Semana sim, semana também, lembro-me quando o Bob Sharp me convidou para juntar-me ao time de escrevinhadores do AE e sugeriu uma coluna semanal. Semanal? Poxa, será que terei assunto a cada sete dias para tanto? E, ainda mais, com tanta gente tão competente escrevendo sobre tantos temas — logo euzinha teria como preencher tantas linhas com tanta frequência?
Mas, vejam só, já se passaram mais de três anos e os governos, em suas três esferas, encarregam-se de me fornecer suculentas discussões permanentemente para deitar minhas opiniões neste espaço.
E isso sem considerar que deixo passar um sem-número de assuntos, seja porque não fico sabendo, seja porque mudam antes que dê tempo, seja por cansaço mesmo.
Pois bem, cá estou eu de novo com um assunto que foi e voltou nos últimos meses e, sinceramente, nem sei como vai ficar até a hora da publicação desta coluna e muito menos nos dias seguintes — que dirá nas semanas seguintes: à instalação de radares em rodovias.
A questão tem mais idas e vindas que novela venezuelana — sim, aquelas em que sempre descobrem-se pelo menos três filhos ilegítimos, dois casais de gêmeos separados ao nascer, duas pessoas pobres que descobrem-se serem herdeiras de fortunas inacreditáveis, dois casamentos cancelados no altar e quatro outros (às vezes algum outrora cancelado, afinal, ninguém tem memória tão boa assim) no último capítulo.
E aí já vai uma antecipação, o famoso spoiler: não sou contra o uso de radares em lugar algum, sequer em rodovias. Que fique bem claro. Sou é contra velocidades incongruentes com as condições da via e dos horários. Cito aqui um exemplo: a 23 de Maio, em São Paulo. É uma via expressa desde o início de seu traçado, muito mais baixa do que as vias laterais, que cruzam na forma de pontes, com poucos e bem traçados acessos (bem, na maioria), sem semáforos, com algo que varia em torno de cinco faixas, dependendo do trecho e proibição de circulação de caminhões. Ou seja, o sonho de qualquer bom urbanista. Só que a velocidade máxima foi artificialmente baixada para 60 km/h há uns 3-4 anos, na administração que se notabilizou por fazer isso na cidade toda. Durante o dia o trânsito é na maior parte do tempo congestionado, mas em algumas vezes poder-se-ia andar mais rapidamente do que isso. Seria seguro andar, pelas condições da via. Nem menciono em períodos como férias escolares e à noite, por todas essas características. Mas nosso sistema é, digamos, pouco versátil, e nos obriga a andar na mesma velocidade qualquer que seja o horário, a época do ano, etc.
Quem viaja já deve ter notado que é comum na Europa que próximo de escolas seja obrigatório reduzir a velocidade nas estradas perto de escolas em determinados horários, justamente de entrada e saída dos alunos. Faz todo o sentido, mas, andar a 30 km/h numa estrada às 3 horas da manhã porque se passa por uma escola? As autoridades de trânsito europeias sabem que não faz sentido. Mas como são inteligentes, se há uma festa ou algo especial, colocam sinalização específica. Fácil, não?
A novela dos radares no Brasil começou na campanha presidencial de 2018. O então candidato Jair Bolsonaro prometeu tirar os radares das rodovias, alegando que faziam parte de uma indústria de multas. Pessoalmente, acho que generalizou, mas tocou num ponto importantíssimo. Fato é que depois de assumir suspendeu a instalação de novos radares, mas no final de julho, a juíza Diana Wanderlei da Silva, da 5ª Vara de Brasília, homologou um acordo para a instalação de 1.140 radares em rodovias federais não privatizadas e administradas pelo DNIT. Eles serão instalados somente em 2.278 pistas que foram consideradas medianamente, altamente ou muito altamente críticas. (foto de abertura)
A juíza deu prazo de dois meses para a instalação dos radares e a apresentação de estudos para instalação de radares nas áreas urbanas e rurais de criticidade alta ou média. Posteriormente, deverão ser apresentados estudos para instalação de radares em áreas urbanas de riscos baixos e muitos baixos.
Nessas horas sou sempre assaltada por algumas dúvidas: radares somente em rodovias não privatizadas? Então velocidade não é algo perigoso nas rodovias privatizadas? Entendo que o DNIT pode não ter jurisdição sobre elas, mas se não há estudos, nunca saberemos, não? No caso de São Paulo, as rodovias privatizadas, embora com pedágios caros, são realmente um espetáculo e muitas delas permitiriam velocidades mais altas em muitos trechos. Mas elas já têm radares suficientes, entendam, caros leitores. Não precisamos de mais, não.
Outra coisa que sempre me surpreende é a celeridade da Justiça para mandar instalar radares (60 dias!), mas nunca vi essa mesma rapidez para mandar recapear buracos — e decentemente, diga-se. O argumento, por óbvio, é o mesmo: segurança. Há inúmeros exemplos de riscos que corremos nas estradas federais: buracos, falta de acostamento, falta de sinalização… mas é a falta de radares que representa um perigo para a segurança dos motoristas… então, tá.
As vias tem a chamada “velocidade natural” que nada tem a ver com o veículo. É fácil entender. Imaginem-se ao volante de um carro de Fórmula 1 ou num sedã médio numa rua do centro antigo de São Paulo ou, para quem não conhece, do centro antigo de qualquer cidade, inclusive da Europa. É claro que ninguém pretende dirigir a 200 km/h num lugar desses com nenhum desses carros. Agora os mesmos veículos, numa via como descrevi, a 23 de Maio. Nunca que seria 60 km/h. Nas pistas expressas das Marginais, os atuais 90 km/h em vários trechos é muito mais a velocidade natural dessas vias do que era antes – lentos 70 km/h. Num circuito de corridas de veículos, os dois carros teriam como velocidade natural algo próximo de 180 km/h ou mais. Independentemente do carro em si. Quem determina a velocidade natural é a pista, não o veículo.
Duvida? Vamos tentar outra. Imagine-se andando de bicicleta nesses três lugares: a situação é a mesma. Assim, fica fácil entender, não? Quem não ia querer pedalar a milhão num circuito de corrida, independentemente de estar numa magrela simplizinha? Mas em ruas estreitas, de paralelepípedos? Aí não dá para andar rápido, não.
Em Campinas e em Sorocaba muitas avenidas tem 70 km/h como velocidade máxima – e não é demais. É a velocidade natural delas. O problema é quando se força algo — aí é que aparece a tal indústria da multa. O problema, novamente, não é o radar. É a velocidade exigida ser absolutamente incompatível com a pista. Para quem não acompanha minha coluna, repito: anos atrás eu também achava que não havia indústria da multa e também caí na história de “é só não cometer infração que você não será multada”. Mas aí começaram a ser instalados os radares em lugares estapafúrdios — como aquele na Ponte das Bandeiras, que multava quem entrava na alça de acesso à ponte, sendo que a placa que indicava a proibição estava no meio da alça, depois de ter saído da Marginal —, e de velocidades máximas incompatíveis ou que passam de 70 km/h para 30 km/h em apenas alguns metros. Rendi-me às evidências de que, sim, há muitos exemplos de indústria de multa. Infelizmente. Queria eu acreditar que era teoria da conspiração.
A armadilha para o poder público é que as multas converteram-se numa fonte segura de receita. Mesmo candidatos a cargos públicos que se diziam contra velocidades máximas tão baixas acabaram não mexendo muito nisso, não. Vivemos tempos de recessão nas três esferas de governo e dificilmente algum governante abrirá mão de uma receita tão significativa e para a qual mal se precisa fazer algo para arrecadar. A maioria advém de radares já instalados ou de fiscais que fazem parte da folha normal de pagamento da administração. Mesmo contratos de manutenção de equipamentos são fartamente pagos com os valores arrecadados.
Veja, por exemplo, como foi a arrecadação com multas de trânsito na cidade de São Paulo comparada com o crescimento da frota de veículos, ano a ano, desde 2009 até 2017. Percebe-se que o crescimento das multas é muitíssimo superior à quantidade de veículos – sequer há algum tipo de proporção entre os dois. Por dois anos houve, inclusive, um descasamento total que parece ter sido uma preparação/investimento para volta com fúria total depois.
Fonte: Indicador Paulistano
Segundo o Código de Trânsito Brasileiro, em seu Artigo 320, 95% do dinheiro arrecadado com multas de trânsito deve ser destinado apenas na sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito. A ironia disto é que o dinheiro da multa vai para a manutenção do radar que emite as multas e para pagar a compra e instalação do radar que emitirá as próximas multas que receberemos. Os 5% restantes devem ser repassados ao Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito, para, justamente, segurança e educação de trânsito. Estranhamente, na cidade de São Paulo, pelo menos no período entre 2009 e 2017 dos R$ 6,7 bilhões que foram arrecadados com multas de trânsito apenas 0,13% foram destinados a educação de trânsito. Mas houve um aumento de 872,43% em investimentos em fiscalização eletrônica. Assim, fica difícil abrir mão desta dinheirama, não?
Mudando de assunto: Uau! Mais uma corrida de Fórmula 1 que valeu muito a pena assistir! Gosto muito de ver os circuitos que conheci pessoalmente — é uma sensação muito legal ter estado nessas curvas, ter pisado nessas zebras. Muda toda a visão que temos da corrida e Hungria sempre foi das minhas favoritas. A Mercedes ousou ao mudar e corrigir a besteira que fez na segunda parada para a troca de pneus de Hamilton. Mostrou uma estratégia perfeita e contou com o melhor piloto da atualidade para isso. Lindas ultrapassagens e vários novos pilotos que prometem. Agora, é aguentar as férias. Hora de ir para a internet e rever outros GPs para driblar a síndrome de abstinência.
NG