O Ministério Público Federal pede à Justiça uma ação contra a GM, exigindo um recall dos Chevrolet Onix produzidos entre 2012 e 2018. E que pague uma indenização de 2,5 bilhões de reais por falhas na segurança do modelo, conforme testes de segurança realizados pelo Latin NCAP uma entidade privada sediada no Uruguai, sequer credenciada pelo governo brasileiro para certificar a segurança dos automóveis comercializados no país
O Latin NCAP avalia os veículos com critérios próprios, ignorando a legislação brasileira e atribuindo de zero a cinco estrelas de acordo com o nível de proteção aos passageiros de acordo com sua avaliação. Os carros são submetidos a testes simulados e arremessados contra barreiras fixas com bonecos antropométricos (“dummies”) em seu interior, que indicam a gravidade das lesões que poderiam sofrer os passageiros num acidente.
Os piores do Brasil
Se o MPF pesquisar, terá de processar quase todas as nossas fábricas, pois apesar de se enquadrarem na legislação brasileira, não atendem às exigências do Latin NCAP. Nossos piores automóveis, pelos seus enigmáticos critérios, são:
Zero estrela: Citroën C3, Fiat Argo/Cronos, Ford Ka, Hyundai Tucson e HB20, Kia Sportage e Picanto, Mitsubishi L200, Chevrolet Onix, Renault Duster e Sandero.
Uma estrela: Fiat Strada, Honda WR-V, Toyota Yaris, Jeep Renegade, Fiat Mobi, Ram 700, JAC J3.
Os crash tests do Latin NCAP são realizados com modelos adquiridos no mercado, segundo seus próprios critérios. Ou pelo interesse do fabricante em submeter seu modelo à avaliação. Pagando, neste caso, uma elevada quantia à entidade uruguaia.
Os critérios para a classificação dos veículos são nebulosos, nada transparentes e os resultados dos testes são amplamente questionáveis. E não é somente no Brasil: o jornalista argentino Martin Simacourbe (Autoweb) também questionou o comportamento dos uruguaios. E afirma que “há tempos tenho a sensação de que o Latin NCAP denuncia quem tem vontade de denunciar (motivado sabe-se lá por quê) e não pela realidade dos fatos. Eles devem ter suas razões para este procedimento. Mas eu tenho as minhas para pensar que nem tudo é tão altruísta como nos vendem”.
Estrelas cadentes
São vários os exemplos da subjetividade das avaliações do Latin NCAP. Entre eles, em 2016, testou um Ford Ranger comprado na Colômbia onde não há, ao contrário do Brasil, a exigência de duas bolsas infláveis dianteiras, com resultado desfavorável à picape da Ford. Em 2020, foi testado o novo Hyundai HB20, que recebeu quatro estrelas das cinco possíveis. Um ano depois, o mesmo coreano perdeu inexplicavelmente três delas.
Em 2021 a “vítima” da vez foi o Renault Duster, que também levou bomba com zero estrela. Exatamente o mesmo modelo agraciado com 4 estrelas em 2019. “É porque mudamos os critérios para exigir mais segurança”, explicaram os uruguaios. Uma argumentação razoável e que até poderia fazer sentido, mas jamais para justificar um segundo teste no mesmo modelo, aplicando protocolos mais rigorosos e inexistentes à época de sua fabricação.
No Brasil, corre-se o risco de comprar hoje um carro classificado com cinco estrelas e descobrir que foi rebaixado para zero ou apenas uma no dia seguinte. A questão principal que as fábricas brasileiras colocam em relação ao Latin NCAP é a modificação dos protocolos sem se respeitar um prazo mínimo para que sejam cumpridos. Além do absurdo de se avaliar duas vezes o mesmo modelo, aplicando diferentes protocolos.
Escândalo do Renegade
Em julho de 2024, o Latin NCAP supera sua própria irresponsabilidade ao testar um Jeep Renegade produzido em 2021, fora de linha desde o início de 2023. O modelo que recebera cinco estrelas em 2015 foi então reprovado com uma única estrela. O carro foi produzido no Brasil mas comprado num resto de estoque de uma concessionária no Panamá. O Latin NCAP pediu à Stellantis (dona da marca Jeep) um modelo novo para os testes. Além de contribuir (com cerca de US$ 500 mil), necessários para sua execução. A empresa se recusou e os testes foram então realizados com a versão antiga e fora de linha.
A própria entidade uruguaia confessa em sua informação para a imprensa que solicitou da Jeep um novo veículo, negado pela empresa. E ainda acusou levianamente a Stellantis de “comunicação enganosa ao mercado”.
A Stellantis, consultada, confirma que negou o patrocínio para os testes da versão atualizada do Renegade, mesmo diante da ameaça de ter seu veículo reprovado nos crash-tests. Diz ser “importante ressaltar que a versão testada, mesmo que feita aqui, não é vendida no País. No Brasil, o modelo tem seis bolsas infláveis, faróis Full-LED, controle de estabilidade, detector de cansaço, assistente de manutenção de faixa e frenagem autônoma de emergência. Que não fabrica mais a versão testada com apenas duas bolsas infláveis do Renegade. E que os itens de segurança oferecidos de série em todas as versões fabricadas no País são distantes por completo da versão testada, já fora de linha”.
Recall do Chevette?
A GM produziu o Onix entre 2012 e 2018 de acordo com a Resolução do Contran nº 910, de 28/03/2022. Se o MPF quer um recall deste modelo da GM, deveria exigir o mesmo de todos os demais milhões de automóveis que circulam no Brasil e igualmente reprovados pelos uruguaios. E cobrar mais alguns bilhões de reais de multa também de outras fábricas, por não se enquadrarem nas exigências da entidade uruguaia…
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade
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