Estávamos em 1976 e a Fiat surgia no mercado brasileiro com o 147 L, um hatch conceitualmente moderno, de pequenas dimensões externas, bom espaço interno e o ineditismo do motor 1050 (1.049 cm³, 50 cv) transversal, que logo no final da década á oferecia uma versão 1300 (1.297 cm³). o Fiat 147 GLS. tinha mais torque e potência, (57 cv) e começou a despertar a atenção do consumidor brasileiro.
Para combater o crescente sucesso do pequeno Fiat, a VW tinha apenas o Fusca, vendido num volume maior na sua versão 1300. O problema é que o Fusca era um carro pré-Segunda Guerra, Mundial, dos anos 1930, um projeto robusto porém obsoleto. Mesmo tendo passado por uma série de melhorias ao longo de décadas, ainda ficava muito aquém do moderno 147 em diversos aspectos. Assim, depois do lançamento do Passat em 1974, a VW dedicou suas atenções ao carro que seria o substituto do Fusca no Brasil: o Gol.
Ele, além de ser moderno, teria todas as características que levaram o Fusca ao seu patamar de sucesso: resistência mecânica, manutenção fácil, boa oferta de peças de reposição, direção descomplicada (pinhão e cremalheira em vez de setor e sem fim), economia de combustível, sabendo que deveria consumir a gasolina brasileira de baixa octanagem da época. Difícil unir tudo isso em um projeto moderno e barato para substituir o Fusca, mas a Volkswagen encarou a missão.
O Gol começou a nascer nas pranchetas dos projetistas, e depois seguiu para a construção do protótipo e o desenvolvimento na engenharia. Com lançamento previsto para o segundo trimestre de 1980 os primeiros protótipos do novo hatch já rodavam em testes de resistência, Levando a sério os conceitos de robustez, manutenção fácil e grande oferta de peças, a engenharia optou pelo uso do motor 1300 do Fusca. Até pela sua cilindrada, que trazia uma identificação com seu rival Fiat 147 1300.
Como a Fiat tinha o motor 1300 apenas nas versões esportiva (Rallye) e topo de linha (GLS), o marketing da VW pensou que o consumidor do seu novo carro ficaria feliz em levar para casa um 1300 desde a versão básica. Estrategicamente, isso poderia ser um atrativo de vendas para o promissor hatch. Mas, devemos lembrar que o motor 1300 do Fusca tinha parcos 38 cv. potência insuficiente para um brilho no desempenho do novo carro.
Por isso, ainda em meados dos anos 70, o motor 1300 do Fusca foi enviado para a competente Porsche, na Alemanha. A famosa marca de Stuttgart ficou encarregada de atualizar aquele antigo projeto, transformando-o num motor a altura do moderno Gol. Um trabalho que não foi feito da noite para o dia e não deve ter sido nem um pouco barato, pois a tecnologia da Porsche era cara. Os alemães começaram a trabalhar nas câmaras de combustão, que, com um desenho pouco favorável não permitia o uso de taxas de compressão muito altas, além de não produzirem a combustão mais eficiente. A queima total da gasolina não era convertida em potência.
Fizeram um belo trabalho, convertendo as câmaras de combustão simples do projeto original em trabalhadas câmaras semi-hemisféricas. Assim, o combustível era queimado de forma mais homogênea, culminando com pressão total da combustão na cabeça dos pistões. Para que isso fosse possível, foi necessário inclinar as válvulas de escapamento, que originalmente eram paralelas às de admissão. Fundiram um novo cabeçote, com outro desenho de câmara, e criaram outro balancim, de maneira que abrisse e fechasse com eficiência as novas válvulas de escapamento inclinadas. Coisa de mestre, pois p motor utilizava ainda o comando de válvulas na carcaça, com tuchos e varetas.
Esse novo desenho das câmaras permitiu também uma taxa de compressão mais alta: em vez dos 6,6:1 do Fusca 1300, o Gol 1300 poderia trabalhar com 7,8:1, mesmo com a nossa gasolina de baixa octanagem. A engenharia da Porsche também notou que faltava alimentação: o único carburador de 30 mm e difusor estrangulado de 24 mm, além de produzir perdas nas tubulações da admissão, não garantia a melhor aspiração do motor.
Como na época a injeção de combustível era coisa de carros importados, a solução encontrada pela Porsche foi a adoção de dois carburadores. Assim, o 1300 aspiraria melhor, teria melhor enchimento dos cilindros, melhora no desempenho e redução de consumo. Perfeito! Até então, seguiu-se com a mesma carcaça, virabrequim e bielas do Fusca, e nesse caso, apenas o pesado volante do motor foi trocado por outro emprestado do 1600, para acomodar uma embreagem, maior de acordo com o porte superior do Gol.
Além disso, como esse motor estaria na dianteira no novo hatch, modificaram sistema de arrefecimento, uma ventoinha de plástico, de fluxo axial e baixa inércia se encarregava de captar o ar admitido pela frente, arrefecendo cilindros e cabeçotes. Uma nova estrutura continha a tal ventoinha de baixa inércia, e, não por coincidência, era muito semelhante àquela utilizada no Porsche 911, esportivo de grande sucesso mundial. Um sistema de alta eficiência, permitindo que o lubrificante nunca ficasse acima dos 110 ºC, mesmo em situações críticas, como subidas de serra com o carro carregado ou altas velocidades na estrada.
Pesando apenas 30 kg a mais que o Fusca 1300, o primeiro Gol a ar podia transportar com mais conforto cinco passageiros e bagagens. Mas, quem manda nas fábricas é o cara dos custos, o tão temido setor financeiro. E quando aquele motor aperfeiçoado pela Porsche chegou ao Brasil, pronto para ir ao cofre do novo hatch, o pessoal dos custos começou a coçar a cabeça: primeiro ficaram incomodados com os dois carburadores, que reduziriam a margem de lucro do novo carro, que pretendia ser vendido aos milhares. Depois, pensaram que os alemães teriam sido muito ousados com a taxa de compressão de 7,8:1, que deveria rodar também no calor do nordeste utilizando nossa gasolina comum de baixa octanagem. Pensaram logo em detonação. e para não haver risco de quebras de motor, foi mantida a taxa de compressão baixa do Fusca 1300, 6,6:1.
Pesaram na decisão o prejuízo de imagem, fatal num novo produto, e o custo com garantia para reparar ou trocar os motores danificados pela detonação, apesar das novas câmaras de combustão.
Assim, a tendência seria de misturas mais ricas para compensar as perdas causadas pelo longo coletor de admissão e a aspiração de seria menor devido à restrição do carburador e seu difusor. Resultado, maior consumo e menor potência.,
Infelizmente, daquele admirável projeto realizado pelos técnicos de Stuttgart, sobrou apenas a ótima ventoinha de baixa inércia e os cabeçotes de câmara de combustão semi-hemisféricas. Na prática, isso fez com que o 1300 do Gol ficasse com 42 cv , um pífio ganho de 4 cv como resultado final do alto investimento.
Instalado no Gol, lançado em meados de maio de 1980, esse 1300 deixou o carro com um desempenho sofrível. Segundo testes da Revista Quatro Rodas na época, demorava infinitos 30,27 segundos na aceleração de 0 a 100 km/h, sem passar dos 125 km/h de velocidade máxima. Uma decepção na época, tanto que, em 1981, já chegava ao mercado o Gol a álcool, com dupla carburação e melhor desempenho.
No ano seguinte, veio o 1600 do Brasília, com dupla carburação, e aí o hatch Gol foi para outro patamar de desempenho e satisfação. Conquistou o consumidor brasileiro, e dali em diante foi só sucesso, chegando aos 27 anos de liderança do nosso mercado. Mas, se dependesse apenas daquele primeiro 1300 a ar, não teria ido muito longe…
DM
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