Não é um fato amplamente conhecido, mas a marca Buick, de pouco cachet aqui no Brasil, é de onde nasceu a General Motors. Foi num passeio com David Dunbar Buick que William Crapo “Billy” Durant resolveu entrar para o negócio então pouco seguro das carruagens sem cavalo. Durant faria da Buick a base do maior império industrial que o mundo já viu.
Buick é eminentemente americana, se descontarmos a bizarra fixação que a população chinesa nutre pela marca. Sua tradição sempre esteve em carros enormes, equipados com enormes motores, com caixa automática e controles leves, a epítome do que se convencionou de chamar de barca americana. Com a morte desse tipo de veículo, não espanta a marca estar perdida e fadada a significar nada nos dias de hoje. Marqueteiros se debatem em salas de reuniões tentando futilmente encontrar um significado alternativo para uma leva nova de carros que pouco difere de Chevrolet equivalentes, essencialmente sem chance alguma de sucesso. Os americanos ainda hoje reservam a expressão “as big as a Buick” (tão grande quanto um Buick) para coisas em que o adjetivo “gigantesco” de alguma forma não parece ser suficientemente enfático. Como transpor este arraigado sentimento para carros do tamanho de um Chevrolet Cruze?
É impossível na realidade. No mundo de hoje, onde a padronização parece ser o caminho, não existe mais lugar para o tradicional carro americano. Esta espécie de automóvel, totalmente adaptada a seu ambiente e seu tempo, não tem mais lugar no mundo de hoje. E apesar de da falta de variedade que tal fato expõe ser realmente triste, pouco há a lamentar. Um Buick Electra dos anos 1970 era um obeso, gigantesco e lento monumento ao atraso tecnológico e a uma General Motors fadada ao fracasso iminente.
Mas ainda assim, esta, a mais americana das marcas, chegou a fazer grandes coisas em sua história. E a melhor delas é o carro sobre o qual falarei hoje: o Buick Grand National, e sua evolução, o incrível GNX. Se um dia houve esperança para o muscle car americano em sobreviver na sua forma tradicional, foi nestes carros. Combinando tecnologia surpreendentemente avançada num carro surpreendentemente antiquado, criou algo que permanece até hoje como talvez a melhor criação automobilística daquele país. Um carro com caráter e pedigree impecável, avançado e antiquado ao mesmo tempo, que criou uma combinação tão tentadora que permanece ainda hoje, 30 anos após seu lançamento, como algo altamente desejável. O último, e mais sensacional muscle caramericano já criado.
Um motor que se recusou a morrer
Como tem que acontecer com todo carro americano que se preze, a nossa história começa com um motor. E por incrível que pareça, o motor é um V-6 e não um V-8, como é mais comum entre os americanos. A história deste motor, e como ela se relaciona com o Grand National, nos faz lembrar dos famosos textos de Charles F. “Boss” Kettering (outro grande personagem da história da GM), em que ele dizia que toda grande invenção nascia muitos anos antes de seu aparecimento, porque toda grande invenção era criada sob os ombros de outra invenção anterior, indo até o início dos tempos. Não existiria rádio sem a invenção da eletricidade, e assim por diante. Idéias vivem mais que pessoas, e lentamente evoluem ao passar das gerações.
Esta história começa em 1961, com o lançamento do Buick Special. O Special era parte de uma sensacional safra de revolucionários carros compactos lançados pela General Motors de 1959 a 1961. O compacto aqui é relativo: esta categoria é a onde se enquadrava nosso Dodge Dart quando lançado nos EUA…
Numa época em que a GM não temia criar carros de grande volume com tecnologias novas e não testadas, esta famosa safra de compactos viu aparecer o Chevrolet Corvair com um seis cilindros contraposto arrefecido a ar na traseira e suspensão totalmente independente; o Pontiac Tempest, com motor dianteiro e transeixo traseiro, e suspensão também independente nas quatro rodas. A divisão Buick (e também a Oldsmobile, história para outro dia), porém, acabou lançando um carro mais convencional, mais ligado à sua veia americana tradicionalista. A inovação, neste caso, ficou restrita ao cofre do motor. Os dois motores oferecidos eram avançados e muito bem projetados, mas inicialmente foram um fracasso. Apesar disso, incrivelmente, renasceram das cinzas para se tornarem dois dos mais longevos e cultuados motores da história do automóvel.
O primeiro deles foi o V-8. Extremamente compacto e leve, todo em alumínio, e deslocando apenas 3,5 litros, era avançadíssimo para seu tempo. Este levíssimo motor (com 144 kg, é mais leve que a maioria dos motores de quatro cilindros da época), apesar de excelente, teve vida curta: em um país em que espaço nunca foi problema, e onde a gasolina era baratíssima, existia pouco uso para um V-8 tão pequeno. Mas em 1967 era comprado pela Rover inglesa para uso em seus sedãs de luxo. Os pequenos fabricantes de carro esporte da Inglaterra logo adotaram este leve e potente motor como seu preferido: esteve debaixo do capô de praticamente tudo, do tradicionalíssimo Morgan aos futuristas TVR. A quantidade de carros ingleses interessantes que usaram este V-8 é incrível: vai dos Rover SD1 Vitesse dos anos 1980 até os Land Rovers do demônio sobre os quais o JJ falou recentemente aqui. Sem contar o fenômeno Range Rover, que nasceu e criou fama em cima deste V-8, e o usou de 1971 até 2002, então com injeção, 4,6 litros e 225 cv. O último deles a ser produzido saiu em um Discovery em 2004.
Mas esta história de hoje diz respeito ao motor de entrada do Buick Special. Este era absoluta novidade então nos EUA: um V-6. Hoje esta configuração é onipresente naquele país, mas o primeiro a ser vendido em volume, foi o Buick..
O V-6 nasceu da necessidade de oferecer uma versão mais barata do que o sofisticado V-8 de alumínio, e era derivado direto dele. Tinha, portanto, 90 graus entre bancadas, mas era fabricado em ferro fundido, o que o fazia pesar aproximadamente 15 kg a mais que o V-8, apesar dos dois cilindros a menos. A arquitetura de V-8 não se transpunha de forma totalmente satisfatória a um V-6, porém: significava uma uneven firing order (ordem de ignição defasada, uma característica de V-6 a 90° derivados de V-8. Como num V-8, nestes motores as bielas opostas compartilham o mesmo mancal no virabrequim. Assim, a ordem de disparo dos cilindros do V-6 não é a cada 120° de giro do motor, como seria desejável, e sim a cada 90°-150°, neste caso. Um V-6 a 60° entre bancadas teria seis mancais de biela, e um a 120° apenas três como este Buick, mas ambos podem geometricamente ter uma ordem de disparo “normal”, a cada 120° de giro do motor.), o que trazia um nível de aspereza que incomodava bastante. Teve versões de 3,2 e 3,8 litros, mas tal qual o pequeno V-8 de alumínio de que derivou, e pelos mesmos motivos, em 1967 já tinha saído de linha.
Sete longos anos se passam, e encontramos a marca Buick em maus lençóis. Com o preço da gasolina disparado pelo embargo da Opep em 1973, as vendas dos imensos Buicks sofrem queda drástica, chegando a quase nada. Algo precisava ser feito, e urgentemente. O engenheiro-chefe da Buick então, Phillip Bowser, conversando com um amigo em uma reunião social, reclama de seu problema insolúvel. Seu amigo lhe diz:
— Por que vocês não voltam a fazer aquele V-6? Tenho um Special velhinho que mantenho para ir ao trabalho só porque é bem econômico!
A segunda-feira seguinte é bem agitada na Buick. Bowser quer saber imediatamente onde está o ferramental daquele V-6, quanto tempo é necessário para colocá-lo de volta em produção, e se ele funcionaria aceitavelmente nos carros atuais da marca. Mas as coisas não seriam tão fáceis assim…
O V-6 na realidade fora, tal qual o V-8 de alumínio, vendido a outra empresa. A partir de 1967, era chamado de “Dauntless V-6” pela Kaiser-Jeep, que tinha comprado o ferramental e os direitos do motor, e o usou em Jeep CJ5, CJ6 e no Jeepster Commando. Mas desde a compra da Kaiser-Jeep pela AMC, tinha sido descontinuado em favor do excelente seis em linha AMC. O V-6 parece que nunca foi popular na Kaiser também: um executivo teria dito que ele era “mais áspero que uma espiga de milho”. O ferramental, portanto, encontrava-se guardado em um depósito há três anos, praticamente abandonado.
Mas Bowser não se fez de rogado; iniciou negociações com a AMC para que ela voltasse a produzir o motor e o vendessem para ele. Paralelo a isso, ordenou a engenharia que checasse a viabilidade do motor velho nos carros novos. Os engenheiros da Buick reviraram os ferros-velhos de Flint até achar um V-6 em bom estado, e o montaram em um Regal 1975 de pré-produção. O carro apresentou desempenho aceitável e uma melhoria imensa em economia de combustível, validando completamente uma idéia que nascera “em mesa de bar”.
Com ajuda do presidente da GM, o famoso Ed Cole (que dirigiu o protótipo até Toledo, sede da AMC, para as negociações), a AMC acabou por vender o ferramental e os direitos de volta à Buick. Num momento de muita sorte, descobriu-se que as fundações das máquinas usadas para fazer o V-6 ainda estavam no mesmo lugar na fábrica de Flint (a primeira fábrica da Buick, e por conseqüência, da GM), facilitando imensamente a volta da produção. Em alguns meses, a linha 1975 era lançada com o V-6, e a Buick consegue vender carros novamente.
Evolução contínua
O que aconteceu em seguida foi simplesmente incrível. Um motor que, depois de dois fracassos consecutivos, e destinado ao esquecimento, volta à produção e é pacientemente desenvolvido e melhorado durante décadas. Tal e qual a Porsche com seu 911, é o exemplo do triunfo do desenvolvimento paciente sobre uma idéia inicial capenga.
O V-6 Buick se tornaria um dos motores mais produzidos de todos os tempos (mais de 25 milhões!), e seria o principal motor da GM americana durante os anos 1980 e 1990. Além disso, foi sucesso nas pistas: faria a pole position na 500 milhas de Indianápolis em 1985, com uma versão turbo de competição, e teria sucesso em protótipos de IMSA e em pistas de arrancada. Nós o conhecemos como o motor 3,8-litros do Omega australiano em seu lançamento aqui, 1999. Apenas a chegada de um totalmente novo e moderno V-6 3,6 litros DOHC de alumínio em 2004 fez o motor ser descontinuado finalmente em 2008.
Em 1977, a ignição defasada é consertada com um novo virabrequim que permitia defasagem de 30° entre os pistões opostos. Isto era possível porque este novo virabrequim dividia o mancal antes único em dois, um para cada biela oposta. O bloco permanecia o mesmo (fazendo necessárias bielas ligeiramente descentralizadas), o que só seria remediado em 1988, com o lançamento do primeiro V-6 “3800” corporativo (primeiro grande redesenho de nosso conhecido Buick V-6), que recebia finalmente um bloco alterado, com a bancada esquerda deslocada para a frente em relação a direita. Além do novo bloco, neste ponto o motor ganha também árvore contra-rotativa para reduzir vibrações indesejáveis, tornando-o extremamente suave. A partir de 1979, também, passava a equipar carros com motor transversal e tração dianteira.
Este motor, pacientemente e continuamente desenvolvido durante os anos (3800 série II em 1995, 3800 série III em 2004), se tornaria algo suave, potente, torcudo, silencioso e extremamente frugal em consumo para seu tamanho. Com o fim das versões turbocomprimidas em 1987, seriam lançadas versões com compressor de acionamento mecânico tipo Rootes, mais ajustadas à necessidade de alto torque em baixas rotações dos carros que equipava. O V-6 3800 serie III, sua última evolução, oferecia 205cv normalmente aspirado, e 260cv com compressor. E com um consumo e suavidade de operação muito difíceis de serem superados.
O motor 3800 serie III foi o primeiro motor a gasolina americano a atingir a certificação SULEV (Super Low Emissions Vehicle, veículo de emissões super-baixas) da agência de proteção ambiental americana, em 2005. E apesar de ser construído em ferro fundido, pesava apenas 10 kg a mais que seu substituto em alumínio.
Apesar de muito menos famoso que o V8 Chevrolet, por exemplo, é um dos mais importantes motores da General Motors, e do mundo. Mesmo depois de ser descontinuado duas vezes, em duas empresas diferentes!
Downsizing em 1978
Quando falamos de motores hoje em dia, a palavra americana downsizing (literalmente “redução de tamanho”) refere-se a uma onda de motores, na maioria turbocomprimidos, de tamanho reduzido, que substituem motores maiores de mesma potência, com ganhos em consumo de combustível. Um exemplo são os quatro em linha turbo da BMW, que substituíram recentemente os seis em linha da marca. Desta leva fazem parte também os novos motores de três cilindros em linha de diversas marcas sendo lançados aqui no Brasil, embora não turbos ainda.
Apesar de tomar força recentemente, não há nada de novo aqui, claro. A VW do Brasil, por exemplo, no início dos anos 2000 já oferecia um sofisticado 1-litro turbo que substituía seus tradicionais 2- litros de aspiração normal em potência, com ganhos em consumo. Mas bem antes disso, em 1978, a Buick lançava um downsizing do seu tradicional V-8, muito antes disso ser comum: a versão turbocomprimida de seu V-6 de 3,8 litros.
Diferente dos carros turbo até então (principalmente os então recentes BMW 2002 turbo e Porsche 911 Turbo), onde a potência máxima era o objetivo final e o turbo lag (atraso de entrada da turbina) um efeito colateral aceitável, a idéia da Buick era muito similar a em voga atualmente: torque em baixa e potência máxima contida, para dirigibilidade similar ao motor maior, com ganhos de consumo. A idéia era um motor forte como um V-8, mas com consumo de V-6.
Não foi um objetivo fácil de se alcançar, com a tecnologia de então, onde a eletrônica engatinhava e a maioria dos controles era mecânico. A primeira versão de 1978 na verdade eram duas: uma com carburador de corpo duplo e 140 cv, e outra com carburador de corpo quádruplo e 170 cv. O turbocompressor, um AiResearch TB0301, foi cuidadosamente escolhido para que entrasse em operação o mais cedo possível. O motor era equipado com sensor de detonação, e retardo do avanço do distribuidor controlado eletronicamente, um ancestral dos sistemas integrados atuais. O distribuidor ainda contava com avanço a vácuo, mas o retardo era comandado eletronicamente por um processador rudimentar que interpretava apenas um dado: as vibrações no coletor de admissão detectadas pelo sensor de detonação pré-histórico.
Apesar disso o resultado foi bom: ambos os motores turbo aceleravam melhor que o V-8 de 5 litros, o de carburador quádruplo bem melhor. E ambas eram mais econômicos. A revista Autoesporte disse em 1980: “O motor não parece ter turbo; funciona como um motor normal da marcha-lenta até altas rotações. Só abrindo o capô se tem certeza de que o turbo está lá”. A revista sofreu com detonação, porém, um problema crônico desta primeira versão.
Mas isso não foi tudo, claro. A evolução deste primeiro Buick Turbo, como não podia deixar de ser na história deste motor, não parou por aqui. Até seu fim abrupto em 1987, uma dose cavalar de tecnologia foi despejada no motor, sistematicamente ano após ano, fato que de quebra ajudou a criar o mais legal carro americano de todos os tempos.
O Buick Grand National
O motor continuou seu desenvolvimento. Em 1979, velas diferentes e um cabeçote com dutos menos restritivos. Em 1980, um coletor de admissão de alumínio, e catalisadores mais modernos foram introduzidos. No ano seguinte, uma nova bomba de óleo de maior pressão e melhorias no sensor de detonação. Em 1982, a turbina recebeu uma nova carcaça e o escapamento duplo virou equipamento básico. Em 1983, já desenvolvia saudáveis 182 cv (180 hp), e quando instalado em um cupê Regal T-type, era um dos carros mais velozes dos Estados Unidos.
Mas em 1984 nossa história, que até agora era apenas interessante, entra no território das lendas. O Regal T-type receberia mais uma infusão de tecnologia debaixo do capô, e uma versão diferente para comemorar as vitórias da divisão nas corridas de stock car. Essas duas pequenas coisas conspirariam para criar um carro americano como nenhum outro desde então.
O motor Turbo receberia injeção eletrônica de combustível em substituição ao antiquado carburador. E era avançadíssima para a época: em vez da mais comum injeção multiponto, que acionava todos os injetores ao mesmo tempo uma vez a cada volta do motor, o Buick recebia uma sofisticada injeção seqüencial, onde, controlada por uma moderna central de controle, cada cilindro recebia a injeção de combustível individualmente, quando precisava dela. A central recebia informações variadas: rpm, posição do acelerador, temperatura da água, sensor de detonação, sensor de gases do escape, velocidade do carro, marcha em uso e velocidade e massa do ar de admissão. Esse último dado era absoluta novidade, o mais comum então sendo a medição apenas da velocidade do ar, e não sua densidade. O velho distribuidor também foi abandonado em favor de controle computadorizado. Tudo isso hoje é comum e corriqueiro, mas em 1984 era quase ficção científica. O novo motor, chamado de 3.8 S.F.I. Turbo, oferecia 203 cv (200 hp), e o funcionamento primoroso em todas as condições de uso que hoje achamos normal. Como todo Buick, era montado apenas com câmbio automático, neste caso um GM TH-400 de quatro marchas, a quarta sendo overdrive.
ste novo motor foi lançado numa versão do Regal T-Type chamada de Grand National. As pequenas modificações tiveram resultado expressivo: vendido apenas no mais escuro e malvado negro disponível no catálogo da GM, desprovido de cromados, com rodas de alumínio e pneus mais largos (215/65R15, Goodyear Eagle GT), alargadores de pára-lamas e defletores dianteiro e traseiro, transformaram o cupê com cara tranqüila e simpática em um ameaçador vilão de ficção científica. A Car and Driver americana disse no título de seu primeiro teste com o carro: “Lord Vader, seu carro está pronto”.
O carro tinha desempenho para dar substância a toda aquela cara de mau. Numa época em que o recém-lançado Corvette C4 oferecia 208 cv (205 hp), o cupezão negro da Buick tinha 203. A comparação com o Corvette é emblemática da esquizofrenia do gigante GM: o C4 era um carro avançadíssimo, com um V-8 antigo e com a ultrapassada injeção de duplo TBI (injetor em corpo de borboleta), e o Buick preto, um carro ultrapassado com um avançado V-6. A culpa disso, é claro, é a competição interna: a partir de 1984 os engenheiros da Buick passaram a usar molduras de placa que diziam: I brake for Corvettes (eu freio para Corvettes)
Segundo a revista Car and Driver americana, o primeiro Grand National fazia o quarto de milha em 15.7 segundos a 140 km/h, números melhores que o Corvette do mesmo ano. A revista também disse que o carro “é tão ameaçador quanto um helicóptero de ataque, e o escapamento tem um som maravilhoso, garantido em aumentar a pulsação de qualquer macho adulto da espécie humana”.
Em 1986, outro salto: o motor passava a contar com um resfriador de ar de admissão ar-ar, posicionado atrás do radiador. Com uma carga de admissão mais fria e densa, o motor passava a oferecer 238 cv (235 hp) a apenas 4.000 rpm (a linha vermelha estava em 5.600, porém), e 45,6 m·kgf de torque a 2.400 rpm.
No ano seguinte, novo comando de válvulas e novo mapa de injeção levaram a mais um importante aumento de potência: o Grand National tinha agora 248 cv (245 hp) a 4.400rpm, e 49 m·kgf de torque a 2.800rpm. Os números de desempenho melhoravam novamente: apenas 4,8 segundos para atingar 60 mph (96,5 km/h) partindo da imobilidade, e o quarto de milha em 14 segundos cravados. Eram números impressionantes em 1987, a qualquer preço. O Grand National, aquele cupê Buick simples e normalmente desinteressante com roupa de batalha, era conhecido por humilhar não somente Corvettes, Camaros e Mustangs, mas também gente de sangue azul como Ferraris e Porsches. Pelo menos em linha reta…
Histórias abundam nos EUA sobre encontros humilhantes para carros esportes de estirpe. O Buick preto se torna uma lenda sussurrada por conhecedores, um carro que não devia ser nada mas tinha ambição de ser mais. Um rebelde criado por engenheiros rebeldes que queriam fazer mais do que um Buick tradicional. O último suspiro independente da marca de Flint antes de ser engolida por uma corporação que precisava mudar.
Mas ao partir, o Grand National não o fez silenciosamente…
GNX
Em 1987, a festa estava marcada para acabar abruptamente. O novo Regal estava para ser lançado, e seria um carro de tração dianteira, numa plataforma corporativa compartilhada, que usaria um renovado Buick V-6 (sem turbo, claro), que seria chamado agora de “corporativo”. A Buick sabia que, além de sua própria independência dentro da GM, os dias do tradicional carro americano estavam também no fim, apesar de alguns sedãs como o Chevrolet Caprice e o Ford Crown Vic ainda contarem com uma sobrevida, impulsionada pela polícia e taxistas. Resolveu então que ia partir com barulho e muita fumaça de pneu; que o fim do Grand National exigia algo especial para torná-lo verdadeiramente inesquecível.
Seria lançada uma versão especial e limitada do carro, uma evolução final. Apenas 500 carros seriam produzidos, e para isso a ASC/Mclaren, uma conhecida empresa especializada em produzir séries pequenas para os gigantes de Detroit, foi contratada. Quinhentos Grand Nationals ano-modelo 1987 foram separados no pátio e enviados à ASC, que os modificou para a especificação que seria nomeada apenas com três letras: GNX.
A primeira coisa que se nota num GNX são as rodas e pneus. Os pára-lamas foram alargados para receber pneus maiores e de perfil mais baixo (245/50 R16). A suspensão recebeu amortecedores e molas mais duros, e uma barra Panhard traseira segurava os movimentos laterais. Além disso, uma barra de reação ligava o eixo rígido traseiro ao meio do carro, para melhorar a transferência de peso e por conseqüência a aderência na arrancada. O carro, como um Chevette crescido e bem mais malvado, levantava a traseira ameaçadoramente em arrancadas.
Mas a alma do GNX é, como não poderia deixar de ser, o motor. Com pistões e bielas especiais, um resfriador de ar de admissão maior, e remapeamento de injeção, entregava 280 cv (276 hp) e 50 m·kgf de torque. A aceleração do GNX era quase imbatível a seu tempo, o quarto de milha sendo sumariamente despachado em apenas 13 segundos e meio, a uma velocidade final de 165 km/h. Como comparação, o belíssimo, caro e sofisticado BMW M6, com 276cv, fazia a prova em 14,7 segundos. O Corvette, em 14,3. O Porsche 928S, em 14 segundos cravados. Sim, todos estes carros eram muito melhores e mais seguros para andar rápido, e em estradas truncadas trucidariam o GNX. Mas bastariam retas mais longas em meio a esta estrada truncada para a competição se acirrar…
O fato é que nos EUA, um país onde espaço há de sobra e curvas são raras, muita gente montada em exóticos caríssimos era humilhada regularmente pelo enorme, malvado, e improvável Buick preto. E isto, senhores, é a matéria prima bruta de onde nascem as lendas.
O Grand National é então o rebelde final, o último grito de independência da antes orgulhosa Buick. Preso em sua própria história e tradição, e brigando com o futuro traçado para a marca pelo severo pai GM, o carro é o triunfo da ambição de ser algo a mais, de se livrar de suas origens dúbias para alcançar um objetivo que pareceria impossível se não tivesse sido alcançado. Um clássico imortal, e por isso mesmo o carro americano mais incrível que já houve.
E o aparecimento do GNX em 1987 parece ecoar, ao fundo, o mesmo famosíssimo poema que 35 anos antes o poeta galês Dylan Thomas escrevia para seu pai. Este poema dizia:
“Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.
Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.
Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.
Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.
Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.
And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light”
MAO