Retomando a apresentação de causos de leitores, aí vai um que eu reputo ser dos bons. O Emerson Gagliardi tinha feito um breve comentário sobre o seu relacionamento com Fuscas numa matéria e depois concordou em contar sua história em detalhes, e é o que reproduzo abaixo:
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O SONHO DO FUSCA NOVO!
Por Emerson Gagliardi
Paixão desde o início
Minha paixão por veículos antigos, em especial Volkswagen, e mais especificamente pelo Fusca, já vem da infância. Com 4 anos de idade eu já comecei a identificar modelos de carros, principalmente os mais antigos, aqueles que poucos conheciam.
O amor pelo besouro já se demonstrava na empolgação quando eu era levado para andar em um Fusca de algum parente, e a paixão pelo 1300 Standard bege 1977 que meu pai comprou como primeiro carro para meu irmão dez anos mais velho do que eu, quando eu ainda tinha 7 anos de idade e tinha este carrinho na garagem como sendo meu melhor amigo.
Eu já tinha, muito antes do tempo que seria normal para isto, a vontade de ter um Fusca que eu pudesse dizer ser MEU!
Meu pai, Sr. Ozires Gagliardi, dono de uma serralheria na cidade, traçou como meta dar para os três filhos o seguinte: o ensino superior, uma linha telefônica (que até meados dos anos 90 era caríssima, com um custo similar ao valor de um veículo usado) e um carro novo ou seminovo!
Ele conseguiu cumprir a missão com meu irmão e minha irmã, mais velhos do que eu!
Meu primeiro Fusca
Mas, como a ansiedade em ter um Fusca meu era muito grande, aos 14 anos de idade, com a venda da minha Caloi Mobylette, umas economias da mesada que eu ganhava de minha avó e mais ajuda de meu pai, consegui o meu primeiro carro: um Fusca 1300, branco Lótus, ano 1969, meio caidinho, precisando do carinho de um dono novo. Porém este Fusca estava muito original e superalinhado. Foi com ele que eu aprendi a dirigir e eu o guardo com muito carinho até hoje.
A frustração
Porém eu tinha uma leve frustração: não ter idade suficiente para ter um Fusca novinho, zero km, pois, como nasci em 1977, no primeiro encerramento de produção do Fusca no Brasil em outubro de 1986 eu tinha quase 9 anos de idade apenas! Minha única opção seria um dia ter um Fusca zero 1986 guardado por alguém, ou algum exemplar que alguém deixou nos cavaletes… Mas isto seria algo muito difícil de acontecer!!!
A esperança
Eis que nos meus 16 anos de idade, surgiu uma esperança do meu sonho de ter um Fusca zero se realizar: em 23 de agosto de 1993, atendendo a pedidos do então presidente Itamar Franco, a Volkswagen do Brasil relança o Fusca!
O plano de meu pai, ao me ter dado o 1969 precocemente, era que, quando eu completasse 18 anos, iríamos vender o 69, completar o dinheiro para comprar um carro seminovo, e depois eu ganharia a linha telefônica — para fechar o pacote que ele havia idealizado para seus filhos!
A ideia que tinha que dar certo
Foi aí que tive a ideia: como o Fusca 1969 valia um pouco menos que a linha telefônica na época, sugeri a meu pai que o Fusquinha ficasse em troca da linha. Já a aquisição do carro seminovo seria substituída por uma cota no Consórcio Disal Nacional VW, no plano de 50 meses, para finalmente eu ter a oportunidade de adquirir o meu tão sonhado Fusca zero-km!
E assim fizemos. Passamos a participar de um grupo de consórcios aqui de Sorocaba, pela Abrão Reze Comércio de Veículos, concessionária Volkswagen aqui de Sorocaba.
Tive o prazer de andar, sem dirigir por ainda ser menor de idade (embora já dirigisse desde os 14 anos), no primeiro Fusca entregue aqui em Sorocaba, em 1993. Era um azul Saturno Standard que um amigo de um vizinho comprou para usar no dia a dia para os funcionários de uma transportadora, e me levou para dar uma volta!
Lembro-me ainda de namorar os carros em concessionárias, e de ficar um tempão admirando um branco que ficou exposto num evento do Fusca Clube de Sorocaba, cedido pela concessionária daqui para o evento:
Desde jovem eu participava deste clube sorocabano, e em paralelo no Fusca Clube do Brasil, em São Paulo, do qual eu também fiquei sócio e participava com o 69 desde 1994!
Mas, infelizmente, eu e meu pai pagávamos o consórcio meio a meio, e naqueles tempos não tínhamos condições de efetuar um lance alto no consórcio, então contávamos mais com a sorte.
A ameaça
Passados pouco anos, era início de 1996, e a divulgação na mídia era da exigência legal de que todos os carros brasileiros teriam que sair de fábrica com injeção eletrônica de combustível.
Para não ter que adaptar o Fusca à nova legislação com a inclusão da injeção eletrônica, a decisão do fabricante foi, em poucos meses, tirar o Fusca da linha de produção! Foi aí que bateu o desespero!
(Nota.do;editor: A Fase 1 do Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve), iniciada em 01/01/1997, não exigia especificamente injeção eletrônica de combustível, mas os novos e baixos limites de emissões só poderiam ser atendidos se o novo sistema de formação de mistura ar-combustível fosse adotado).
Nessa altura eu já trabalhava há algum tempo e juntei um dinheiro para dar lances continuamente todos os meses no consórcio, para tentar adquirir meu Fusca novo a tempo.
A luta pelo Fusca Zero
Chegamos a receber um comunicado do Consórcio Disal VW dizendo que iria ocorrer uma pequena alteração no valor do pagamento mensal, pois devido a descontinuação de fabricação do Fusca eles estariam adaptando o grupo de consórcio para o Gol 1000! Mas ainda assim não desistimos, devolvemos uma carta ao administrador do consórcio demonstrando nossa intenção de até o final adquirir nosso Fusca!
Entramos no mês de junho, e a divulgação só falava no fim definitivo de produção do Fusca no Brasil… Já mostravam as 1500 unidades denominadas de Série Ouro que seriam vendidas ao público! E nada de eu ser contemplado no Consórcio; o comunicado do consórcio para mim vinha sempre na segunda quinzena do mês!
Entramos em julho de 1996, ocorre a festa de encerramento de produção, e para minha sorte ou azar, na segunda quinzena do mês finalmente meu lance foi aceito!!! Mas, e agora? O carro já não estava mais em produção! Nosso único acesso na época era a Concessionária aqui de Sorocaba!
Entre os trâmites de esperar a liberação da carta de crédito já estávamos terminando julho. Vamos lembrar que nessa época os recursos de internet eram bem menores, e, de acordo com a concessionária daqui, nas únicas concessionárias do estado de São Paulo que ainda possuíam Fuscas disponíveis, todos eram exemplares Série Ouro, e esses custavam de 10% a 20% a mais do que a minha carta de crédito, e eu não tinha condições de pagar esta diferença na época. Comecei a ficar desesperado!
O incrível golpe de sorte
Tínhamos um conhecido que trabalhava no setor de seminovos da concessionária Abrão Reze, e ele sabia do nosso problema. Na época todos diziam: “compra o Gol”… “esquece essa história!”… ” o Fusca já era”…, mas esse conhecido nos chamou para falar de um carro que estaria entrando para eles logo no começo de agosto!
Tratava-se de um Fusca prata Lunar 1600, versão Standard, praticamente zero-km! O cliente, no caso, era o Sr. Gerson, fã de Fuscas e dono de um 1500 marrom 1974 e ele queria fazer uma surpresa para a esposa! No dia 29/04/1996 comprou um Fusca zero-km para dar de presente de aniversário à sua esposa, que seria no início de junho! Como o Sr. Gerson trabalhava em São Paulo, retirou o carro numa concessionária da capital, trouxe o carro rodando para Sorocaba, e escondeu por quase um mês na casa de parentes, preparando, por todo este tempo, a surpresa para ela! Eis que veio a surpresa, a esposa quando viu o Fusca prata Lunar zerinho na garagem, detestou o presente! Ela odiava Fuscas, inclusive o que o marido já possuía, fazendo o Sr. Gerson dispor de mais dinheiro, perder na compra do Fusca novo e encomendar um Gol novo para a esposa.
Frustrado, o Sr. Gerson negociou o Gol novo na Abrão Reze, e deixou a esposa usando o Fusca novo (mesmo que muito contrariada) até início de agosto de 1996, quando receberam um Gol 1000i zero-km e entregaram o besouro no setor de seminovos da Abrão Reze, com pouco mais de 1.000 km rodados!
Finalmente a posse do Fusca “Zero”
Aí eu fui chamado. Eu e meu pai fomos ver o Fusca e andar nele. Por se tratar de um modelo já faturado e já emplacado, nossa carta de crédito cobria exatamente o valor do carro… parecia um sonho!. Finalmente eu ia ter meu Fusca novo. Não tinha plásticos nos bancos mais, já estava emplacado, já tinham sentado nele, mas era NOVO!
E assim fizemos. A paixão e o sonho eram tão grandes que temia que algo acontecesse com ele. Usava-o revezando com o 69, até que em 1997, quando o Fusca 1996 tinha 6.000 km rodados resolvi comprar de meu pai um Ford Escort L 1984 comprador zero por ele, mas que naquela altura já estava com mais de 100.000 km; ele me serviria de carro para o dia a dia, poupando o 69 e, principalmente, o 96… Abaixo as minhas fotos; uma ainda menino dentro do Escort em 1984 e outra quando o comprei de meu pai:
Nesse caso, o Fusca novo ficaria restrito somente à estrada, viagens, onde precisássemos de um carro novo, confiável e na garantia!
Quatro anos depois, em conversa com um amigo colecionador, este me aconselhou a preservar o 96, pois segundo ele depois dessa vez, o Fusca infelizmente não voltaria mais a ser fabricado no Brasil. Assim, em 2001 resolvi fazer a “última” viagem com ele a Ribeirão Preto para ver o encontro de carros antigos do shopping da cidade, ocasião na qual o “Itamar” retornou para Sorocaba com 9.000 km.
Uma rotina de amor
Depois disso, sua rotina se resumiu a voltas mensais pela cidade, para manter freios, bateria, carburadores e tudo mais em ordem.
Anos depois, o carro tendo virado a paixão de minha esposa Paula, resolvemos cair na estrada mais uma vez! Desta vez para participarmos do I Encontro de Fusca “Itamar” na Rodovia dos Bandeirantes, realizado em 2018, organizado pelo fã de Volkswagens geração “Itamar” André Chun, idealizado por ele e demais amigos!
Foi uma sensação única colocar numa rodovia um carro de 22 anos de idade e apenas 10.000 km rodados, conservando ainda inclusive os pneus originais de fábrica!
Hoje o jovem “Itamar” divide a garagem com seus irmãos mais velhos: o velho companheiro branco Lótus 69, o bege Alabastro 74, o azul Diamante 1500 1971 e o verde Folha Standard segunda série 1970!
Chamamento final para a perseverança
E ver o 1996 repousando na garagem significa que devemos persistir em nossos sonhos. Focar neles e trabalhar para que eles aconteçam, que, mais cedo ou mais tarde, eles acontecem!
O Emerson Gagliardi se apresenta
Antes de seus dados pessoais, um comentário que ele fez nas trocas de mensagens que fizemos para a elaboração da matéria e que é digno de nota, com seu conteúdo amplamente consubstanciado no relato acima: “Praticamente é a história da paixão que eu desde muito novo sempre nutri pelo Fusca. Hoje vejo “todo mundo” gostando de Fusca. Mas percebo um certo modismo nisso. Não que seja ruim para os besouros, muito pelo contrário, mas é um amor diferente daquele que nós apaixonados pelo Fusca sentimos de verdade.”
Dados pessoais
Nome: Emerson Gagliardi
Idade: 41 anos
Nascido em Sorocaba, SP (cidade aonde reside e trabalha até hoje)
Formação: Faculdade de Direito – UNIP – Universidade Paulista de
Sorocaba, formado em 2002
Profissão: Cartorário (escrevente do Primeiro Tabelião de Notas de Sorocaba)
Casado com Paula Meira Gagliardi
Fã de Fuscas e veículos antigos desde aproximadamente 5 anos de idade!
Sócio do Fusca Clube do Brasil número 458, desde outubro de 1994 (descontando alguns longos períodos de afastamento devido a indisponibilidades em participar de eventos por consequência da distância, porém, sócio atual novamente). Ele guarda as suas carteiras de sócio do Fusca Clube do Brasil:
Além disto o Emerson comentou que já teve uma coleção de carros antigos bastante diversificadas, contando com os seguintes carros: além dos dois Fuscas ele teve Karmann-Ghia, Kombi, Variant II, Brasília, Gol a ar, DKW-Vemag, Opala… Em 2013 a coleção contava com 11 veículos.
Passado um tempo, ele e sua esposa decidiram construir uma casa e concentrar a coleção em Fuscas que são os que aparecem nas fotos abaixo:
Cada um deles tem a sua história especial, que ele orgulhosamente contou como segue: “Esse branco 69 é o carro que aprendi a dirigir, foi aquele que contei no causo, e que ganhei de meu pai aos 14 anos! O Itamar 1996 foi meu segundo carro, cuja história também está descrita acima. O 1970 segunda série, verde Folha, adquiri em São Paulo de uma senhora única dona, de 88 anos. O 1500 1971, azul Diamante, trouxe da cidade de Cláudio, interior de MG, foi de um médico muito popular da cidade, usou muito pouco o carro. Era muito popular por lá. E o 1974, bege Alabastro, adquiri aqui em Sorocaba de uma senhora única dona também, de 77 anos, que havia comprado zero-km na concessionária Abrão Reze!”
E hoje em dia todos estes Fuscas têm seu lugarzinho na garagem da casa do Emerson e da Paula, ficando logo ali sob os carinhos e cuidados de seus donos.
Por falar na casa do casal, há espaço reservado para a memorabilia Volkswagen que um aficionado que se preze tem que ter como mostrado nas fotos abaixo:
E eu fiquei super contente ao “detectar” no nicho que acolhe a biblioteca dele os meus dois livros (setas vermelhas) ainda carentes de meu autógrafo, coisa que será resolvida em futuro próximo:
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Acho que com este relato fica consubstanciado com toda a certeza que o Emerson é um Fuscamaníaco de raiz, e que tem pleno apoio de sua esposa Paula para seu hobby. Parabéns aos dois e meu agradecimento pela participação nesta coluna.
Este é mais um causo que recolhi a partir de um comentário feito por um leitor que concordou em enviar a história e, no caso, várias fotos e documentos relativos aos acontecimentos. Reitero o meu convite a meus leitores e leitoras de participarem nesta ação de ir recolhendo os causos de proprietários de veículos Volkswagen com seus carros [e-mail para contatos: alexander.gromow@autoentusiastas.com.br].
AG
A coluna “Falando de Fusca & Afins” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.