estava travado devido a entrada de água aspirada pelos carburadores causada pelas aberturas do capô.
O carro foi para Goodwood na condição em que se encontrava, precisando de muitas melhorias, e foi exposto sem andar, já que não houve tempo para o conserto de motor.
De volta a Hepworth, muito pontos de corrosão forem encontrados, e resolveu-se aproveitar a parcial desmontagem do carro e partir para uma restauração completa, com a finalização a tempo para o Yorkshire Elegance, onde o carro foi exposto depois de 35 anos parado. São desse evento as fotos abaixo, de 19 de julho de 2023, com a pintura vermelha na mesma cor original que Jim Thomson havia escolhido.
Clique nas fotos com o botão esquerdo do mouse para ampliá-las e ler as legendas.
E o estilista? William Towns teve outros desenhos excelentes nascidos de sua mente, entre eles o Aston Martin DBS, o conceito Bulldog e o Aston Martin Lagonda, um dos sedãs mais radicais de todos os tempos. Além disso, na tentativa de renascer a marca Railton, dois protótipos, o F28 e F29 foram feitos a partir do Jaguar XJ12, como se fosse uma reedição moderna do Guyson. Towns faleceu em 1993.
O Guyson E-12 permanece com a família Thomson, e mesmo gerando controvérsias sobre alterar o estilo de um E-Type, prova que a vontade e o entusiasmo por um carro podem ser transmitidos de uma pessoa a outra através do tempo, sempre uma boa esperança nesse mundo automobilístico recheado de simples meios de transporte.
JJ