Mudança de planos de última hora sobre o tema da coluna. Um esboço da desta semana estava pronto mas Trump anunciou no final do dia de ontem (26) uma nova ação que não poderia deixar de ser comentada.
As alíquotas de 25% para todos os veículos automotores importados para os Estados Unidos a partir de Abril, e não apenas aqueles proveniente do Canadá e do México, bem como o anúncio de alíquotas para as autopeças no mesmo valor percentual a serem implementadas a partir de maio (ainda sem definição quanto a data) foram anunciadas pelo presidente norte-americano. Tais medidas trarão uma efetiva concentração da indústria no médio prazo aos Estados Unidos mas existirá um pênalti…
Antes porém vamos recordar que recentemente o próprio presidente norte-americano já havia adicionado a alíquota de 25% para o aço e para o alumínio lembrando que aquele mercado não é autossuficiente na produção destes dois produtos (escrevi sobre o tema no LinkedIn).
Mais da metade das autopeças são importadas para os EUA mesmo para a produção dos veículos locais. A descentralização desta indústria aconteceu ao longo das últimas décadas em função do elevado valor da mão de obra norte-americana, elevados custos de energia, baixa competitividade da indústria siderúrgica, entre outros fatores.
Tais ações gerarão inflação prolongada e nenhum governo, politicamente falando, é bem aceito por sua população com altas inflações no longo prazo independente dos resultados que venham a alcançar. Para Murilo Moreno “já é esperado um aumento de, no mínimo, US$ 3 mil por carro local. E o dobro, no importado. Estamos falando em algo próximo a 10%, já que o preço médio do carro americano é de US$ 47 mil”.
A projeção da consultoria Anderson Economic Group dizia, apenas com respeito a influência do aço e do alumínio, que os veículos poderiam ficar até US$ 12.000 mais caros; em nova análise, agora considerando as taxas de importação dos veículos, a Anderson diz que os veículos poderão ficar entre US$ 4.000 e US$ 10.000 mais caros. É muito! Gosto de lembrar que os veículos nos Estados Unidos partem de um valor pouco inferior a USD 20.000.
Além disto, os Estados Unidos passam a criar uma indisposição comercial com outros países, incluindo aliados históricos. O primeiro-ministro canadense Mark Carney já disse que o anúncio das tarifas é um ataque direto à indústria automobilística canadense. A União Europeia já analisa o cenário, lembrando que a Alemanha está entre um dos principais exportadores para os Estados Unidos.
Com números de 2023 os EUA registraram US$ 208 bilhões em compras de veículos automotores. México liderou com cerca de US$ 44 bilhões, seguido do Japão com US$ 40,9 bilhões, Canadá com US$ 35 bilhões, Coreia do Sul com US$ 31 bilhões e Alemanha com US$ 24 bilhões. Para se ter uma relevância do México, dois terços da produção mexicana é destinada ao mercado norte-americano. Se esta matéria estivesse sendo escrita para uma mídia daquele país, o tom seria muito mais próximo de um ‘dramalhão mexicano’ que estávamos acostumados a assistir na televisão.
Soma-se a estes elementos o fato de uma imprevisível, mas não descartável, crise econômica que possa atingir o mercado norte-americano em função de tantas alterações nas cadeias produtivas e de fornecimento globais, além de pressões inflacionárias. Neste sentido sofreríamos as consequências já que nossa economia é muito dependente de outros mercados e qualquer crise nos impacta rápido e diretamente. Gosto de recordar que desde 2008, ou seja, nos últimos 16 anos completos, o Brasil passou por nada menos que cinco crises internas ou externas que afetaram a nossa indústria automobilística de forma direta ou indireta… Em quantidade de anos isso nos dá uma perspectiva de oito anos (50% do período).
Então, sob a ótica do Brasil três pontos importantes a observar:
a) pelo fato de exportarmos veículos acabados aos Estados Unidos em números insignificantes (quando acontecem), nossa indústria não será afetada;
b) pelo contrário, por nossas autopeças exportarem grandes volumes para os Estados Unidos, observaremos uma diminuição na produção, aumento na demanda interna com foco no pós-venda e eventualmente alguma crise; e,
c) o Brasil precisa estar preparado para uma eventual crise global que se iniciaria pelos Estados Unidos. É muito cedo para se afirmar isto e nem sou nenhum especialista no assunto mas a movimentação dá indícios de que algo no futuro não se encaixará bem para todos os envolvidos.
Seria somente mais uma crise para o brasileiro que, como diz o ditado, “não é para amadores”!
MKN
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