Como saber, ao comprar um produto no mercado, se ele segue padrões internacionais e oferece qualidade mínima e segurança?
Quem o certifica no Brasil é o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial), um órgão do governo federal subordinado ao Ministério da Economia.
No caso dos automóveis, foi o Inmetro quem criou, por exemplo, a etiqueta de consumo veicular, uma boa referencia para o consumidor preocupado (e quem não está?) com a conta do combustível no fim do mês.
Mas o órgão nem sempre é confiável, pois costuma “derrapar” em algumas de suas decisões. Uma das mais conturbadas foi a certificação de pneus remoldados. Uma operação de reforma do velho que aproveita a carcaça para a fabricação de um “novo”. Existem outros tipos de pneus reformados, entre eles os recapados, recauchutados, ou ressulcados. Nada contra: operações aprovadas internacionalmente e utilizadas até em pneus de aviões.
Entretanto, quando o Inmetro desenvolveu o programa de certificação de pneus reformados, emitiu uma Nota Técnica (83/2000) sem nenhuma consistência técnica que referendasse as empresas que recauchutavam de talão a talão (remoldados), emitida sob pressão de um fabricante, a BS Colway. Numa solenidade, seu proprietário, o sr. Francisco Simeão, chegou a receber das mãos do governador do Paraná (Roberto Requião), a certificação do Inmetro. Mas o próprio órgão reconheceu o despropósito do documento e emitiu outra Nota Técnica (015/2005), invalidando a anterior.
Por que a “escorregada” do Inmetro?
Por pressão do sr. Simeão, que queria reduzir custos de produção, o órgão brasileiro decidiu não exigir, para a certificação dos remoldados, um item básico de segurança: que as características da carcaça original fossem mencionadas na banda lateral do pneu reformado. Uma exigência que consta (sob nº 109) na regulamentação da Comunidade Europeia.
Qual o perigo de não se mencionar as características da carcaça original? Dois remoldados com aparentemente as mesmas propriedades e medidas externas podem ter comportamento completamente distinto em situações de maior exigência como freadas de emergência ou curvas mais apertadas, pois as duas carcaças podem ter sido projetadas para veículos tão diversos como um Porsche e um furgão de “hot-dog”.
Apesar de ainda mais perigoso, o uso de pneus reformados para motos foi motivo de controvérsia no Inmetro. Em 2018, Carlos Augusto Azevedo, seu presidente, pressionado pelo Sindipneus, e por Igor Nogueira Calvet (secretário do MDIC) tentou convencer seus órgãos técnicos a aprová-los, contrariando parecer do próprio órgão. Não fosse a posição firme da área técnica, o Inmetro teria aprovado mais este absurdo.
Outra “escorregada” do órgão foi ao elaborar as etiquetas para pneus, informando três características: resistência ao rolamento (maior ou menor consumo), aderência à pista molhada e ruído. Mas o interesse da grande maioria dos motoristas é saber a durabilidade de um pneu, indicado pelo índice “treadwear”, não é exigido pelo Inmetro. Os únicos pneus fabricados no Brasil com essa indicação são os exportados para os EUA, onde ela é exigida. Questionei o Inmetro e a resposta foi ridícula: desgaste de pneu é subjetivo e sujeito a muitas variáveis. Como se o consumo de combustível (das etiquetas) também não fosse…
Mas não param por aí as mal contadas histórias do Inmetro. Quando decidiu, com décadas de atraso, certificar peças de reposição para automóveis, restringiu sua lista a cerca de 20 componentes dos milhares aplicados num automóvel. O critério não foi claro. Peças internas do motor estão incluídas. Mas limpadores de para-brisa ficaram de fora. Questionado, o Inmetro “explicou”: “Até o presente momento, não foi identificada a necessidade de estabelecimento de medida regulatória para outros componentes automotivos. O Inmetro faz o processo de certificação quando identifica um problema ou para responder demandas da sociedade”.
Mas a “cereja do bolo” da irresponsabilidade do órgão foi ceder à pressão dos fabricantes dos famigerados “engates-bola”, aplicados junto ao para-choque traseiro (foto de abertura). Danifica não só o próprio automóvel no caso de receber um impacto traseiro, mas também outros automóveis durante manobras. E a canela do pedestre desavisado. O Inmetro, ao invés de exigir o dispositivo que se encaixa no interior do para-choque ou desmontável (só engatado ao rebocar alguma coisa), certificou o perigoso dispositivo desde que “aparadas as arestas” e outras exigências inócuas.
Para alegria dos fabricantes e tristeza das vítimas.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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