Há um simbolismo curioso na decisão da General Motors de abrir um estúdio avançado de design em território britânico. Logo no Reino Unido, berço de tradição automobilística que, por décadas, olhou com desconfiança para a exuberância americana em matéria de estilo. Pois foi justamente ali que a GM decidiu fincar sua nova bandeira criativa — e foi também dali que saiu um dos projetos conceituais mais ousados e intrigantes dos últimos tempos: um Corvette com sotaque europeu, linhas de hipercarro e alma de laboratório sobre rodas.
O novo centro de design avançado da GM está a cerca de 30 quilômetros de Birmingham, no coração da Inglaterra. Mais do que uma nova unidade de criação, trata-se de uma ampliação do pensamento da marca para além de seus polos tradicionais – Detroit, Los Angeles, Xangai e Seul –, incorporando nuances culturais europeias e, principalmente, novos olhares sobre a mobilidade do futuro. Esse novo estúdio é uma evidência de que a General Motors quer ter mais evidência na Europa.

Para marcar a inauguração do estúdio britânico, a GM apresentou um conceito de Corvette desenvolvido integralmente por sua nova equipe no Reino Unido. O carro não antecipa um futuro modelo de produção – pelo menos não oficialmente – mas representa um exercício de liberdade criativa com um propósito claro: repensar o Corvette sem amarras, respeitando seu DNA e ao mesmo tempo projetando-o para um horizonte longínquo, entre 2035 e 2045.
Julian Thomson, ex-Jaguar, é quem lidera a operação. Com longa experiência no setor, Thomson é conhecido por sua sensibilidade estética e pelo equilíbrio que consegue entre forma e função – exatamente o que se percebe nesse Corvette-conceito. O projeto nasceu como parte de um estudo global em que diversos estúdios da GM foram convidados a criar suas visões do que poderia ser um “Corvette hipercarro”.
Todos tinham uma única exigência: preservar o espírito do nome Corvette. Todo o resto era livre.
E liberdade é o que não falta no resultado britânico.
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O carro impressiona pelas proporções: largura de 2.180 mm, altura de apenas 1.030 mm e rodas que preenchem completamente os arcos — 22 polegadas na dianteira, 23 na traseira. O conjunto tem algo de nave espacial, algo de caça supersônico, e um pouco daquela ousadia de quem não está limitado por regulamentos ou orçamentos. A aerodinâmica ativa, o chassi com suspensão por haste de impulsão de inspiração em carros de pista, o conceito “aero-dual” (que altera o fluxo de ar conforme o uso em pista ou estrada) e os recursos técnicos de manufatura aditiva reforçam a natureza experimental da proposta.
Mas o detalhe mais marcante é o que a GM chama de “Apex Vision” – uma coluna central no para-brisa, que se projeta da base ao teto como uma espinha dorsal, lembrando a icônica janela dividida do Corvette Sting Ray de 1963. Não é só um recurso visual: trata-se de um elemento estrutural que também serve como base para um display aumentado, projetado no campo visual do motorista. Forma e função, em perfeito equilíbrio.

O design externo aposta numa divisão clara entre as metades superior e inferior da carroceria. A parte de cima é onde estão os elementos visuais que remetem ao Corvette — ainda que reinterpretados num idioma claramente futurista. Já a porção inferior é toda voltada ao desempenho funcional: bateria integrada à estrutura, dutos ativos, ausência de aerofólios fixos e um fundo esculpido que contribui para o efeito solo. Há até ventiladores que modulam a passagem do ar conforme a necessidade, como nos famosos (e banidos) fan cars do fim dos anos 70.
O interior do novo estúdio da GM na Inglaterra também impressiona: são mais de 2.000 m² dedicados à experimentação, com equipes capazes de trabalhar tanto em modelagens digitais quanto em clay tradicional — sim, a velha argila ainda tem seu lugar no processo criativo, mesmo em 2025.

Segundo Michael Simcoe, vice-presidente global de design da GM, o papel dessas unidades avançadas vai muito além de desenhar novos carros. Elas existem para imaginar o que a mobilidade pode se tornar, desafiar paradigmas e lançar provocações técnicas e visuais ao restante da empresa. Não é difícil enxergar esse Corvette-conceito exatamente sob essa ótica.
Ele não antecipa um novo modelo. Não estará nas ruas em cinco anos. Mas é uma carta aberta ao futuro — e, ao mesmo tempo, uma reverência cuidadosa ao passado. Porque mesmo quando fala com sotaque inglês e veste linhas de hipercarro, um Corvette ainda é, antes de tudo, um Corvette.
PM
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