O sisudo inglês nem imagina que milhões de carros rodam em frangalhos pois o governo brasileiro ainda não implantou a inspeção veicular, obrigatória desde 1997
Mr. David Ward esteve em Brasília no mês passado para participar da Conferência Global de Segurança de Trânsito. Ele é secretário geral da GlobalNCAP, entidade inglesa ligada à FIA e outras organizações internacionais ligadas ao automóvel e fez inflamada exposição sobre a necessidade de se adotar dispositivos de segurança e testes de impacto (crash-tests) para a redução dos acidentes de trânsito e de suas conseqüências. Sugeriu também que se torne obrigatório nos nossos automóveis o sistema de controle eletrônico de estabilidade (ESC). Um importante dispositivo de segurança que evita derrapagens laterais do automóvel em curvas ou provocadas por golpe no volante para se desviar de um obstáculo. E que resultam, em geral, em graves acidentes. O ESC já é obrigatório nos EUA, na Europa e em muitos outros países. Será exigido na Argentina a partir de 2018. O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) afirmou que já estuda adotar sua obrigatoriedade, o que viria, sem dúvida, a reduzir o número de acidentes rodoviários no Brasil.
Mr. Ward deve ter voltado para Londres encantado com a boa receptividade de seu programa em Brasília, pois duvido que alguma autoridade local tenha traduzido para o inglês a omissão e a leniência do governo brasileiro em relação à segurança veicular. Que no Brasil só se faz o mais fácil: publicar no Diário Oficial a legislação que torna obrigatório um carro deixar a linha de montagem com determinado equipamento. E, quanto maior o faturamento proporcionado pela lei, mais “fácil” sua adoção pelo governo ou pelo Congresso.
Mas a porca torce o rabo (como se traduz isto para o inglês?) depois que o automóvel deixa a fábrica e cai na realidade brasileira, muito mais para Bangladesh que para a Inglaterra. Mr. Ward nem imagina que a inspeção veicular, obrigatória há décadas no Primeiro Mundo, apenas consta do nosso código de trânsito, em vigor desde 1997. Mas, como o governo federal ainda não teve disposição nem competência para implantá-la, milhões de automóveis rodam em frangalhos e poluindo ruas e estradas. Ainda bem que Mr. Ward não entendeu o significado de “Borracharia”, pois já não se reparam mais pneus na maioria dos países europeus. Imagina o susto do sisudo inglês se souber que oficinas recuperam, livre e impunemente, rodas de liga leve seriamente danificadas num acidente. E que voltam a rodar mesmo com fissuras e trincas internas imperceptíveis a olho nu. Que muitas seguradoras não autorizam a troca dos cintos de segurança mesmo que o automóvel tenha sido submetido a um grave impacto…
No Primeiro Mundo, não se vende nem mesmo um parafuso que não tenha sido submetido a testes de homologação. No Brasil, o Inmetro, encarregado de padronizar e qualificar componentes do mercado paralelo, leva anos para certificar produtos essenciais para a segurança veicular. E tome fluido de freio produzido em fundo de quintal, roda de alumínio produzida com pinico e caçarola derretidas, amortecedor “recondicionado” e toda a sorte de maracutaias. Pneus remoldados foram homologados sem a exigência de conservarem suas características originais na banda lateral, como na Europa.
Alguém deve ter contado para Mr. Ward que cadeirinhas são obrigatórias no Brasil desde 2010. Mas não contou que por enquanto são exigidas apenas nos automóveis particulares, pois faltou competência ao governo para regulamentar seu uso nos taxis, vans e ônibus.
E, será que alguém mostrou ao inglês uma foto da digníssima sra. Presidente da República num veículo oficial, sem cinto e carregando o neto no colo?
BF