Dia 11 de março o presidente americano, Donald Trump, confirmou as alíquotas de 25% para o aço e o alumínio corroborando o entendimento de 10 de fevereiro sobre o tema. Além destas, suspendeu até o dia 2 de abril as alíquotas de veículos provenientes do México e do Canadá e manteve as alíquotas dos veículos chineses em 20%.
Esta medida certamente afeta grandes exportadores onerando de forma demasiada os preços destes produtos naquele mercado. É de conhecimento que as siderúrgicas americanas são pouco competitivas e existe um fator político em jogo, pois elas estão em sua grande parte localizadas em regiões de grande concentração de votos ao atual presidente. Sem exceções, este tipo de tarifação impacta diretamente setores como o automobilístico e o de construção civil mesmo porque os EUA não são capazes de produzir tudo o que consomem. Se por um lado o presidente pretende destinar recursos e desenvolver esta indústria, por outro os resultados não serão colhidos no curto prazo e os efeitos serão sentidos na economia.
Os Estados Unidos é um dos maiores produtores de aço do mundo, entretanto a produção doméstica não supre a demanda interna o que torna o país também um dos maiores importadores de aço principalmente de produtos semiacabados, chapas laminadas e aço inoxidável. Nos últimos 10 anos as taxas de importação deste produto variaram entre 23 e 34% sendo que 2024 fechou em 26%. Canadá e Brasil são os principais fornecedores de aço semiacabado para os EUA.
Num primeiro momento o Brasil, segundo maior fornecedor de aço e ferro para os EUA, sofrerá perdas representativas com as exportações. Em 2024, os americanos compraram US$ 4,677 bilhões em produtos brasileiros do conjunto de “Aço e Ferro”.
A participação dos maiores países exportadores de ferro e aço aos americanos é demonstrada a seguir:
– Canadá: 24,2%
– Brasil 14,9%
– México: 10,1%
– Coreia do Sul: 5,9%
– Alemanha: 4,6%
– Japão: 3,7%
– Taiwan: 3,3%
– Vietnã: 3,1%
– Holanda: 2,6%
– Trinidad e Tobago: 2,0%
Fonte: International Trade Administration
Usando apenas o recorte para o aço, é possível dimensionar a lista dos países que mais exportaram para os EUA nos últimos anos, em volume:
– Canadá: 5,95 milhões de toneladas
– Brasil: 4,08 milhões de toneladas
– México: 3,19 milhões de toneladas
– Coreia do Sul: 2,5 milhões de toneladas
– Japão: 1,07 milhões de toneladas
– China: 469 mil toneladas
Fonte: Departamento de Comércio dos EUA
Sob a ótica do Brasil, os EUA são destino de 47,9% das exportações do grupo de aço e ferro; em segundo lugar aparece a China com 10,7% de nossas exportações.
No tocante a produção mundial de aço, a China é disparada a maior produtora. É quase 7 vezes maior que o segundo maior produtor, a Índia, e nada menos que quase 13 vezes maior em relação aos EUA.
Veja a lista abaixo o ranking na produção de aço bruto, em toneladas:
– China: 1,005 bilhão
– Índia: 149,6 milhões
– Japão: 84 milhões
– Estados Unidos: 79,5 milhões
– Rússia: 70,7 milhões
– Coreia do Sul: 63,5 milhões
– Alemanha: 37,2 milhões
– Turquia: 36,9 milhões
– Brasil: 33,7 milhões
– Irã: 31 milhões
Source: World Steel Association
Serão necessárias rápidas ações para que o Brasil encontre novos parceiros comerciais com a finalidade de escoar a produção de aço no curto e médio prazos.
Com respeito ao alumínio a situação dos EUA é ainda mais delicada, pois produzem apenas uma pequena parcela do que consomem e são altamente dependentes de importações. A limitação da capacidade de produção de alumínio primário decorre do alto custo da eletricidade para a sua produção (apenas de forma exemplificativa, recentemente realizei uma visita técnica numa fábrica de alumínio no Brasil e recebi a informação de que 2% de toda a energia produzida no Brasil era utilizada naquela fábrica no processamento da bauxita).
Lista de países que mais exportam alumínio para os Estados Unidos em 2024:
– Canadá: 3,15 milhões de toneladas (58,1% do total importado pelos EUA)
– Emirados Árabes Unidos: 347 mil toneladas (6,4%)
– China: 223 mil toneladas (4,1%)
– Coreia do Sul: 214 mil toneladas (3,9%)
– Bahrein: 201 mil toneladas (3,7%)
– Argentina: 176 mil toneladas (3,2%)
Fonte: Departamento de Comércio dos EUA
Os Estados Unidos não são autossuficientes na produção de aço e alumínio apesar de demonstrarem grande capacidade de produção. O país ainda necessita de importações para atender à demanda interna, especialmente para certos tipos de produtos siderúrgicos e alumínio primário e mesmo assim irá adotar alíquotas protecionistas na tentativa de fortalecer a sua indústria, mas colherá resultados práticos benéficos em apenas alguns anos.
No caso dos veículos taxados do México e Canadá, Trump voltou atrás e deu um prazo suplementar de um mês sem o imposto de 25%.
Uma projeção da consultoria Anderson Economic Group diz que os veículos poderão ficar até USD 12.000 mais caros o que é um valor representativo, lembrando que os veículos naquele mercado partem de valores inferiores a US$ 20.000. Outros consultores entendem que os veículos ficarão em geral até 20% mais caros. Particularmente considero mais assertivo este segundo cenário.
Acredito que estas ações (aço, alumínio e alíquotas veiculares) não serão benéficas para a economia dos EUA pois levarão à inflação. Trata-se de uma lei básica da economia de “Demanda e Oferta”.
E OS IMPACTOS PARA O BRASIL?
Com respeito aos mercados de aço e alumínio, estes serão afetados no curto prazo. Entretanto vejo possibilidades para o Brasil encontrar novos mercados incluindo o aumento das exportações de aço para a China (em torno de US$ 19,8 bilhões em minério de ferro foram exportados para a China em 2024 – MDIC).
Já com respeito ao mercado automobilístico, como o Brasil tem pouca sinergia com os EUA em relação a produtos prontos, de forma direta quase não sofreremos os efeitos destas alterações.
Entretanto o excedente de produção, principalmente do México, poderá chegar até o nosso mercado exatamente como ocorreu no primeiro governo Trump (e em situações anteriores). Este excedente não seria capaz de impactar o nosso mercado em relação ao aumento da concorrência ou numa diminuição de preços ao consumidor final, mas traria produtos que ainda não estão disponíveis por aqui, seja por uma reestilização já ocorrida por lá, seja por um produto totalmente novo já existe naquele mercado e não lançado por aqui.
Quanto a China, duas fabricantes já anunciaram fábricas e outras anunciaram suas operações no Brasil. Outras mais virão… o Brasil tem potencial para receber entre 14 e 16 marcas chinesas. O Brasil é relevante para esta fase de expansão global chinesa.
Com o novo sistema tributário (ainda com muita discussão por vir, principalmente com respeito aos veículos terem entrado no imposto seletivo ou “do pecado”), com a possibilidade de um acordo entre União Europeia e Mercosul, com o advento de novas fábricas, com o MOVER trazendo investimentos diretos e com o recorde de investimentos em P&D (também via MOVER), o Brasil poderá se tornar um país ainda mais relevante na produção mundial.
Importante recordar que atualmente ocupamos a 8º colocação no ranking mundial e que não se pode falar em mercado automobilístico global sem citar o Brasil. Estamos entre os 10 maiores mercados em emplacamentos e em vendas desde 2003. Somos um polo de produção regional com potencial de exportação para outras regiões se os elementos todos convergirem para este cenário.
Hoje o foco é o atendimento ao mercado interno, mas existe a expectativa de exportar para nossos vizinhos atendendo os países da América do Sul. De forma marginal poderíamos explorar outros mercados. Atualmente nossa indústria com capacidade plena que beira a produção de 5 milhões de unidades, produz pouco mais do que metade disso e exporta cada vez menos. Esta lógica precisa ser revertida para sermos menos dependentes do mercado interno, repleto de crises nos últimos 18 anos… O mercado interno ainda teria sua relevância, mas o foco na exportação daria o fôlego necessário para explorarmos números próximos a 1 milhão de veículos e termos uma produção interna entre 3,5 e 4 milhões de veículos, o que seria um recorde e sustentaria de forma saudável as operações aqui estabelecidas.
Tal convergência, citada mais acima, passa pela diminuição dos interesses específicos em detrimento dos interesses de nossa indústria automobilística. Não pode haver mudanças na regra do jogo ora estabelecida. É ruim para o Brasil! Interesses privados não podem ser superiores ao interesse de uma indústria. A antecipação do aumento das alíquotas atuais de Imposto de Importação (de 18% para elétricos, 20% para híbridos plug-in e 25% para híbridos) para o patamar de 35% é um absurdo! Já foi injustificado a sua reintrodução mas até aceitável devido a passividade da indústria local nos últimos 10 anos em relação a eletrificação. As regras devem ser claras e ‘imexíveis’ como disse certa vez o antigo Ministro do Trabalho, Antônio Rogério Magri.
Recentemente a Anfavea divulgou um texto dizendo que “nenhum país do mundo, com indústria automobilística instalada, tem uma barreira tão baixa para as importações, o que torna o nosso importante mercado um alvo fácil, especialmente para modelos que estão sendo barrados por grandes alíquotas na América do Norte e na Europa. Elas são de 100% nos EUA e Canadá, e podem chegar a 48% na Europa”. Faltou informar que nenhum país fez tão pouco como Brasil.
Este é o tipo de situação que precisa mudar. O Brasil precisa se tornar mais ativo para se tornar um player de maior relevância na indústria global.
MKN
A coluna “Visão estratégica” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.