Não é de hoje que se sabe de atropelamentos e acidentes nos acostamentos das estradas, mas ultimamente o número de casos parece estar aumentando. No dia 25 do mês passado perdemos o atleta e ciclista Cláudio Clarindo, que seguia pela rodovia Rio-Santos, próximo daquela cidade litorânea paulista, e foi atingido por um carro quando pedalava no acostamento. Há poucos dias, em Itatiba, interior de São Paulo, a câmera da rodovia flagrou o momento em que carro vai para o acostamento e colhe um ciclista, ferindo-o gravemente e vindo a falecer dois dias depois.
Atropelamentos nos acostamentos também ocorrem com frequência. Cerca de dos meses atrás um motorista estava ao lado do seu carro parado no acostamento da rodovia dos Baneirantes e foi atropelado e morto.
Mas, o que é acostamento? O Código de Trânsito Brasileiro o define como:
“ACOSTAMENTO – parte da via diferenciada da pista de rolamento destinada à parada ou estacionamento de veículos, em caso de emergência, e à circulação de pedestres e bicicletas, quando não houver local apropriado para esse fim.”
Como se vê, caminhar e andar de bicicleta no acostamento é perfeitamente legal. Mas vem pergunta inevitável: é correto do ponto de vista de segurança? Não é. Ou não haveria tantos casos como os citados.
Acostamentos são zonas de perigo. Mesmo nas rodovias onde o limite de velocidade é baixo, como a SP-088 Pedro Eroles, que liga a rodovia Ayrton Senna a Mogi das Cruzes, 80 km/h (um desaforo, diga-se, mas esse é outro assunto), uma invasão do acostamento por qualquer motivo, e sendo atingido um pedestre ou ciclista, as consequências são invariavelmente trágicas.
É patente a falta da noção do perigo que é estar no acostamento. É comum, por exemplo, ver-se carros e pessoas ali como ponto de encontro quando resolvem empreender uma viagem juntos, em comboio. Falta de noção de perigo também por parte de quem cuida do trânsito, como visto na definição de acostamento pelo CTB. Aliás, dá para perceber nela que o legislador definiu-o corretamente na primeira frase, mas posteriormente o período aumentou coma a adição, precedida de vírgula, de e à circulação de pedestres e bicicletas, quando não houver local apropriado para esse fim.
É como se na discussão do projeto de lei que instituiria o CTB alguém pensasse “Ih, mas como é que as pessoas que precisam ir à pé ou de bicicleta pela estrada vão fazer, se não dizer que pode?”
A questão toda é complexa. As pessoas têm o direito de se deslocar a pé ou de bicicleta, isso é inquestionável. Mas diante do risco, também inquestionável, de fazê-lo adjacente a uma pista de rodovia, cabe ao poder público tomar medidas para proteger essas pessoas. Como reduzir a velocidade do tráfego de veículos automotores à de uma bicicleta usada normalmente — 15, 20 km/h? — é inviável, é hora de se começar a pensar em ciclovias protegidas por defensas metálicas e que se destinariam ao tráfego compartilhado de ciclistas e pedestres, por exemplo.
Complicado, custoso? Sem a menor dúvida que é, mas não impossível. Exemplo disso está no Rio de Janeiro, onde foi construída uma ciclovia ao longo da av. Niemeyer, entre a pista de rolamento e o mar, obra que certamente barata não foi.
É claro que neste caso a construção da ciclovia não esbarrou no problema de haver saída à direta, pois ali é o mar. Mas pode-se pensar numa solução semelhante para as rodovias.
O fato é que estamos assistindo impassíveis perdas inadmissíveis de vidas humanas.
Em meio a essa questão de natureza meramente física, a de espaço, há outra que passa batido nos noticiários, a famosa e famigerada “perde de controle do veículo”, raramente investigada. Se feita, tanto pela imprensa quanto pelas autoridades de trânsito, a resposta se fundamentaria em dois pontos principais: a aptidão do motorista e o estado mecânico do veículo, focando também no estado e geometria da pista. Vamos por partes.
O brasileiro está dirigindo cada vez pior. Está emburrecendo, e o principal motor desse emburrecimento, que o está levando a perder a capacidade de discernimento das condições em que dirige, se deve ou não reduzir velocidade, é o dejeto vário chamado lombada. Está dirigindo pior também porque acha que automóvel é esconderijo, manda colocar sacos de lixo nos vidros (ou não se opõe que concessionários inescrupulosos o façam) e o resultado é a perda da imprescindível visibilidade mínima para dirigir. Além do estar dirigindo mal resultado dos fatores acima, a formação de condutores destina-se a fazer o candidato à carteira de habilitação a passar no exame, não torna-lo um Motorista (com “M” maiúsculo intencionalmente).
Na parte do veículo em si, por mais que se diga que a inspeção veicular obrigatória seja discriminatória, pois os pobres não têm recursos para manter o veículo em ordem, o tato é que todo veículo tem de funcionar conforme previsto pelo fabricante, é o mínimo que se pode esperar em termos de segurança veicular. Esse conceito independe de idade ou aspecto externo do veículo.
Esse é outro assunto complexo, no qual políticos de carreira não põem a mão com medo de perder votos e não se reelegerem, perdendo a “boqujinha”.
O terceiro ponto é justamente a via, que envolve traçado, estado de conservação e sinalização, do que não é preciso falar muito, pois somos testemunhas do descaso em grande parte dos casos. É mato cobrindo placas, pavimentação deteriorada, buracos, sem contar o terrorismo dos radares e detectores de velocidade, essas “caixas registradoras” dos três níveis de administração associadas a limites de velocidade que são verdadeiras arapucas e tiram cada vez mais o foco do motorista da estrada.
O assunto trânsito brasileiro, dada sua complexidade, requer um mutirão legislativo, mas encabeçado por quem realmente entenda do assunto, para que o Brasil se aproxime o mais possível do Primeiro Mundo em assuntos de trânsito e tanta gente pare de morrer estupidamente.
BS