Um aeroentusiasta e mesmo os aeromodelistas sabem que a hélice é o componente que transforma a energia rotacional em empuxo e assim desloca o corpo ao qual está ligada através de um fluido estacionário, conforme vimos no texto dos propfans.
Por essa razão, nos países de língua inglesa o termo airscrew (parafuso de ar) é sinônimo de hélice.
Analogamente a um parafuso em um pedaço de madeira, quanto maior o passo (distância entre os filetes) da rosca do parafuso, mais rapidamente ele entrará num corpo sólido e vice-versa.
Só que, diferentemente, de um parafuso, o passo da hélice fixo atenderá a uma faixa de trabalho — decolagem, subida, voo de cruzeiro, etc. Se escolhermos uma hélice voltada para desempenho em cruzeiro, ela sacrificara o desempenho em decolagem por não permitir que o motor atinja rotação de potencia máxima requerida para essa fase crítica do voo.
Até porque existe nas aeronaves leves o que é chamado de rated rpm (rpm certificada): o motor deve ser testado em aceleração estática e atingir de 80 a 85% da rotação máxima quando parado, em local sem vento. O objetivo é proteger o motor de um excesso de rotação quando em voo.
Mas veja o que é o passo da uma hélice: para entender melhor
No vídeo pode-se ver que o passo da hélice poder ser mudado e até invertido, neste caso a força trativa do motor (desloca o ar para trás) muda para força frenante (desloca o ar para frente) freando o avião, muito útil para reduzir a corrida do pouso, especialmente com pista molhada em que o uso forte dos freios de roda pode induzir uma derrapagem. O Lockheed L-188 Electra tinha passo reversível.
Nos motores a pistão, com hélice de passo fixo a manete de potência (throttle, acelerador) é usada da mesma maneira que num automóvel quando se quer elevar a entrega de potência às rodas para aumentar velocidade ou superar uma subida. Na decolagem,, acelerador no máximo e ao se atingir 150 metros de altura, reduz-se cum pouco a potência (em alguns aviões como o Cessna 150. Continua-se em potência máxima até o nível de cruzeiro desejado, redução só depois).
Operação com hélice de rotação constante
Com hélice de passo variável, no caso de hélice rotação constante, a decolagem é com passo mínimo e rotação de potência máxima (2.700 rpm), Ao atingir 150 m de altura (500 pés) reduz-se potencia pela leitura do manômetro de pressão o coletor de admissão (manifold presure, MP), por meio da manete throttle (acelerador) reduzindo-a 9%, ou seja, de 29 polegadas de mercúrio (29 pol Hg) para 27 pol Hg. Por ser de rotação constante, a hélice se mantém a 2.700 rpm. Só diminui se o piloto quiser, nesse caso por meio do passo de hélice (manete propeller), puxando-a, por exemplo, até à rotação de 2.500 rpm. Assim fica até atingir o nível de cruzeiro e ao nivelar a potência de subida não [e mais necessária e ela poder se reduzida baixando a MP. O sistema de rotação constante mantém a hélice a 2.500 rpm, o mesmo que “alongar” o diferencial de um carro.
O manual do avião sempre informa a melhor combinação de MP e passo de hélice tanto para maior velocidade quanto para menor consumo.
Passando do voo de cruzeiro ao de descida descida a potência é reduzida com MP mais baixa, 24 pol Hg, mas a hélice continua a 2.500 rpm. Só na reta final se passa a hélice para passo mínimo de forma se poder contar com potência máxima no caso de ser necessário arremeter por qualquer motivo.
Veja abaixo o painel de manetes da linha Piper Cherokee. A preta, à esquerda, é a de potência. Num automóvel corresponde ao pedal do acelerador. Essa manete (o “pedal” do acelerador) controla uma válvula circular de nome de borboleta que controla a entrada de mistura ar-combustível (carburador ou injeção no duto) ou só ar Injeção direta). Todo carburador tem essa válvula, assim como o corpo de válvula dos sistemas de injeção.
A manete de pomo preto é do throttle e a de pomo azul é a de rotação (propeller). A de pomo vermelho é a de mistura ar-combustível, que tem influência direta na temperatura do cabeçote (cylinder head temperature). que não pode exceder 260 ºC, sendo recomendável mantê-la a 225 ºC. Esse controle é feito pela mistura ar-combustível.(mais pobre a mistura, maior a temperatura do cabeçote e vice-versa).
Notou que cada pomo tem um formato. É intencional, norma da aviação, para não haver confusão e permitir que o piloto reconheça cada uma pelo tato. Não visível aqui, a manete do trem de pouso tem formato de uma roda.
Em voo, o piloto ajusta a rotação do motor na manete de hélice, sendo que as variações de aceleração da manete de potência servirão para modular o desempenho entregue pelo motor, ajustado automaticamente em rotação pelo passo da hélice em função da aceleração imposta, velocidade da aeronave e a pressão de admissão. Pelo gráfico de desempenho do motor o piloto, saberá qual o regime de potência que está operando (pela rotação e pressão de admissão).
Naturalmente, se houver uma redução brusca de potência via manete do acelerador, a hélice não conseguirá, com a modulação do passo, manter a rotação desejada.
Em motores turbo-hélices de acionamento direto (nos quais a caixa de redução da hélice é ligada diretamente ao eixo de compressores e turbinas do motor, o conjunto trabalha numa rotação fixa e quem a mantém é o passo da hélice, maior ou menor, de acordo com a fase do voo. Com isso, toda a potência disponível no eixo é aproveitada.
Para a decolagem, por exemplo, e mantendo a mesma rotação em voo de cruzeiro, uma vez que a hélice necessitará de menos torque (e potência por consequência) para aquele regime, sempre lembrando que potência é o produto do torque pela rotação), se a rotação se mantém constante, então a variação de potência se dá em função do torque imposto (assim é medido o desempenho do motor pela instrumentação dos turbo-hélices).
No inicio, as primeiras hélices de passo variável tinham duas posições de passo escolhidas pelo piloto: decolagem e voo de cruzeiro, quase como as marchas de um automóvel. O próprio Beech 35 Bonanza de 1947 tinha esse recurso, mas ai esse tipo de sistema perdeu o sentido e as hélices de rotação constante suplantaram as de passo variável.
Mas qual o objetivo de falar tudo isso? O câmbio CVT consiste, na sua maioria, de duas polias em “V”, uma ligada ao motor (polia condutora), outra às rodas (polia conduzida). As duas partes dos “V” que formam o sulco não são fixas, aproximam-se ou afastam-se de maneira antagônica, isto é, se numa polia o “V” se estreita, na outra se alarga, Com isso, a correia metálica especial que leva movimento da polia condutora para a conduzida muda de ponto de contato em ambas, um se deslocando em direção à periferia da polia, outro em direção ao s centro. Disso resulta a relação de transmissão entre os diâmetros definidos pelos respectivos pontos de contato da correia em cada polia. Veja como isso funciona neste vídeo:
Os sulcos das polias variam continuamente como descrito mediante controle eletrônico, em função de condições como rotação do motor. carga do motor (aceleração) e velocidade do veículo. Vem daí a denominação Transmissão Continuamente Variável, que em inglês tem a conhecida sigla CVT, de Continuously Variable Trnsmission.
Dirigindo um carro com câmbio CVT
(No vídeo acima, a velocidade de cruzeiro é mantida em função de uma determinada rotação. Quando é necessário acelerar rapidamente, as polias alteram seus sulcos, a rotação vai a quase 6.000 rpm, mantendo-se aí para máxima aceleração do veículo, usando toda a potencia do motor de maneira constante e a aceleração, linear, sem mudança de rotação, apenas variando as polias (como no passo da hélice do avião).
A primeira vez que dirigi um veículo com câmbio CVT, o suve Mitsubishi ASX, confesso que achei muito esquisito o “efeito elástico” de acelerar, a rotação do motor subir e a velocidade ir aumentando, sem queda na rotação.
Essa queda não ocorre num CVT porque quando aceleramos o motor, as polias promovem a redução da relação (encurtamento) de forma a levar o motor à rotação que dê a desejada potência e elas vão progressivamente alongando a relação, a velocidade vai aumentando e a relação mudando continuamente conforme a aceleração imposta.
Isso pode ser perfeitamente percebido numa arrancada a partir da imobilidade, como o sair de um pedágio. Você acelera o veículo, o motor subirá até 2.500 rpm, por exemplo. e ficará nessa rotação até o atingimento da velocidade proporcionada pela potência resultante. É diferente de um automático epicíclico, em que a rotação sobe e cai conforme as marchas vão se sucedendo, o que é também plenamente audível pelo emitido pelo motor e pelos movimentos do ponteiro do conta-giros. No CVT, a variação contínua dos sulcos das polias funciona como a variação do passo da hélice no avião: modulará a potência exigida, rotação e a aceleração desejada.
Como ocorre com todos os câmbios automáticos, robotizados ou epicíclicos. Se você acelerar um carro de câmbio CVT até a sua rotação máxima, vera a velocidade crescendo mas sem atingir a rotação de corte do motor.
Só que, o mercado, desacostumado em dirigir um veículo no qual o motor trabalha continuamente, sem as quedas de rotação percebidas num manual ou automático epicíclico, rejeitou o câmbio CVT. O fez por não entender o princípio de que se acelera motor e as polias fazem o resto, sem a queda de rotação típica dos automáticos convencionais. Isso levou a indústria a achar uma saída para agradar aos motoristas que consiste em criar as chamadas marchas “virtuais” no câmbio CVT, em que a variação dos “V” das polias “estaciona” em determinados pontos, de rotação do motor, imitando as trocas de marchas dos câmbios conhecidos .Na verdade,, falando tecnicamente, é uma troca de marchas como outra qualquer, apenas a forma é diferente, como explicado na matéria “Marchas simuladas nada, elas são é reais.“
Na prática, o que foi feito foi criar degraus onde não existiam a estratégia deu certo, Hoje o câmbio CVT é plenamente aceito.
Curioso notar que os scooters atuais têm câmbio CVT “elástico” com embreagem automática e isso não parece incomodar os usuários. Pelo contrário, são apreciados.
O CVT puro é a perfeita possibilidade da perfeita integração motor x desempenho desejado, sem a interferência das trocas de marcha do câmbio. É o motorista, motor e resposta desejada. O resto, a variação contínua das polias faz por você, sem a restrição imposta por relações de engrenagem de um automático epicíclico ou robotizado.
DA
Bob Sharp colaborou