O evento de carros antigos de Pebble Beach, oficialmente batizado de Pebble Beach Concours d’Elegance (concurso de elegância de Pebble Beach), realizado anualmente em um sofisticado campo de golfe na costa da Califórnia, é tido como o mais importante evento deste tipo no mundo, ao lado de Amelia Island (também nos Estados Unidos) e Villa d’Este (Itália).
Este ano, o concurso celebrou sua 73ª edição com um feito inédito. Dentre diversas atividades e eventos que ocorrem no fim de semana do Concours d’Elegance, como a própria exposição dos carros clássicos, há lançamentos de modelos novos de alguns fabricantes, carros-conceito, leilões e arrecadações beneficentes levantando mais de 3 milhões de dólares. Mas, o principal, é o concurso para escolher os melhores carros do evento.
Ser premiado em Pebble Beach é uma das maiores honrarias para o mundo dos carros antigos, dado o elevado nível dos competidores. Para separar os carros, são criadas diversas categorias, mais de 30 para se ter uma ideia, onde os carros são divididos por suas origens, épocas, fabricantes, além das categorias especiais que a cada ano mudam.
Este ano, pela primeira vez na história do evento, um carro da categoria Preservation Class (Preservação), foi o que recebeu a principal premiação como o Best of Show (Melhor do Evento). O que seria a Preservation Class? É uma categoria que foi oficializada no evento em 2001 para carros que não são restaurados, ou seja, são o que chamam por aqui de “testemunha de época”, pois estão exatamente iguais como eram décadas atrás, sem pintura nova, sem estofamento novo, tudo original de fábrica, ou pelo menos da época de sua fabricação.
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O fato de um carro não restaurado receber o principal prêmio do evento, que tem a palavra elegância no nome, já mostra um feito fora do esperado. Os carros que participam destes grandes encontros de antigos no mundo, de algumas décadas para cá, entraram numa onda que muitos chamam de restauração excessiva. Isto significa que os carros foram restaurados de tal forma que ficaram melhores do que eles eram quando foram fabricados. As pinturas são melhores, mais brilhantes, os acabamento mais bem feitos, até a própria estruturação da carroceria faz com que o carro hoje seja mais alinhado e perfeito do que quando saiu da fábrica.
É um problema? Não, se você busca um automóvel perfeito. Se você preza pela originalidade e preservação de como o carro realmente saiu da fábrica, o uso de materiais e técnicas ultramodernas vão acabar descaracterizando um pouco as origens do carro e suas concepção.
Certa vez um amigo me falou, mostrando os detalhes do Ferrari 308 de sua coleção, que a graça que ele via naquele carro eram justamente os traços imperfeitos que remetiam como o carro foi construído, com ajustes de portas e tampas de qualidade questionáveis, feitas numa fábrica italiana de baixo volume, com mentalidade produtiva ainda similares a do fim da década de 60, mas que aquilo era o real, era como o carro nasceu. Não era perfeito, mas era real.
O vencedor deste ano em Pebble Beach foi o Bugatti Tipo 59 Sport (foto de abertura) da coleção de Fritz Burkard, da The Pearl Collection, localizada na Suíça. Este carro foi o primeiro Tipo 59 fabricado, em 1934, criado para ser um carro de grand prix, equipado com o lendário motor de oito cilindros em linha supercarregado, tendo muito sucesso nas pistas.
Nas mãos de grandes pilotos como René Dreyfus e Jean-Pierre Wimille, este Bugatti conquistou vitórias e ótimos resultados. Alguns anos depois, quando Ettore Bugatti aposentou os Tipo 59, este carro em especial foi convertido para uma versão de carro esporte (o único que a própria Bugatti converteu), com dois lugares, para-lamas, faróis integrados à carroceria, e foi parar nas mãos do Rei Leopoldo III da Bélgica, onde recebeu a pintura atual na cor preta com faixas amarelas ainda nos anos 30. Desta forma, ficou até hoje.
Por não ter sido restaurado, a pintura está toda desgastada, assim como o interior que está com marcas da idade, com bancos gastos, mas tudo que está no carro, foi feito há mais de 80 anos.
Muitos colecionadores devem torcer o nariz para carros assim, pois investem literalmente milhões em restaurações meticulosas que transformam carros em verdadeiras obras de arte sobre rodas, como são quase todos os carros presentes em Pebble Beach, exceto os da Preservation Class.
Está errado restaurar um carro para ficar perfeito? Não. Está certo torná-lo muito melhor do que ele um dia já foi, quando novo? Também acho que não, pensando num contexto histórico, mas por outro lado, assim criam-se maravilhas do mundo automobilístico que aos olhos não poderiam ser mais agradáveis. E manter um carro sem restauração? Também não é errado, se este tiver uma história que mereça ser preservada sem prejudicar sua funcionalidade. É tudo uma questão de gosto, um não exclui o outro.
Talvez a época dos carros ultrarrestaurados dominando eventos esteja chegando ao fim com esta premiação do Bugatti. Imagino que de agora em diante muito dos grandes concursos valorizarão ainda mais os carros de preservação, uma vez que a jurisprudência foi criada e vai abrir precedentes. Se isto ocorrer, acho que será muito bom, pois muitos carros com histórias riquíssimas poderão ser reconhecidos também como automóveis de excelência, título que até então só era dado aos carros impecáveis.
MB