Na matéria da semana passada revivemos os primórdios da BMW Motorsport, que começou com Bob Lutz, em 1974, quando procurava substituir o importador Max Hoffman nos Estados Unidos por uma subsidiária da BMW, culminando com a vitória do 3.0 CSL na 12 Horas de Sebring.
Hoje voltarei um pouco no tempo para contar como a BMW se estabeleceu nos EUA, e se há alguém que pode ser creditado por ter aberto o caminho para a fabricante bávara chegar lá, essa pessoa é Max Hoffman.
Ele nasceu em Viena, Áustria, em 1904. Seu pai herdou uma loja de comércio varejista que se transformou numa fábrica de máquinas de costura e depois de bicicletas. Adulto, Hoffman passou a correr de duas e quatro rodas. Aos 30 anos ele parou e começou a importar carros ingleses, alemães, franceses e italianos e a exportar carros europeus para o Oriente Médio. O negócios iam bem, mas em 1938, quando a Alemanha sem dar um tiro anexou a Áustria ao seu território, ele se mudou para Paris em busca de segurança. Dois anos depois os alemães invadiram a França e Hoffman — seu pai era judeu — pegou um navio para Nova York.
Hoffman tinha a intenção de exportar caminhões fabricados nos EUA para o Egito, mas como isso era inviável, ele começou a fazer joias de plástico metalizadas. Sua ideia teve grande aceitação na economia em tempo de guerra, e em 1947 ele usou seu inesperado lucro para voltar ao ramo de automóveis. Adotando o nome Maximilian — seu nome legal permaneceu Mark Edwin — e tirando “n” final de seu sobrenome, ele abriu o primeiro showroom da Hoffman Motors no número 487 da sofisticada Park Avenue, com um único Delahaye no estoque. Em um ano, ele acabaria se tornando importador oficial da Jaguar nos EUA, e acabaria representando 21 marcas no país. Hoffman convenceu fabricantes europeus a fazer carros para os gostos e poder aquisitivo dos americanos, resultando no Mercedes 300 SL e 190 SL, no Porsche 356 Speedster e no Alfa Romeo Giulietta Spyder, entre outros. E foi o primeiro importador oficial Volkswagen, em 1949.

Como único distribuidor da BMW nos EUA de 1962 a 1975, Hoffman foi um campeão da marca, cuja crença na BMW permitiu que carros como o 2002 conquistassem um amplo público de fervorosos. entusiastas. Infelizmente, o verdadeiro papel de Hoffman na história da marca é tanto de herói quanto de vilão, repetindo-se num momento ou outro com quase todas as marcas representadas pela Hoffman Motors Corporation.

Em 1954 Hoffman foi a Munique, na esperança de ser um importador e representante BMW. A empresa começou a produzir carros novamente em 1951, e seu novo motor V-8 inspirado na Oldsmobile foi projetado com os EUA em mente. Melhor ainda, os sedãs BMW 501 e 502 da BMW logo se juntaram a um roadster com motor V-8, um cupê e um conversível, todos parra exportação.
Hoffman viu as fotos do protótipo roadster 528, que ele descartou de tão pouco atraente que era, ao ponto de ser invendável nos EUA. De volta a Nova York, ele decidiu fazer uma experiência pedindo ao designer americano nascido na Alemanha Albrecht Graf von Goertz para fazer alguns esboços e enviá-los à BMW. Assim começou um relacionamento que resultaria em Goertz projetar um dos carros mais bonitos já construídos, o 507 roadster, ao mesmo tempo em que redesenhava por completo seu correspondente 503.
Hoffman garantiu à BMW que especialmente o 507 venderia bem nos EUA, e se comprometeu a encomendar 2.500 unidades. Isso certamente cobriria o custo de desenvolvimento do modelo, incluindo as caras mudanças de desenho que Hoffman havia sugerido, mas esse volume logo foi reduzido a uma “ordem firme de 1.000 carros”, 300 carros por ano ao longo de quatro anos. Para piorar a situação, Hoffman também não honrou seus compromissos de pré-pagamento, mesmo depois que esses foram reduzidos de US$ 1 milhão para US$ 500 mil.
Tudo isso contribuiu em muito para a iminência de falência da BMW em 1959 que quase resultou na empresa ser absorvida pela Mercedes, porém salva pelo investimento de Herbert Quandt.
Para piorar a situação, o alto preço de varejo desses carros. praticamente construídos à mão, tornou-os absurdamente caros. Cada carro era vendido por quase US$ 10.000, tanto quanto um Cadillac muito mais potente e luxuoso na época. A demanda por um BMW tão caro seria severamente limitada, independente de seu estilo ou desempenho, e Hoffman acabou importando apenas 16 unidades 507 em entre 1957 e 1958.

No final de 1958 a BMW rompeu seu contrato com a Hoffman Motors e deu direitos exclusivos de distribuição à Fadex Corporation, de Fred Oppenheimer, que havia importado com sucesso o Isetta e outros microcarros BMW. Os carros grandes da BMW eram difíceis de vender, mesmo para Oppenheimer, e em 1959 ele pediu para rescindir o acordo de distribuição. A pedido da BMW, a Fadex continuou por mais dois anos, mas vendeu apenas 1.212 BMW durante esse período. Em outubro de 1961, o relacionamento com a Fadex foi finalmente dissolvido, e a BMW Automobile Parts, Inc. foi criada para preencher seu lugar. Tudo indicava que uma subsidiária de vendas de propriedade integral da BMW seria o passo seguinte, mas nenhuma chegou a se materializar.
Enquanto isso, as 21 marcas representadas por Max Hoffman nos EUA foram reduzidas a apenas duas: Lancia e Porsche, esta restrita á parte leste do país apenas. Embora ele tenha afirmado depois que havia desistido do resto para se concentrar na BMW, as fabricantes uma a uma cortaram suas relações com ele na década anterior: Volkswagen em 1953, Jaguar em 1954, Mercedes em 1957, BMW em 1958, Fiat em 1960 e Alfa Romeo em 1961.
Algumas o fizeram por considerarem Hoffman displicente com o pós-venda, outros simplesmente para se desfazerem do intermediário. Na maioria dos casos, no entanto, essas marcas (excluindo a BMW) dissolveram seus acordos com Hoffman com grandes despesas, sob condições que, em muitos casos, representaram centenas de dólares para cada carro vendido nos EUA até que os contratos originais expirassem.

Que a BMW voltaria às mãos de Hoffman parece inexplicável, mas a empresa não tinha recursos para estabelecer sua própria rede de distribuição num país de dimensões continentais como os EUA. Hoffman tinha um forte defensor em Paul Hahnemann, recém-chegado da Borgward para se tornar o novo membro do conselho da BMW para vendas. Sem dúvida, o contrato se adequava a ambos, mesmo quando a BMW se protegeu ao contratar Hoffman por apenas três anos, de março de 1962 até o final de 1964. O documento exigia que Hoffman encomendasse 1.000 carros durante esse período, que ele oferecesse um pós-venda pelo qual ele era pouco conhecido, que assumisse o estoque de peças da BMW e mantivesse centros de distribuição em todo o país.
A reintegração de Hoffman coincidiu com o lançamento em 1962 do Neue Klasse (Nova Classe), um sedã de porte médio com preços razoáveis que prometia ter sucesso onde os carros de motor V-8 fracassaram. O 1500 de 80 cv era subpotenciado para o mercado americano, mas o 1800 de 90 cv saiu-se um pouco melhor, assim como o 2000 de 101 cv que chegou em 1966. Hoffman sempre foi fã de modelos de alto desempenho e, em 1965, importou 54 1800 TI/SA, modelo para clientes que quisessem participar de corridas, mais de um quarto da produção total.

Uma linha de produtos mais rica ajudou as exportações da BMW para os EUA a aumentar de apenas 231 carros em 1963 para 1.253 em 1966, quando os primeiros exemplares de duas portas começaram a chegar. Hoffman não achava que o 1600-2 teria sucesso no mercado e duvidava que ele pudesse ser vendido com boa lucratividade. Mas o carro acabou agradando, ajudado por opiniões favoráveis em revistas especializadas como Car and Driver e Road & Track. Mais tarde, a publicidade inteligente impulsionou ainda mais as vendas, enfatizando o desempenho do carro com o anúncio que falava em “velocidade de cruzeiro de 100 mph e estabilidade fenomenal”.
A chegada do 1600-2 viu as exportações da BMW nos EUA saltarem de 1.253 carros em 1966 para 4.564 carros em 1967, e todos, exceto 168, foram 1600-2. Quando esse carro foi acompanhado pelo mais potente 2002 em 1968, as vendas dobraram mais uma vez, para 9.172. O 2002 tornou-se uma grande sensação, inspirando os entusiastas a criar o BMW Car Club of America em Boston e o BMW Automobile Club of America em Los Angeles.

Embora Hoffman tenha sido creditado com a criação do carro, o 2002 foi um desenvolvimento orgânico dentro da BMW. Em Munique, Hahnemann estava pressionando por um carro esportivo compacto com “algo extra” ao mesmo tempo em que os engenheiros da BMW estavam montando os pequenos duas-portas com o maior motor de quatro cilindros da BMW. O 2-litros permitiu que o desempenho em relação ao 1,6-litro do 1600-2 fosse bem superior sem exceder os limites de emissões dos EUA, algo que o aumento de potência do 1,6-L não conseguiu. Hoffman não teve nada a ver com o seu desenvolvimento, embora certamente tenha saudado sua chegada. Ele merece, por outro lado, crédito pelo Baviera, uma versão despojada do sedã grande da BMW, que foi vendida no EUA por menos de US$ 5.000 EUA. O carro se mostrou popular, mas a própria BMW perdeu dinheiro com s Baviera, enquanto carros lucrativos como o 2800 e o 3.0 CS foram vendidos em volumes muito baixos. Em 1971, a BMW decidiu parar de oferecer seus carros grandes nos EUA após 1977.
Como isso sugere, as práticas comerciais de Hoffman estavam se mostrando problemáticas para a BMW. Ele expandiu bastante a rede de concessionárias, mas suas baixas exigências para nomeação — lojas que Hoffman aprovou como concessionária bastando comprar a identificação e as ferramentas necessárias por apenas US$ 1.500 que poderiam encomendar apenas dois carros — significando que muitas “concessionárias” não eram qualificadas para oferecer reparos ou outros serviços de qualidade. além de faltarem peças.. “Hoffman não estava muito interessado no que aconteceu depois de vender os carros”, disse o concessionário BMW de Chicago Bill Knauz. “Ele não gastava dinheiro com peças, oficina. garantia, etc.. Max só se preocupava com ele.”

Mais preocupante para a BMW, as práticas de pedidos de Hoffman eram erráticas, causando problemas na fábrica de Munique. As vendas oscilaram mais do que a BMW poderia tolerar, e não estavam aumentando a um ritmo que a empresa esperava, dada a crescente visibilidade da marca entre os entusiastas americanos. Hoffman não estava particularmente interessado em seguir as diretrizes da BMW para expansão, no entanto, já que ele estava ganhando dinheiro da forma que trabalhava — mais do que a BMW, como aconteceu.
Essas irregularidades passaram despercebidas até o início dos anos 1970, quando a nova liderança chegou à sede da BMW. Quando os novos membros do conselho começaram a analisar as estratégias de vendas e distribuição da marca, os dias de Hoffman estavam contados. Tudo o que restava era libertar a BMW dos contratos altamente lucrativos e de longo prazo de Hoffman.
MF