Na década de 1960 houve uma conversão de Kombis de primeira geração (T1), originalmente com parabrisa bipartido, tipo furgão, para “algo customizado” com decoração própria, teto panorâmico elevado, acomodações melhoradas e janelas bem ampliadas.
Este modelo, chamado VW Auwärter Carlux, é particularmente raro e foi realizado pela Auwärter (Ernst Auwärter Karosserie- und Fahrzeugbau KG), uma empresa de Stuttgart, Alemanha, especialista em carrocerias de ônibus, fundada em 1854 e que existe até hoje. Desde 1953 ela passou a produzir ônibus com estrutura monobloco com a renomada marca Neoplan, que é um acrônimo para Neuzeitliche Omnibus-Planung (planejamento de ônibus de tempos modernos), que hoje em dia é uma das marcas do grupo MAN Truck & Bus AG, uma das empresas do atual Grupo Volkswagen!
Curiosamente, circula na internet uma informação errada creditando a construção destas adaptações em Kombis à firma suíça Beutler (Gebrüder. Beutler & Cie), responsável por carrocerias memoráveis feitas para fabricantes como Austin, Bentley, BMW, Bristol, Bugatti, Citroën, Delahaye, Fiat, Healey, Jaguar, Jowett, Lancia etc. E que também se divertiu fabricando carros e pequenos utilitários com componentes VW e sedãs com componentes mistos VW e Porsche.
A criatividade dos designers de carroceria da Auwärter pode ser vista nestes dois exemplos de ônibus antigos. Atente para os tetos transparentes que eram uma especialidade desta empresa e que, certamente, foi um dos critérios para a sua escolha no caso do VW Auwärter Carlux:
Voltando à surpreendente versão da Kombi, da qual foram convertidas apenas 24 unidades entre 1960 e 1963, ela foi usada por uma cadeia de hotéis suíça como veículo de turismo, especialmente nos Alpes. Estes carros tinham a finalidade de oferecer aos seus oito passageiros mais espaço e, acima de tudo, uma incrível vista panorâmica, incluindo a vista para cima sem ter que abrir um teto solar. Ao contrário do fantástica Kombi de 23 janelas conhecida por Samba Bus, de teto solar de lona que precisava ser aberto, e oito pequenas janelinhas no teto e, portanto, com uma visibilidade menor do que a oferecida pela Carlux (veja no fim da matéria a foto de vários Samba Bus na foto do showroom da restauradora alemã The Bug Box).
Por falar nisto, em 1970 eu fui de Capri na Itália, até Ana Capri, a bordo de uma Kombi Samba, numa estradinha de montanha, com teto aberto, jamais esqueci aquele passeio!
Na Carlux, o teto foi elevado e, portanto, a superfície transparente, em vidro e acrílico fumê, resultou na maior área possível, incluindo o pára-brisa aumentado. O teto elevado também ajudava na movimentação dos passageiros dentro do veículo.
Hoje, ao que tudo indica, restaram apenas três remanescentes do Carlux, o que já é um milagre pela pequena quantidade convertida. Incluindo um, ano 1962, este em condições de uso, estava nas mãos do especialista em Volkswagens antigos alemães, o conhecido Walter Jelinek, proprietário da internacionalmente conhecida The Bug Box, da cidade de Weiden, Alemanha. Ele transformou o carro para “Hot” com suspensão rebaixada, tirou o pára-choque traseiro e os escapamentos de caminhão, instalou um motorzão e rodas especiais, para desespero dos puristas.
Mas quis o destino que houvesse uma reviravolta na história desta raridade. Um cliente da The Bug Box já vinha namorando o carro quando ele ainda pertencia a Walter Jelinek, e estava fortemente descaracterizado. Depois de demoradas e difíceis negociações o carro foi vendido, mas foi uma venda casada com um caríssimo contrato de restauração integral e devolução do carro às suas condições “originais”, ou seja, como saiu da Auwärter.
O serviço de restauração começou no segundo semestre de 2012 e levaria tempo para ficar pronto, pois havia muitas partes fortemente enferrujadas e maltratadas que demandariam um trabalho minucioso e complexo. Até a Auwärter foi consultada e, por sorte, o seu idoso proprietário ainda se lembrava do carro e pôde dar preciosas dicas, em especial sobre a construção do teto, item mais complexo nesta restauração, verdadeiro salto no escuro, pois não havia parâmetros ou catálogos onde se pudesse encontrar detalhes.
Um aspecto interessante foi descoberto durante o trabalho de desmontagem do carro. Por baixo da tinta azul foram encontrados vestígios de tinta vermelha e branca! Será que este carro poderia ser o Auswärter Carlux que aparece em cenas do filme “Ein Herz geht auf Reisen” (Um coração sai de viagem), lançado em 1969, estrelado por Hentje, um cantor-mirim alemão ídolo na década de 60? Esta é uma possibilidade que o pessoal da The Bug Box tentará pesquisar cuidadosamente.
Aí vai o trecho do filme em questão. Apesar da cantoria é possível ver o veículo em ação. Se preferir, baixe o volume e curta a imagem da perspectiva de um passageiro, para depois ver o carro andando pela estrada e depois embarcando em um ferryboat:
Alguns detalhes do minucioso trabalho de reforma deste Carlux demonstram as razões do renome internacional desta oficina de restauração, que no caso mais parece uma refabricação.
Mudando o foco, vamos para a localidade de Kaufdorf no Cantão de Berna, na Suíça, onde carros e motos começaram a ser acumulados em 1933 para serem canibalizados, servindo de fonte de peças. Portanto, havia raridades muito interessantes que foram sendo acumuladas por lá. Este ferro-velho foi desmantelado em 2009, quando alguns carros foram vendidos, portanto salvos da extinção. Os demais foram sucateados por ordem de uma corte suíça com base em danos ambientais, para que o local do ferro-velho retornasse às suas condições originais. Naquela oportunidade havia aproximadamente 1.000 restos de carros e 400 motocicletas, amontoados e já envoltos pelo mato, apodrecendo lentamente. Mas certamente muitos ainda teriam como ser recuperados.
Dentre as raridades adormecidas neste ferro-velho havia um outro Carlux 1961 que ficou 40 anos por lá até ser vendido para um colecionador da Alemanha em 2009 um pouco antes do desmantelamento definitivo deste ferro-velho, e cujo paradeiro era desconhecido, mas recentemente a coisa mudou de figura.
Mas, ao que tudo indica, milagres acontecem e recentemente a The Bug Box foi atrás e conseguiu resgatar este segundo Carlux para ser reformado. E isto será um desafio muitas vezes maior do que o do primeiro que estava em condições de uso ao ser iniciada sua restauração. Como pode ser visto na foto abaixo, a ferrugem caia espontaneamente no chão onde o Carlux II estava parado, tanto que na foto seguinte, já com o que sobrou deste Carlux no elevador, a primeira tarefa foi varrer toda esta ferrugem. Agora é pôr mãos à obra para resgatar da extinção mais esta raridade. Certamente o Carlux I irá servir de parâmetro para o Carlux II e alguns custos serão racionalizados, como a confecção da parte envidraçada. Quanto vai sair? Acho que isto não é uma preocupação importante neste momento.
Como visto, é uma missão impossível ter um outro Carlux em sua coleção, assim a única coisa que resta fazer é comprar uma miniatura de Carlux.
Mas uma coisa está certa para delírio dos puristas: tomando por base a notável qualidade das restaurações da The Bug Box restarão dois VW Auwärter Carlux impecáveis, em estado de novo, que ocuparão o seu lugar na galeria dos e raríssimos e exóticos veículos derivados da Kombi. Mas isto não tem data marcada para se tornar realidade, já que o primeiro Carlux está atualmente como a foto abaixo mostra, com a funilaria pronta, em estado de zero, aguardando a pintura, mas ainda há muita coisa a fazer.
Sem esquecer que o que existe de um Carlux III por aí. Será que este será resgatado também? A The Bug Box está mesmo se especializando neste tipo de conversão de Kombi.
Esta é uma história incrível, daquelas que só o amor pela marca VW e uma polpuda conta bancária pode explicar.
E para não deixar dúvidas sobre a qualidade de restauro da The Bug Box, incluí uma foto de uma série de Samba Buses restaurados por esta empresa. Talvez estejam melhores do que quando saíram da fábrica.
Cada uma pode valer centenas de milhares de dólares, a julgar pelos recentes leilões nos EUA, e são um sonho, talvez intangível, para muitos colecionadores!
AGr
Nota do Autor: este material foi originalmente publicado na minha coluna “Volkswagen World”, do Portal Maxicar (www.maxicar.com.br), e esta publicação ocorre de comum acordo com o meu amigo Fernando Barenco, gestor do MAXICAR, companheiro de muitos anos de trabalho em prol da preservação dos veículos VW históricos e de sua interessante história. O conteúdo foi revisado, ampliado e atualizado. O seu conteúdo é de interesse histórico e representa uma pesquisa bastante aprofundada do assunto. Pesquisas complementares na internet. Ilustrações: pesquisa na internet.
A coluna “Falando de Fusca” é de total responsabilidade do seu autor e não reflete necessariamente a opinião do AUTOentusiastas.