Quando estive no museu da Força Aérea Americana em maio de 2016, relatei que por poucos dias não havia visitado o último dos quatro grandes edifícios em forma de hangar, que seria inaugurado em seguida, menos de duas semanas depois. Consegui, por gentileza pessoal de um funcionário, tirar algumas fotos apenas de uma posição alta, de um mezanino onde existe uma pequena lanchonete. Foi algo surreal, poder olhar para o que eu não poderia visitar naquela ocasião. Ficou uma alegria e um vazio na alma, simultâneos.
Mas como tudo tem a hora certa, consegui voltar agora, e com tempo e tranquilidade, ver todo o museu novamente, e claro, passar algumas horas nessa parte mais nova, que tem itens muito interessantes. Nesse edifício a iluminação é moderna, com a maioria das luzes sendo de LED. Além de bem claro, a distribuição de luz é ótima, muito diferente dos outros três edifícios mais antigos, que são ruins nesse quesito.
Dito com simplicidade, era o que eu mais queria ver, mas não é onde gastei o maior tempo. Esse último hangar tem dois grupos principais, aviões experimentais e presidenciais. Como as aeronaves que os presidentes americanos usaram são quase todas de tamanho grande, uma boa parte parte do espaço é tomado por eles, e sinceramente seria muito mais educativo ter menos desses leviatãs e mais aviões usados para testes e desenvolvimentos de todo tipo. Acredito que seja sempre mais interessante olhar uns quatro aviões experimentais pequenos do que um Boeing 707. Nada contra nenhum avião — sou doente por eles — apenas uma constatação lógica de aproveitar melhor o espaço disponível, aumentando a quantidade de informações disponíveis.
Nada melhor do que ter a presença do North American XB-70 Valkyrie, que pelo enorme tamanho é imediatamente avistado quando se entra na área. Dar a volta olhando esse monstro voador é refletir o nível em que a engenharia aeronáutica atingiu no auge da Guerra Fria. Tudo é superlativo nesse avião, dos dois fabricados, apenas este resta, portanto uma visão de grande privilégio que pude apreciar. Seis motores, três vezes a velocidade do som, 23 mil metros de teto de serviço. Um programa terminado após um acidente que não foi provocado por nenhum defeito no avião nem falha de sua tripulação, e a certeza que a USAF poderia ter tido em serviço o mais espetacular bombardeiro da história.
Há uma boa quantidade de itens experimentais que mostram uma evolução das velocidades atingidas e que culminou no ônibus espacial, o Space Shuttle. Entre eles, o X-1B, que chegou a 2.650 km/h, evolução do X-1, o primeiro avião a ultrapassar a barreira do som em 14 de outubro de 1947. Claro que nos indagamos por que o Bell X-1 não está nesse museu, mas sim no NASM – National Aeronautic and Space Museum, do instituto Smithsonian, em Washington, capital dos EUA. No museu da USAF poderia até ser mais apropriado, mas o X-1 transcende a história da aviação, sendo importante para a história do desenvolvimento humano. Não é por menos que ele se encontra exposto junto ao Ryan NYP “Spirit of St. Louis” que Charles Lindbergh utilizou para atravessar o Atlântico norte, sozinho, em 1927.
Mas há um outro avião que também é um marco na história humana, e que por ter mais de um exemplar sobrevivente, há um no NASM e outro aqui no USAF Museum. É o North American X-15, um avião que atingiu como melhores marcas os 7.274 km/h de velocidade máxima e 107,8 km de altitude, em 199 voos efetuados entre 1959 e 1968. Foram três X-15 fabricados, e o programa de testes foi o maior já feito pela Força Aérea junto com a Nasa. Vários pilotos o comandaram, um deles Neil Armstrong, o primeiro humano a colocar os pés na Lua. Parece inacreditável que apenas um acidente fatal tenha ocorrido com um X-15. É um registro da segurança elevada de uma aeronave que é mais um foguete do que um avião.
O X-15 e outros aviões de pesquisas não decolavam do solo, mas sim eram levados até determinadas altitudes acoplados a aviões maiores, inicialmente B-29 e depois B-52, para então serem soltos e acionar motores, no caso do X-15, um foguete movido a propelente líquido, nesse caso amônia como combustível e oxigênio como comburente.
Uma categoria que teve vários representantes é a dos lifting bodies, em tradução livre fuselagens que geram sustentação (mesmo princípio do carros-asa de F-1, o Lotus 78, no caso sustentação negativa).. No museu há alguns deles, como os X-24A e B, totalmente diferentes um do outro. Num planejamento longo e detalhado, anos de pesquisas se passaram até se chegar ao Space Shuttle, que subia com foguetes até sua órbita e fazia o retorno à Terra em voo absolutamente planado, sem nenhum motor funcionando. Não haveria o Shuttle sem esses pequenos aviões, importantes ao extremo.
Muito mais recente é o Grumman X-29 de asas enflechadas para frente (foto de abertura), que voou pela primeira vez em 1984 e foi testado até 1991. Era um grande pacote de novidades de tecnologia: asas de torção aeroelástica, que se deformam conforme as cargas aerodinâmicas são variadas durante manobras, comandos de voo elétricos (fly-by-wire), instabilidade natural corrigida eletronicamente. A parte dianteira do X-29 é aproveitada do F-5 Tiger, caça leve de grande utilização. Havia pequenas asas na parte dianteira que o classifica como um canard, e os profundores são integrados à superfície que nasce no bordo de ataque das asas e vai até a saída do motor. Em 242 voos, as duas unidades do X-29 geraram uma quantidade imensa de dados que foram aplicados em vários projetos militares.
Um dos experimentais mais interessantes — se é que existe o “mais” nessa categoria de aviões — é o Bell X-5, que está suspenso por cabos a partir da estrutura do teto. Esse avião é praticamente uma cópia do Messerschmitt P.1101, capturado depois da Segunda Guerra Mundial. O avião alemão tinha três posições de asa, que tinha que ser alterada em solo antes de cada voo, já o X-5 conta com um sistema de mudança do ângulo das asas em voo, movidas por motores elétricos, e voou pela primeira vez em 1951. Foi o primeiro com essa característica, depois tornada conhecida nos muito mais famosos e utilizados General Dynamics F-111 e Rockwell B-1 do lado americano, no Panavia Tornado europeu e no MiG-23 pelo lado do bloco soviético.
Sem nos atermos a cronologia, outra aeronave espantosa é o XP-75 Eagle, fabricado pela divisão Fisher da General Motors em 1943. Deveria ser um caça com grande velocidade de ascensão, e para isso foi adotado um V-12 duplo da Allison, o V-3420, com 2.885 hp. Há um motor com as árvores de transmissão de força para as hélices contrarrotativas, giravam cada uma em um sentido, já que pela largura e peso, ele teve que ser montado no centro de gravidade, atrás da cabine de comando. Observar esse tipo de protótipo mostra que havia pouco limite para a criatividade ser transformada em realidade durante a Segunda Guerra Mundial. O Eagle tinha 10 metralhadoras e podia levar também duas bombas de 500 libras (227 kg), voando pouco acima de 12 mil metros e a 690 km/h por até 4.100 km, um conjunto de dados de desempenho excepcional. Foram fabricados apenas umas poucas unidades, e não se conseguiu ir além de testes e desenvolvimento, pois o conflito armado acabou em 1945, e a necessidade se esvaiu.
O primeiro jato americano tinha desempenho fraco, mas mesmo assim foram construídas 50 unidades. Trata-se do Bell P-59 Airacomet, cujo motor a jato é uma versão fabricada sob licença dos ingleses, a partir do motor de Sir Frank Whittle, o pioneiro do jato puro britânico.
Uma outra peça única é o P-80R, versão de recorde de velocidade do bastante comum Lockheed Shooting Star, o primeiro caça americano a jato de grande utilização e bom desempenho. O R trouxe o recorde de 1.004 km/h depois de 24 anos sem que os EUA tivessem essa honra. A data foi 19 de junho de 1947, exatamente quatro meses antes de se ultrapassar a barreria do som com o X-1. Tem várias modificações, como injeção de água e álcool no motor para maior empuxo, armamento retirado, bolha da cabine (canopy) mais baixo, asas mais curtas e tomadas de ar modificadas, tudo para menos arrasto e maior velocidade. Um verdadeiro hot rod voador, exatamente na mesma época que os carros desse tipo começavam a dominar os desejos dos entusiastas com poucas verbas.
Para pesquisas de voo de superfícies em formato triangular, chamado de delta na aviação, foi fabricado o XF-92, protótipo da Consolidated Vultee Aircraft (Convair) que resultou num produto que entrou em serviço na USAF, o Delta Dagger, caça de interceptação de alta velocidade. O XF-92 tem um desenho que parece pouco refinado, mais parecendo partes de forma geométricas unidas, tem o estabilizador vertical e leme de direção enormes, mas teve sua utilidade, mesmo sendo difícil de pilotar e com menos empuxo do que seria desejável. Voou pela primeira vez em 1948.
Outra experiência com formato de asa extremamente diferente foi o Republic XF-91 Thunderceptor, avião derivado do bastante fabricado (mais de 7.500 unidades) e utilizado Thunderjet. Para tentar solucionar os problemas de perda de sustentação em jatos de asas enflechadas, a Republic colocou em forma física no ano de 1949 a ideia de asas com maior corda nas extremidades do que nas raízes — corda é a medida de distância entre os bordos de ataque e de fuga da asa, medido no sentido longitudinal (comprimento) do avião.
Além disso, o ângulo de incidência — aquele que a asa exibe ao pegar o vento de frente — era também variável. Essa solução foi usada para uma característica vital de controle de um avião, diminuir a velocidade de pouso, e chegou à produção depois de alguns anos em um caça naval da Chance-Vought, o Crusader (de novo, uma tecnologia aplicada aos carros de Fórmula 1 mais recentemente, a asa traseira móvel).
Como não é possível ver com clareza essas asas no avião que está no museu, adicionei uma foto dele em voo, com configuração mais antiga do que hoje, sem o radar no nariz. Mas é o mesmo avião exposto.
Um avião muito estranho e que parece estar voando em altíssima velocidade mesmo parado é o Douglas X-3 Stiletto, com grande proporção entre comprimento e envergadura, 6,91 por 20,35 metros. Apesar de parecer veloz, foi um dos maiores furos n’água de todos os aviões experimentais feitos até hoje, pois os motores planejados para fazê-lo voar a duas vezes a velocidade do som nunca funcionaram a contento nos testes, e a alternativa foi adotar dois motores de menor empuxo. Ele chegava quase à velocidade do som, Mach 0,987. Porém há dois fatos importantes no Stiletto, o uso de componentes de estrutura em liga de titânio e as asas bem curtas, delgadas e de desenho trapezoidal. Essas foram aplicadas em um avião que fez bastante sucesso inclusive em combates, o F-104 Starfighter, mas que era de delicada pilotagem em velocidades de aproximação para pouso, pela grande carga alar (muito peso por unidade de área). O titânio seria logo depois usado no Lockheed Blackbird, também da Lockheed.
Sem conseguir enquadrá-lo inteiro com minha câmera e em posição não favorável para ser fotografado lateralmente, tirei uma foto de frente e alguns detalhes, e adicionei uma imagem da própria USAF com ele em voo.
Não estranhe o fato de informações de aviões fabricados por uma empresa serem utilizados em produtos de outra marca, pois todo esse período fértil de invenções e testes de todos os tipos era coordenado pela USAF e pela Nasa, que tinham sempre a autoridade de juntar informações completas de projetos de todos os fabricantes. Tudo em prol de expandir o conhecimento, ajudando os Estados Unidos na liderança tecnológica da aviação.
Mas falando em Blackbird, o quarto edifício abriga também o YF-12A, a segunda versão desse mítico avião, sendo a primeira o A-11 protótipo, A-12 de produção (apenas seis), e depois o mais famoso deles, o SR-71.
Para quem não presta muita atenção parece que só há um desenho de Blackbird, mas há diferenças sutis entre eles. O YF foi o protótipo da aplicação como caça de interceptação, e foi testado com mísseis Falcon, mas nunca entrou em produção. Foi usado como propaganda de proteção contra eventuais bombardeiros soviéticos que tentassem chegar a território americano. Sabiamente a USAF reconheceu que a ideia inicial de Clarence “Kelly” Johnson de conceber o avião para reconhecimento, desarmado, era a melhor, e assim foi feito. Não irei me estender mais nessa máquina, pois já escrevi muito mais sobre ela aqui nessa matéria. Basta dizer que eu poderia passar boa parte da minha vida olhando para o Blackbird sem me cansar. Vale cada segundo que se está junto desse fenômeno.
O Republic YRF-84F usado no projeto FICON também está presente. Esse sistema utilizava um caça que se prendia a um bombardeiro B-36, voando cativo e com motores desligados. O objetivo era ser acionado para defender o bombardeiro quando fosse necessário, voltando depois a voar “no colo da mãe”. Algumas imagens estão nessa matéria sobre o fabuloso B-36, publicada há mais de dois anos.
A série de caças chamada de Century (século) se refere aos aviões com número dentro da centena, 100, e não contém todos os números. Alguns deles foram aprovados e produzidos em grande quantidade, e o último deles seria o F-107 da North American, mas depois de apenas três protótipos avaliados durante pouco mais de um ano, o cancelamento chegou. O museu possui um dos dois que sobraram, que tem como maior atrativo as tomadas de ar dos motores atrás e acima da cabine do piloto. O avião parecia ter um futuro certo, pois era derivado do F-100 Super Sabre, bom de voar e veloz, tendo ultrapassado a barreira do som no voo inaugural, em 1956. Mas ele concorria com o Republic F-105 Thunderchief, que venceu o contrato para um caça-bombardeiro médio com velocidade Mach 2. A Republic nessa época ainda era forte no mercado militar, com uma robustez lendária de seus aviões de combate, como o P-47 Thundervolt.
Bem diferente é o Ryan X-13 Vertijet, projeto de um pequeno jato com decolagem e pouso vertical a partir de uma plataforma que podia ser levada a reboque em um caminhão na horizontal e levantada para lançar e receber o avião. Era preso nesta por um gancho na parte inferior do nariz, e por ele se pendurava em um cabo tensionado na plataforma.
Há vários vídeos sobre o projeto de 1955 que foi testado por dois anos até ser cancelado. Veja as imagens abaixo e o vídeo em seguida.
Um dos protótipos do Harrier, o primeiro avião de pouso e decolagem verticais de efetivo uso prático se chama Hawker Siddeley XV-6A Kestrel, e está também nesse museu, apesar de não ser americano, mas sim britânico. Após a apresentação desse conceito em 1960, os americanos encomendaram alguns protótipos para avaliação, e este é uma dessas unidades. O resultado depois de vários anos foi o licenciamento da McDonnell Douglas para fabricar a variante que atendeu os Fuzileiros Navais e Marinha, batizado de AV-8B Harrier II. Tinha motores, eletrônica e muitos outros componentes de origem americana, mas o projeto era essencialmente britânico.
Quase esquecido é o YF-23, avião que não venceu a concorrência para equipar a USAF com um caça stealth (furtivo) pouco detectável por radares, substituindo o F-117. Ele foi derrotado pelo F-22 Raptor nas avaliações comparativas, e foi destinado a ser apenas peça de museu. Tem desenho de baixa altura de fuselagem e empenagem, sendo bem atarracado. As fotos não ajudam a entender seu formato, então adicionei uma foto em voo.
Outro avião feito para testar conceitos e propostas é o Northrop Tacit Blue, feito com o mesmo objetivo de tecnologia stealth mas sem usar planos e faces interpostos. A ideia da Northrop, contrária à da Lockheed com o F-117 foi adotar linhas curvas. O resultado foi positivo nos trabalhos em começo dos anos 1980, e resultou em última instância no bombardeiro em forma de asa voadora B-2 Spirit, coroando a ideia de Jack Northrop, nascida e testada por muito tempo a partir da Segunda Guerra Mundial. Deve ser uma das aeronaves mais não atraentes e assustadoras pela absoluta ausência de senso estético que já voou.
Nas aeronaves de transporte presidencial, várias décadas estão representadas. Todos são chamados de Air Force One, mas a rigor a aeronave só pode ser assim denominada quando o presidente americano estiver a bordo. Na verdade esse não é nem mesmo o apelido do avião, apenas o “Call Sign”, a forma de ser identificado na comunicação de tráfego, tendo sempre a prioridade absoluta. São interessantes pela possibilidade de serem visitados internamente, mas não todos. Um dos que infelizmente ficam fechados é o pouco conhecido Lockheed Jetstar, um jato executivo pioneiro que voou em 1957 e foi produzido até 1980, no total de 202 unidades. Tem quatro motores na cauda. No uso presidencial é o VC-140. Particularmente muito, mas muito bonito mesmo, está num bom lugar, e consegui tirar fotos dele da escada de acesso a um Lockheed Constellation, que é bem alto, e um dos mais elegantes quadrimotores a pistão de todos os tempos.
O North American Sabreliner exposto foi muito usado por Lyndon B. Johnson, e depois de seu falecimento passou a ser avião de testes de sistemas de comunicação avançados. É comparativamente pequeno com o Jetstar, por exemplo, mas muito elegante. Foi usado por empresas de táxi aéreo no Brasil, entre vários outros.
Um cargueiro de tamanho grande está preservado dentro desse hangar, o Lockheed C-141 Starlifter, esta unidade sendo parte importante da história americana. Foi nele em que embarcaram os prisioneiros de guerra que passaram anos em Saigon durante a guerra do Vietnã, para voltar para casa. O avião foi apropriadamente batizado de “Hanoi Taxi”, um pouco de bom humor ao final de um período cinzento de guerra.
Como sempre, o USAF Museum é de encher os olhos, a mente e o rosto com sorrisos de alegria. Para atiçar a vontade de quem pensa em visitar esse lugar especial em todos os sentidos, um curto vídeo feito pela administração do museu.
JJ