Lá para meados dos anos 80 iniciou-se por aqui o que costumamos chamar de “Era Turbo”, em paródia o que aconteceu na Fórmula 1 depois que a Renault a inaugurou em 1977. Antes, para aumentar a potência de um motor sabia-se que o recurso era o de melhorar a eficiência volumétrica dos motores. Para isso, trabalhávamos em comandos que permitiam maior tempo de abertura das válvulas, coletores de admissão menos restritivos, carburadores maiores ou em número superior, coletores de escapamento que facilitassem a saída dos gases queimados e tubulações e silenciadores menos restritivos para a saída desses gases. Assim, os motores respiravam mais e livremente e suas potências aumentavam à medida que o motor era mais elaborado nos cabeçotes e na admissão do ar fresco externo.
Dessa forma, a preparação dos motores era básica e apesar de cada preparador fazer a sua, no final todas se restringiam a permitir que o motor respirasse livremente.
Particularmente, gostava e admirava esse trabalho, e mesmo antes dos meus 20 anos de idade trabalhava como aprendiz em uma oficina de preparação de motores no bairro do Cambuci, comandada pelo italiano Raffaele Cecere, um grande conhecedor na arte de preparar motores.
Além dos ensinamentos práticos e verbais que tinha do meu mestre, o assunto me interessava tanto que procurava literatura a respeito e devorava os poucos livros que tratavam do assunto. Era um verdadeiro fanático pelo assunto. Imagine, quando Raffaele ia para Interlagos para fazer acertos em algum Fusca de Divisão 3 (aqueles Fuscas com pneus slick e motores 1600 alimentados por dois carburadores Weber de 48 mm, verdadeiras feras da velocidade), ou algum Formula Vê ou Super Vê.
Eu me sentia no Olimpo: em Interlagos, ajudando o mago no acerto das carburações ou do ponto de ignição desses motores potentes e extremamente barulhentos. Carregava pneus ou baterias para a partida no grid de largada nos dias de corrida. Me sentia no meu habitat. Sabia que tinha nascido para aquilo.
Era fã de toda a preparação que melhorasse o rendimento de um motor original. Coitado do meu pai, João Mendonça, e seu Fusquinha: eu fazia todo tipo de experiência nos motores dos Fuscas que foram do meu pai. E ele era a minha cobaia, para me dizer se o motor havia melhorado pouco ou muito e como o carro se comportava nas saídas, ultrapassagens e vencendo as subidas. Quando não dava certo, contava ao meu mestre italiano o que havia feito e qual o resultado prático. Muitas vezes ouvi dele: “Mas, você é burro! Isso só dá certo quando se utiliza determinada gasolina, taxa de compressão ou carburação”, e normalmente ele dava uma boa risada com o seu aprendiz metido a preparador júnior.
Mas o tempo foi passando e eu aprendi muito mais fazendo meus próprios motores, escolhendo a receita que julgava mais correta para determinada aplicação, escolhendo a combinação correta de comando de válvulas, cabeçotes e seus dutos, carburação e suas passagens internas, sistema de ignição e suas velas e o escapamento mais adequado para aquela utilização. Sempre me dei muito bem com as escolhas que fiz e com as receitas que criei, tanto para uso na rua quanto para utilização nas competições em pistas.
Mas ainda em meados dos anos 80 para virar os anos 90, começaram a surgir os temíveis motores turboalimentados. Algumas empresas especializadas, comandadas por proeminentes engenheiros ou mecânicos com décadas de experiências na preparação de motores, começaram a instalar turbocompressores desenvolvidos normalmente para motores Diesel que eram adaptados em motores a gasolina.
No início os resultados eram discretos devido à limitação de alimentação por carburadores e pontos de ignição determinados mecanicamente pelos distribuidores. Mas, mesmo assim, os primeiros resultados eram promissores e mostravam que o tal turbo tinha um futuro brilhante.
Eu, confesso, era resistente a eles, pois sabia que a tendência era a de que os turbos acabassem com o refino construtivo de um bom motor aspirado. Mas, em contrapartida, sabia que o futuro dos turbos era só uma questão de tempo e nos anos 90 já escrevia reportagens onde afirmava que o futuro dos motores estava nos turbocompressores, verdadeiras bombas de ar acionadas pelos gases de escapamento, portanto usando energia de graça, que enchiam os cilindros, melhorando de maneira forçada o enchimento volumétrico de qualquer motor, por pior que fosse o seu projeto original.
Quando comecei a tomar contato com os motores turbo que realmente funcionavam — os primeiros detonavam, superaqueciam, quebravam o pistão ou fundiam na biela, queimavam a junta do cabeçote, isso quando alguma biela não queria fugir lá de dentro e arrebentavam o bloco do motor. Não por acaso, os motores turbo que funcionavam já eram alimentados por injeção eletrônica e os sistemas de ignição também monitorado eletronicamente. Os resultados com esse casamento injeção-ignição eletrônicos e turbocompressor deram num casamento que começou a mostrar frutos bem interessantes.
E foi essa a versão que evoluiu. Já no final dos anos 90/início dos anos 2000, comecei a pensar: “Se um motor aspirado de boa eficiência volumétrica for auxiliado pelo sopro externo de um turbocompressor, o resultado final deverá ser mais positivo ainda”.
Inicialmente, comprei um Honda Civic VTi 1995 do seu primeiro proprietário que tinha até a nota fiscal da compra do carro. Meu objetivo era colocar um turbo soprando sobre seu motor 1,6 original de 160 cv.
E assim foi feito. Um especialista fez o novo coletor de escapamento para suportar o turbocompressor e a saída que ia para o escapamento original. Um sistema simples, para baixa pressão (no máximo 0,7 bar) que adaptei para uso de álcool por sua maior octanagem equivalente, para menor risco de quebra do motor. O resultado final? Não coloquei esse meu carro no dinamômetro, mas quando fiz o meu VTi preto, em paralelo fizemos um outro vermelho pertencente ao meus sobrinho Ricardo Dílser, hoje da Comunicação da FCA Fiat Chrysler Automobiles América Latina.
A receita dos dois carros eram idênticas e foram feitas juntas nos mesmos lugares. Um cuidado especial que tivemos foi com relação ao intercooler: um enorme radiador de alumínio que esfria o ar comprimido, e aquecido, pela compressão. O carro do Ricardo foi medido no dinamômetro: foram assustadores 327 cv a 7.000 rpm e um torque máximo na casa dos 36 m·kgf.
Os carros ficaram tão atrevidos que eu costumava dizer que só respeitava motos e se fossem de grande cilindrada. O restante, o que aparecesse pela frente, podia partir para cima que ou ia tomar ou ia receber um grande calor. Claro, descobri também que ele “expulsava” a junta do cabeçote quando muito exigido (o carro fazia 8.400 rpm de quinta marcha e parava nos 230 km/h). Descobri também que a junta era empurrada porque os cilindros entravam em ressonância e vibração na parte superior quando a pressão e a rotação eram muito altas.
Mas, os preparadores americanos já tinham resolvido esse problema com o suporte de alumínio que prendiam os 4 cilindros para que eles não vibrassem com as altas rotações e pressões e, ao mesmo tempo, permitia a livre passagem de água suficiente para arrefecer o cabeçote. Foi colocar o dispositivo e o problema desapareceu.
Minhas aventuras nos turbos pararam por ai? Claro que não! Depois disso fiz um BMW M3 e outro M5, ambos turbo. As aventuras com esses dois supercarros turbo, conto depois.
DM
Nota: A foto de abertura, feita pelo André De Nardi/Original Motors durante um dos ralis de regularidade em Interlagos organizado pelo Jan Balder, é apenas ilustrativa por o Douglas não ter foto do seu VTi/Bob Sharp