O gênero de carro, automóvel, caminhão é masculino. Em português e outras línguas como espanhol e alemão (el escarabajo, Der Golf), pois em francês e italiano é feminino. Por outro lado, caminhonete (picape) e perua (camioneta de uso misto) são femininos.
Como editor-chefe do AE cumpre-me observar essa questão nos textos e até nos bem-vindos comentários que nos chegam continuamente nos quais, ao acumular a função de principal moderador, é comum eu editar o texto do leitor quando vejo desvio nesse aspecto.
Sei que muitos têm esse hábito e hábitos são difíceis de mudar. Eu mesmo, na revista Oficina Mecânica no final dos anos 1980/início dos anos 1990, sob o comando do Josias Silveira, já adotava o gênero masculino para os veículos — salvo picape e perua, como explicado acima — com exceção de Ferrari, que por ser uma macchina, e de respeito, achava-se ser merecedora de ser tratada pelo feminino. Mas não tardou em eu mudar esse costume, e hoje quando ouço alguém dizer uma Ferrari soa-me muito estranho.
Como uma vez li numa Quatro Rodas, algo como “o Porsche e a Ferrari são carros esportivos magníficos.” Logo pensei numa situação parecida com “o Mário e a João foram convidados para a festa.” (apenas a troca acidental do artigo, ‘o’ por ‘a’ nada a ver com qualquer outro aspecto pessoal).
Meu irmão tinha um Puma conversível ’72 e sua namorada só se referia ao carro como “a Puma”. Era bem estranho. Como é estranho ler ou ouvir “uma EcoSport”. Dois casos de gênero metafórico.
Acho que uma das explicações para essa troca de gênero é fazer conexão com a letra final de palavra. Por exemplo, há décadas li reportagem na revista Time sobre criminalidade no Rio de Janeiro e lá falaram sobre um marginal apelidado “Mão Branca”, claro, em inglês, “White Hand”, com a devida tradução em português entre parênteses, “Mão Branco“. É possível que o tradutor conhecesse essa regra não escrita.
Essa questão de gênero de automóvel é mesmo complicada. Caso de carretera, carros americanos das décadas 1930/1940 bem modificados e aliviados de peso na carroceria, com potentes motores, como V-8 em lugar de 6 cilindros, desde que da mesma marca, típicos da Argentina. Chegaram ao Brasil, mais no Rio Grande do Sul do que em outros estados. Aqui foram quase imediatamente tratados pelo gênero feminino, “uma carretera”. Há até um livro intitulado “No tempo das carreteras” (procure no Google com esse nome) e “Automobilismo gaúcho – levantando a poeira”, de Gilberto Menagaz. Já vi no Mercado Livre.
Esses carros ficaram bem conhecidos por esses lados quando o radialista Wilson Fittipaldi, pai de Emerson e Wilson Jr, planejou, junto com Eloy Gogliano, presidente do Centauro Motor Clube, de São Paulo, a Mil Milhas Brasileiras e convidou vários pilotos gaúchos com seus carreteras para participarem da prova. A primeira foi em 24/25 de novembro de 1956, um grande sucesso — vencida pelo carretera Ford, de Catharino Andreatta e Breno Fornari.
A explicação: havia uma categoria de automobilismo na Argentina chamada Turismo de Carretera,, ou seja, Turismo de Estrada. Os carros eram coches de Turismo de Carretera. Portanto, um carretera, masculino.
Caso nosso atual, do dia a dia: van. Todo mundo fala e escreve uma van. Mas van é furgão em inglês e existe delivery van, furgão de entrega, subentendendo-se furgão de carga, e passenger van, furgão de passageiros. Nessa linha de raciocínio van é gênero masculino. Assim como Zafira, Meriva, Spin, todos vans de passageiros, daí serem (ou deveram ser) tratados pelo masculino.
O VW Brasília é um caso parecido. (olha a regra o ‘a” final), possivelmente associando o veículo, que é um hatchback, a Brasília, nossa capital federal. A coisa se complica ainda mais com Alfa Romeo, muitas vezes chamado simplesmente de Alfa, levando ao gênero feminino, mas é um carro, um automóvel, um Alfa.
Outro carro que invoca o feminino por justamente ter nome de mulher é o Mercedes-Benz. Natural, não é? Mas é carro, masculino.
Até domingo que vem.
BS