A questão da velocidade sempre me intrigou. Desde quando comecei a dirigir, com 10 anos, meu tio Paulo pacientemente me ensinando em seu Citroën 11 L 1947, eu não olhava para o velocímetro (Jaeger) do carro. Só mais mais tarde, quando chegou lá em casa o Volkswagen 1953, é que comecei a consultar o instrumento. Não para saber a velocidade, mas para trocar as marchas no momento certo, pois havia marcas vermelhas na escala numérica em algarismos romanos, I, II e III (25, 45 e 70 km/h). Não havia a IV, pois a velocidade máxima era de 100 km/h (motor de 1.131 cm³, 25 cv). Velocidade máxima e permanente, diziam o manual do proprietário e os elaboradas brochuras de vendas que a fábrica enviava, da Alemanha, para as concessionárias no Brasil.
As brochuras e os manuais vinham em português lusitano, como naquelas ser informado que o macaco levantava o carro por um dos lados de uma só vez, falando em “troca de pneu sem arrelias”, ou então “gênica nas ultrapassagens, 70 km/h em terceira velocidade”, ou, ainda, “para viagens nocturnas o VW dispõe de excelentes faróis”…A página abaixo mostra que uma brochura destinada aos mercados de língua inglesa. As que aqui chegavam eram iguais, só que em português.
Não sei explicar por que, mas o fato é que desde os primeiros quilômetros ao volante nunca me interessou saber a quanto eu estava. Minha referência de velocidade era puramente visual e é assim até hoje. Passei 25 anos correndo, mais intensamente na década de 1970, e mais do que nunca velocidade me era alguma coisa totalmente irrelevante.
Piloto de carro de corrida não precisa de velocímetro, mas como hoje a velocidade máxima nos boxes é limitada, e medida, caso da F1 e outras categorias, o piloto dispõe de um botão no volante para limitá-la e não ser penalizado
Gosto de dar com exemplo o avião no pouso. No momento em que começa transição do ar para o solo, o início do que se chama arredondamento, a visão é o único sentido que o piloto tem para efetuar a manobra. Inclusive, ele tem de aprender a ir mudando a distância focal para mais perto à medida que a velocidade vai caindo e assim poder “medir” a altura em relação à pista. É muito difícil no começo e por isso o pouso é a parte mais difícil do vôo.
Veja neste vídeo esse momento final do pouso de um avião de pequeno porte, visto da cabine. Se quiser ver só o detalhe do arredondamento, avance para 5’45”.
Aliás, é o grande paradoxo da aviação, o pouso é o mais difícil e o menos perigoso (desde que o vento não esteja de través) e a decolagem, o oposto, o mais fácil porém o mais perigoso, em que uma perda de potência pode levar ao acidente.
O fato é todos temos noção de velocidade, mais por referência visual, embora a audição desempenhe um papel nisso também, pelo ruído de vento. Os mais atentos notam quando um avião passa do vôo de subida para o vôo nivelado só pelo ruído de vento que aumenta, indicando estar em velocidade mais do que na subida, a de cruzeiro.
O que sempre noto ao dirigir no exterior é a minha velocidade e a do tráfego à volta ser a mesma do limite indicado pela sinalização, sem que se perceba estar “obedecendo”. Isso tem explicação, os limites não são estabelecidos “de orelhada”, com é o padrão aqui, mas após estudos que incluem medir a velocidade de carros com o velocímetro tapado para depois levantar dados estatísticos visando estabelecer o limite, que acaba coincidindo com a velocidade natural da via.
É comum estar-se trafegando numa avenida americana, por exemplo, a 45 mph (72 km/h) e ao se avistar uma placa de limite ser essa a velocidade imprimida. É por isso que aqui, na maioria das vezes, ao comparar indicação no velocímetro com limite constatamos estar “em excesso de velocidade”. Em praticamente todas as estradas brasileiras acontece isso. Não tem nada nada a ver com querer “correr”, rebeldia, andar acima do limite por andar.
Neste Carnaval viajei em direção ao Rio de Janeiro e na rodovia Presidente Dutra, de limite 110 km/h, o carro ia naturalmente a 120~125 km/h. Experimentei manter 110 km/h e era forçar barra, carros me ultrapassando um em seguida ao outro.
Desnecessário dizer, trata-se de mera estratégia dos governos dos três níveis de administração para “reforçar” o caixa com a arrecadação de multas, ou seja, meter a mão no bolso do cidadão que sustenta essas máquinas administrativas ineficientes e inchadas de funcionários.
Caso do Rodoanel Mário Covas, em São Paulo, cujo limite de 100 km/h é um desrespeito ao cidadão e que só serve para reforçar o caixa do estado. Se não for isso, que alguma autoridade da área do governo estadual me conteste — se tiver peito.
Por isso, dirigir no Brasil hoje não dá mais o prazer de antes, o de dirigir na velocidade confortável, pois se é obrigado a ficar alternando permanentemente visão da via/visão do velocímetro para não se ser flagrado por uma diabólica câmera. Isso sem contar o maior câncer das estradas e ruas brasileiras entre todos: as lombadas (quebra-molas em algumas regiões). Só pode ser coisa de débil mental, erigir obstáculos numa rua ou estrada. Esquecem-se, ou fingem que esquecem, que veículos policiais, do corpo de bombeiros e ambulâncias precisam ter deslocamento fácil.
Aliás, para reforçar o caixa, prefeitos irresponsáveis — para não usar um termo chulo —como o de Nova York, Bill de Blasio, e o de São Paulo, Fernando Haddad, sem contar outros tantos Brasil afora, estão com essa de reduzir drasticamente a velocidade nos seus feudos, com a desculpa esfarrapada e sem-vergonha de que um pedestre atropelado a 50 km/h se fere mais do que a 40 km/h — como se atropelamentos fosse inevitáveis e se carros não freassem antes de atingir alguém.
Na exemplar Alemanha, onde o limite nas cidades é 50 km/h, isso vale mais como referência do que qualquer outra coisas, pois já fui transportado por vans e táxis e rodam entre 60 e 65 km/h. Lá o cidadão é respeitado, não é caçado como marginal.
BS