Nome é algo fundamental. É aquilo que nos identifica. Pessoalmente, gosto muito do meu e sei do trabalho que meus pais tiveram para escolhê-lo. De fato, combina comigo, especialmente com o personagem do livro “Casa de Bonecas”, de Henrik Ibsen, em quem foi ligeiramente inspirado.
Mas o nome não apenas nos define. Também, por extensão, aos carros. Tem os que tem nomes próprios. Quem não sente arrepios ao ouvir Christine, o Plymouth Fury 1958, o carro assassino do filme de mesmo nome? Ou o simpático Herbie, o Fusca de “Se meu Fusca falasse”. Tem também os que são icônicos como marcas — quem já não sonhou com um Mustang ou um Camaro que atire o primeiro volante. Por isso sua escolha é tão importante, como já falei aqui neste espaço há algum tempo.
As fábricas investem fortunas em pesquisas e estudos até chegar a um nome. Eles precisam reunir certas características que representem o carro.
Devem, também, ter sonoridade, ser fáceis de pronunciar não apenas no país onde serão lançados mas em outros mercados — afinal, queria evitar o chavão mas, vá lá, vivemos num mundo globalizado. Obviamente, devem-se evitar os trocadilhos e os mal-entendidos ou as palavras de duplo sentidos. Até hoje não entendo quem foi o sujeito que não pensou que existem outros idiomas, por sinal muito falados no mundo como o português, e lançou um carro chamado Ford Pinto. Ou o gênio que esqueceu que quase 600 milhões de pessoas falam espanhol no mundo (OK, números de hoje, mas mesmo assim) e batizou o veículo de Mitsubishi Pajero.
Mesmo ao avaliar e driblar esses problemas, nem por isso os responsáveis por essas áreas estão livres de dores de cabeça, ainda que décadas depois de anos de sucesso. Em tempos como atuais, quando tudo é revisto, revisitado e questionado, chegou a vez dos nomes dos carros.
A mais recente disputa é em torno do suve Cherokee (foto de abertura). Fabricado há 47 anos, inicialmente pela Jeep e atualmente pela Stellantis, o nome está agora no centro de uma disputa. A nação cherokee pediu agora, pela primeira vez na história, que a Jeep mude o nome dos modelos Cherokee e Grand Cherokee. “É o que mais temos de valioso; é a nossa identidade”, disse o chefe da Nação Cherokee, Chuck Hoskin Jr. “A melhor maneira de nos homenagear é aprender sobre nosso governo soberano, nosso papel neste país, nossa história, nossa cultura e nosso idioma e ter um diálogo sobre adequação cultural”, disse Hoskin. O novo chefe da Stellantis, que passou agora a produzir o Cherokee, Carlos Tavares, disse que aceita negociar sem intermediários com o chefe Cherokee. “Se há realmente um problema, claro que vamos resolvê-lo”.
O que vai acontecer? Não se sabe. Aliás, o mesmo fabricante também produz o Mojave, nome de outros nativos americanos, o que nos deixa pressupor que outras discussões podem se abrir a partir daqui.
O fato é que a nação cherokee nunca foi consultada sobre o uso do nome no carro mas, como disse em 2013 uma porta-voz deles, Amanda Clinton, “somos contra o uso de estereótipos e teria sido legal se nos tivessem consultado, mas é fato que o nome ‘cherokee’ não está patenteado e à tribo não foram oferecidos royalties pelo uso do nome”. Essa foi a parte que me incomodou nesta história. Então, pode não ser uma questão de cultura, orgulho, etc., mas sim de direitos autorais. E não há, há anos, referências a nativos americanos ou a seus símbolos nos materiais de marketing dos modelos dos suves Cherokee.
O Grand Cherokee é o veículo mais vendido da Jeep e o Cherokee é o terceiro mais vendido. Juntos, responderam por mais de 40% de todas as vendas de veículos da fábrica em 2020. Mas originariamente os cherokees tinham outros nomes. Eles mesmos se chamavam Aniyunwiya (ou Aniyvwiya, Ahniyvwiya, Aniyuwiya, ou, ainda Yunwiya.). Outras grafias ou pronuncias para cherokee incluem Tsalagi, Tsa-la-gi, Jalagi, Chalaque, Cheroqui, Cheraqui, Tsa’lagi’, Tsa’ragi’, e Tslagi. A própria língua cherokee se chama Tsalagi Gawonihisdi. A reação da nação seria a mesma se o carro se chamasse Tsalagi? Ou Yunwiya?
A Jeep fabricou também o Jeep Comanche, primeiro pela American Motors (entre 1985 e 1987) e depois pela Chrysler Corporation (entre 1988 e 1992) até que saiu de linha. Era uma picape derivada do suve compacto Cherokee.
Mas não é apenas a Jeep que usa nomes de indígenas. Pontiac também homenageia um chefe indígena, também conhecido como Obwandiyag — líder da tribo dos Ottawas, que ficou conhecido na História depois da Guerra (ou Rebelião) de Pontiac, que durou de 1763 a 1766, de resistência à dominação britânica, líder do Conselho das Três Tribos, um grupo intertribal composto dos Ottawa, Potawatomi e Ojibwa Em 1926 a General Motors Corporation comprou a Oakland Motor Car Co., na cidade de Pontiac, e passou a chamar os carros produzidos naquela unidade com o nome do grande chefe. Até onde consegui pesquisar, isso nunca foi problema para as tribos ottawas, potawatomi ou ojibwa quanto aos carros serem chamados de Pontiac. Em 2010, a GM descontinuou os modelos Pontiac, mas para os fãs do filme “Agarra-me se puderes” estará sempre na memória como o modelo Pontiac Firebird Trans-Am 1977, numa edição especial .
Pena mesmo eu tenho é da Lamborghini. Não queria, em hipótese nenhuma, estar no lugar deles. Já pensaram ter de sentar para negociar direitos de imagem com o próprio Lúcifer? O que ele pode querer em troca pelo uso do seu nome naquele lindo modelo? No mínimo, a alma de todo o pessoal do Marketing. Também, quem mandou chamar aquele carro esporte de Diablo?
Mudando de assunto: Ok, lá vai mais uma piada infame da minha infindável coleção:
O que isto quer dizer é que quando você aperta ele desfaz o acidente…
NG