No dia em que pifou a máquina agrícola (da marca John Deere, nova, na garantia) de um fazendeiro americano, ele pediu assistência ao concessionário, mas foi informado que os técnicos só chegariam três dias depois.
“Não posso — ele alegou — ter todo este prejuízo com a máquina parada no campo” e explicou que seu mecânico tinha condições de repará-la. A revenda autorizada respondeu que só seus técnicos com ferramentas especializadas poderiam consertá-la, ou ele perderia a garantia.
Oficina não tem informação
Este é um dos milhões de casos que acontecem no mundo inteiro devido ao impedimento, pela fábrica, do acesso ao produto por seu próprio dono, ou oficina de sua confiança.
Além de barrar qualquer revisão fora da concessionária durante o período de garantia, o que ainda seria justificável, tem pior: com a sofisticação eletrônica cada vez mais presente nos veículos, a fábrica tenta impedir o acesso de oficinas independentes aos dados básicos para reparar, regular ou ajustar os componentes. Mesmo tendo um computador, os mecânicos não têm os parâmetros necessários para a manutenção, pois as fábricas não os disponibilizam oficialmente, prejudicando assim as oficinas independentes.
Primeiro Mundo: Right to Repair
Esta briga deu origem a um movimento chamado “Right to Repair” (Direito de Reparar) na Europa e nos EUA, onde o deputado democrata Bobby Rush apresentou projeto de lei para assegurar a donos de veículos e oficinas independentes o mesmo acesso às ferramentas de reparo e manutenção que as concessionárias.
Até o presidente Joe Biden se envolveu no assunto e criticou no início deste ano que “o dono do produto, de um smartphone a um trator, não tenha a liberdade de escolher como e onde reparar o item adquirido”.
A ideia é obrigar as fábricas a disponibilizarem, mesmo que a um custo razoável, estas informações ao mercado.
O movimento foi assumido no Brasil pelo Sindirepa, sindicato dos reparadores de veículos, que já enviou cartas para as fabricantes questionado o assunto. Se elas negarem sua pretensão, vai levar o tema a parlamentares para se estabelecer uma legislação semelhante à do Primeiro Mundo.
Sindirepa destaca a falta de capilaridade
Antônio Fiola, presidente do Sindirepa, ressalta que existem cerca de 90 mil oficinas e apenas 5 mil concessionárias no país.
“A própria falta de capilaridade da assistência técnica das fábricas revela a impossibilidade — diz Fiola — de as oficinas autorizadas prestarem manutenção aos veículos. Quantas cidades no Brasil não contam com nenhuma concessionária?
O dono do carro deveria ter o direito à liberdade de escolha. De decidir onde e como seu veículo receberá manutenção. E de receber, ele e a oficina independente, as informações necessárias para o reparo do automóvel, que se trata de um bem durável. A própria fábrica deveria se preocupar com este problema, que causa a desvalorização de seu produto no mercado por falta de manutenção, o que prejudica a própria marca”.
Pirataria
Além disso, mesmo com a tentativa da fábrica de impedir, sabe-se que estas informações acabam chegando, às vezes distorcidas e desatualizadas, às oficinas independentes por “pirataria”.
Pesquisei o setor, para entender os mecanismos da obtenção irregular destes dados: um deles é através do gerente de peças de uma concessionária, que tem interesse numa oficina independente como cliente. Pede então ao responsável da sua oficina uma cópia (ilegal) do arquivo com os dados fornecidos pela fábrica e a repassa. Garante, assim, a venda de peças para o mecânico independente.
Mas há um consenso de que as fábricas devem ceder oficialmente estas informações ao dono do carro, nem que sejam obrigadas por uma legislação específica.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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