Interessante como a 6ª maior empresa em vendas no Brasil e no mundo está sob os holofotes nos últimos dias. De forma direta ou indireta a Renault é notícia.
Dia 13 de fevereiro, Honda e Nissan anunciaram que a intenção de casamento entre as partes, o que também envolveria a Mitsubishi, havia acabado. Aparentemente as partes não concordaram com o pacto pré-nupcial.
Brincadeira à parte, as três empresas soltaram comunicados globais informando tal decisão. Por falta de um informe, a Honda disponibilizou dois comunicados; um mais simples, como todas as demais e outro um pouco mais completo incluindo maior detalhamento.
Com respeito aos comunicados mais simples, um detalhe chamou a atenção. Nissan e Mitsubishi colocaram informações das três empresas, enquanto Honda citou apenas a Nissan, como que dizendo que as questões foram tratadas e os problemas encontrados apenas com esta empresa, uma vez que a Mitsubishi está vinculada à Nissan e participou da negociação com menos ênfase.
Vamos entender o comunicado mais completo que segue em tradução livre abaixo:
“A Nissan Motor Co., Ltd. (“Nissan”) e a Honda Motor Co., Ltd. (“Honda”) concordaram hoje (dia 13 de fevereiro) em rescindir o MOU (Memorandum of Understanding = Memorando de Entendimentos) assinado em 23 de dezembro do ano passado para consideração de uma integração de negócios entre as duas empresas.
Desde a assinatura do MOU, as equipes de gestão das empresas, incluindo os CEOs [execurivos-chefes], discutiram e consideraram o ambiente de mercado circundante, os objetivos da integração de negócios e as estratégias e estruturas de gestão pós-integração. Além disso, levando em consideração a importância de uma integração de negócios, ambas as empresas consultaram cuidadosamente as várias partes interessadas.
Durante as discussões entre as duas empresas, várias opções foram consideradas em relação à estrutura da integração de negócios. A Honda propôs mudar a estrutura de um estabelecimento preliminar de uma holding conjunta, onde a Honda nomearia a maioria dos diretores e o CEO da empresa com base em uma transferência conjunta de ações, conforme inicialmente descrito no MOU, para uma estrutura onde a Honda seria a empresa controladora e a Nissan a subsidiária por meio da troca de ações.
Como resultado dessas discussões, ambas as empresas concluíram que, para priorizar a velocidade da tomada de decisão e a execução de medidas de gestão em um ambiente de mercado cada vez mais volátil rumo à era da eletrificação, seria mais apropriado encerrar as discussões e rescindir este MOU.
No futuro, a Nissan e a Honda colaborarão dentro da estrutura de uma parceria estratégica voltada para a era da inteligência e dos veículos eletrificados, esforçando-se para criar novo valor e maximizar o valor corporativo de ambas as empresas.”
E o que significa cada elemento deste comunicado?
– “Desde a assinatura do MOU, as equipes de gestão das empresas, (…) consultaram cuidadosamente as várias partes interessadas”: indica a existência de negociações que envolveram todas as partes interessadas. Entendo que como detentor de 36% das ações da Nissan, a Renault tenha participado como uma dessas partes interessadas (stakeholders, acionistas em inglês) e que contribuiu para a decisão de não seguir com o acordo de alguma forma. As iniciativas que a Nissan deveria cumprir provavelmente também foram levadas em consideração na decisão;
– “Durante as discussões entre as duas empresas, várias opções foram consideradas em relação à estrutura da integração de negócios”: a Honda deixa claro até o final deste parágrafo a modificação da roupagem jurídica da empresa pensada. De uma holding conjunta (em resumo, uma empresa que possui a maior parte das ações de outras empresas permitindo a esta o poder de decisão sobre os negócios) para uma simples subsidiária, numa nítida perda de espaço e poder da Nissan;
– “para priorizar a velocidade da tomada de decisão”: sem que nenhuma parte conseguisse sucesso na evolução da negociação, cada empresa segue como estava até 23 de dezembro. O CEO global da Nissan, Makoto Uchida, foi muito criticado neste processo e a imagem da Nissan sai arranhada;
– “execução de medidas de gestão em um ambiente de mercado cada vez mais volátil rumo à era da eletrificação”: ninguém tem uma bola de cristal sobre qual modelo de eletrificação será o mais adequado; notório que o elétrico puro perdeu velocidade em diversos mercados mas mesmo nos híbridos existem dúvidas em relação aos principais formatos; em relação a Honda e Nissan, cada empresa envolvida tem seus produtos, suas plataformas, modelos em desenvolvimento (incluindo desenvolvimento com os parceiros atuais) e tecnologias que por vezes têm aspectos divergentes. Em paralelo, as empresas tradicionais estão se recuperando do atraso em relação ao processo da eletrificação (dominado pela indústria chinesa) que vem assustando o mercado;
– “No futuro, a Nissan e a Honda colaborarão dentro da estrutura de uma parceria estratégica voltada para a era da inteligência e dos veículos eletrificados, esforçando-se para criar novo valor e maximizar o valor corporativo de ambas as empresas”: permanecerão respeitando o antigo MOU assinado em 15 de março de 2024 com foco no desenvolvimento de tecnologias para veículos definidos por software (SDVs) de próxima geração.
A Nissan de fato passa por um inferno astral. A Renault quer a cabeça do presidente global da Nissan, as ações na bolsa de Tóquio estão bem depreciadas, no último relatório global foi anunciado o fechamento de três fábricas no mundo, anúncio de menores investimentos e cortes de pessoal (importante comentar que não vislumbro qualquer impacto no Brasil) e mesmo com nesta situação, a Nissan ainda atrai investidores. Um dos que se animam é a empresa Foxconn, que fabrica produtos eletrônicos para grandes empresas do setor.
É aguardar mais este capítulo.
Renault & Geely
E para cá, Brasil, em 17 de fevereiro, Renault e Geely anunciaram uma cooperação estratégica na produção e vendas de veículos com emissões baixas ou mesmo sem emissões. A Geely investiria na Renault do Brasil, tornando-se uma acionista minoritária e em contrapartida ganharia acesso a produção, rede de concessionários e serviços.
Tal iniciativa agregaria mais uma marca ao Brasil e a sua posição de destaque na América do Sul se consolidando a cada ano como um hub de produção regional.
Renault e Geely já são sócias em uma joint venture com a criação da Horse, especializada em powertrain, e já conta com presença no mercado local inclusive fomentando negócios.
Luca de Meo, CEO do Grupo Renault , disse: “As duas empresas nos permitirá consolidar nossa presença industrial no estado do Paraná e fortalecer ainda mais a posição da marca Renault neste mercado-chave”.
Já Eric Li, presidente do Geely Holding Group, disse: “A cooperação da Geely com a Renault é parte do compromisso em trabalhar com parceiros globais na transformação e melhoria da indústria em uma direção sustentável”.
E por fim, Daniel Li, CEO da Geely Holding Group, finalizou: “Nesta era transformadora da indústria automobilística global, faz sentido percorrer o caminho à frente com amigos e parceiros. Para atingir crescimento quantitativo e qualitativo, não podemos nos contentar em ficar confortáveis em um lugar, devemos sair para o mundo, aderir ao desenvolvimento de longo prazo e nos comprometer a ser abertos e colaborativos”.
Estão plantando e uma hora colherão esses frutos!
MKN
A coluna “Visão estratégica” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.