No dia seguinte ao lamentável e brutal incêndio no prédio da Estação da Luz, no centro de São Paulo, que abriga o Museu da Língua Portuguesa, e em seguida a tudo que se falou sobre a sua destruição, meu sobrinho Ronald Sharp Jr., advogado, 50 anos, residente no Rio, me mandou link de seu blog, no qual ele comenta uma questão que eu desconhecia, e acredito que o leitor do AE também, relativa a um detalhe do acervo do museu. Veja o que ele diz no blog:
“Entristeceu-me o incêndio de ontem do Museu da Língua Portuguesa, na capital paulista, porém lamentei ainda mais intensamente a morte de um bombeiro civil (brigadista) na ação de combate ao infortúnio. Segundo o anunciado, o acervo do museu é totalmente digital e é fácil recuperá-lo.
Visitei o museu há uns 2 anos e me chamou a atenção a excessiva ênfase às influências africanas e indígenas na abordagem do nosso idioma, indicando inclusive a localização geográfica das respectivas tribos.
Sou longe de ser um filólogo, mas as referidas influências, tão fortemente enaltecidas, limitam-se a formação de palavras (mesmo que sejam muitas) e não dizem respeito à origem, formação e estrutura da língua, que não é apenas aquela falada no Brasil.
Sinceramente, o Museu da Língua Portuguesa deveria ser rebatizado para Museu da Língua Portuguesa do Brasil, uma vez que o nosso belo idioma, talvez a maior herança dos nossos colonizadores portugueses, deita raízes muito mais profundas no latim e no grego. Os irmãos portugueses certamente não conhecerão um sem-número de palavras que aparecem do museu sinistrado, porque não dizem respeito à língua como um todo, mas a particularidades da cultura brasileira.
Lembro-me de que, em minha época de colégio, memorizei radicais gregos e latinos, prefixos e sufixos, e isto me ajudou muito na escola (inclusive nas aulas de biologia) e continua me auxiliando até hoje diante de vocábulos cujo significado desconheço.
Desejo que a reconstrução do Museu da Língua Portuguesa seja breve, mas que ele possa enfim resgatar a verdadeira essência latina e grega do idioma naquilo que é relevante para a sua estrutura e base para a formação de novas palavras, sem a demasiada ênfase às contribuições de tribos indígenas e africanas (parece que isto passou a ser politicamente correto e é tempo de abrandar esse aspecto).
A alternativa seria alterar o nome do museu para Museu da Língua Portuguesa do Brasil. Aí, sim, poderíamos compreender melhor o seu acervo.”
Após ler e por concordar totalmente com ele, mandei-lhe imediatamente mensagem de cumprimento. Em resposta, disse:
“Tio Bob,
Que bom que tenha gostado.
Quando eu fui conhecer o Museu, queria saber as fontes mais antigas do idioma (latim culto e vulgar), etimologia, os diversos sotaques, o porquê falamos (e até escrevemos) diferente dos portugueses, como era o português na época do descobrimento, o porquê de o idioma falado no Maranhão é o mais correto, porque usamos gerúndio e os portugueses, não (apesar de os Lusíadas terem gerúndio em todas as suas estrofes), onde estão as diferenças entre o italiano, o francês e o castelhano e, até, o romeno, de onde vieram as derivações, palavras usadas em Portugal e não aqui, curiosidades entre as diversas formas de falar no Brasil e no exterior, qual a razão de a maioria das palavras de origem grega terem sofrido menos alterações que as de origem latina, a explicação de os paulistas pronunciarem a letra “f” como “fê” e os portugueses a letra “g” como “gue”, os diferentes estilos literários, a razão pela qual recentemente fui reincluído o K, W e Y no alfabeto.
Não me lembro de ter visto isto. Fiquei muito decepcionado na época.
Um abração, tio Bob”
Disse-me meu sobrinho ter informado ao jornalista Ricardo Boechat sobre a publicação no blog, com o link. O jornalista prontamente respondeu:
“Caro Ronald,
Todas as quintas-feiras, no programa que ancoro na BandNews FM do Rio, compartilho por 15 ou 20 minutos da coluna “Sem Papas na Língua”, apresentada pelo professor Deonísio da Silva. Autor de vários livros consagrados sobre a origem das palavras e expressões, ele é, ademais, um excelente expositor, que encanta com suas aulas radiofônicas crescentes legiões de ouvintes.
Vou provocá-lo, talvez já amanhã, a comentar sua postagem sobre o Museu da Língua Portuguesa, com as pertinentes provocações suscitadas.
Agradeço a mensagem que me enviou.
Forte abraço,
Boechat
P/S A transmissão de “Sem Papas na Língua” costuma começar entre 10h20 e 10h30. Abs”
No programa levado ao ar no dia 24, o Prof. Deonísio concordou integralmente com as ponderações do meu sobrinho e, inclusive, informou haver entre 800 mil e 1 milhão de vocábulos na língua portuguesa, dos quais aqueles de origem africana e indígena mal chegam a 10 mil. Acrescentou ser membro da Sociedade Brasileira de Filologia e que esta, estranhamente, não foi ouvida quando da organização do museu.
Bom trabalho, meu sobrinho!
BS