Jornalista é apaixonado por frases. E jornalista especializado em automóveis também adora frases… sobre carros. Às vezes, na monotonia de uma entrevista coletiva, alguém comete uma frase genial, as vezes sem querer… É só olhar para a plateia. Há um sorriso coletivo (desculpem o trocadalho) e uma corrida para anotar, ou teclar, aquela bela frase que pulou no seu ouvido. Melhor acrescentar que hoje, com executivos que têm horas de media training, aquele treinamento para não falar bobagens, uma frase genial fica mais evidente ainda.
Diferente de uma palestra que assisti de Carroll Shelby, lendário preparador principalmente pela criação do Cobra e inúmeras versões apimentadas do Ford Mustang, entre centenas de projetos geniais sobre rodas. Tanto que os Mustang continuam com sua assinatura mesmo após sua morte em 2012. Shelby abriu o Sema Show de 2006, em Las Vegas (EUA) e encontrou uma enorme plateia absolutamente silenciosa, absorvida pelo seu profundo conhecimento e amor pelos carros esportivos, além do seu bom humor.
Entre dezenas de depoimentos geniais, guardei uma frase em especial, quando Shelby falava dos primeiros hot rods feitos logo após a Segunda Guerra Mundial, ainda na década de 1940:
“Claro que não tinha filtro de ar. A gente só colocava umas telinhas nos carburadores para o motor não engolir pedras quando acelerávamos no deserto”.
Neste mesmo Sema, encontrei Shelby sentado sozinho em uma mesa em um cassino que dava passagem para a exposição. Perguntei se podia me sentar com ele. Ele sorriu e me indicou uma cadeira. Era um senhor bem idoso (com 83 anos, já que faleceu com 89) e que exibia o cansaço não só da idade, mas também de décadas de vida com um coração transplantado. Começou falando devagar, olhos baixos.
Quando disse que era jornalista, ele perguntou se queria uma entrevista.
Eu disse que não, queria apenas aproveitar a oportunidade para conversar com ele e poder dizer que conheci pessoalmente Carroll Shelby. Ele sorriu e perguntou se eu gostava de carros e motores e, claro, achamos o ponto em comum. A conversa evoluiu rapidamente e sua expressão cansada e o coração “emprestado” desapareceram. Parecia um garoto de 20 anos quando falava de carros e motores que, para ele, só existiam se tivessem oito cilindros em V. Lembro bem de seus olhos brilhando quando falava dos “anos dourados” quando caçava peças em ferro-velho, para fazer carros malucos para correr no deserto. Eram carrocerias antigas com os maiores motores possíveis, cheios de preparação, o nascimento dos hot rods e de Shelby como preparador. Tropecei em algumas expressões do inglês que Shelby usava, ainda mais que, animado, deixava seu sotaque texano mais evidente.
E eu, que pouco ligo para celebridades em geral, fui dormir quase em estado de graça, pois tinha conhecido, e conversado, com Carroll Shelby ao vivo e a cores. Aliás, ídolos e celebridades são coisas completamente distintas. Por acaso, Shelby foi os dois, ídolo e célebre.
Mais que nunca, outras duas frases fizeram ainda mais sentido na minha cabeça:
“Não há substituto para polegadas cúbicas” (There is no substitute for cubic inches) e “Quem gosta de motorzinho é dentista”.
Para quem ainda não está inteirado, a unidade de cilindrada de motores nos países de língua inglesa é a polegada cúbica, que se abrevia cu. in. ou, mais modernamente, in³. Mas também se usa o litro por lá, liter ou, na famosa Ilha no outro lado do Atlântico, litre.
Esta última frase até virou adesivo para colocar no vidro traseiro ou para-choque.
Mesmo hoje, quando o downsizing começa a apresentar motorzinhos geniais, que fazem o diabo com uma cilindrada de cortador de grama (e o VW up! TSI é o melhor exemplo por aqui), quando escuto o ronco de um V-8 lembro de Shelby. Ainda mais quando este barulho compassado de puro torque ecoa pelos barrancos em uma subida de serra, de preferência rasgando a madrugada.
Os hots e todas estas criações de pura paixão sobre rodas eram seguros? Claro que esta é uma pergunta evidente nestes tempos chatos do politicamente correto. Óbvio que não eram e não são seguros. O velho método de tentativa e erro dos projetos muitas vezes produz muito mais erros do que acertos e vários carros não param na pista, tem “vontade própria”. E aí me vem outra frase, que faz a meta da Volvo de “zero morte” em veículos da marca parecer apenas um delírio marqueteiro:
“Seguro é um tanque Sherman rodando em um aeroporto abandonado, a 30 km/h, com seis batedores de moto acompanhando. E mesmo assim existe risco de acidente”.
Mas afinal, por que resolvi pescar algumas frases da minha memória e compartilhar com vocês?
Porque recentemente encontrei Fernando Campos, um velho amigo jornalista luso-goiano (mais goiano do que luso) que é um ótimo criador de frases.
Era posse do Antônio Megale, da VW, como novo presidente da Anfavea. Fernando espera que Megale viva melhores tempos na entidade (e nós também) e explicou a razão:
“Cara, estou de saco cheio de dar notícia ruim”.
Aliás, Fernando é criador de outra de minhas frases favoritas. Quando ele recebeu uma matéria sobre um novo carro, de outro amigo jornalista, ele se espantou com a trapalhada do texto, que não fazia o menor sentido. Não teve dúvidas, mandou o recado para o “coleguinha”:
“Da próxima vez nem precisa escrever a matéria. Manda as letrinhas que eu mesmo misturo”.
Para encerrar, nada melhor que uma frase roubada, desta vez do amigo e também jornalista Caio Moraes. Ele fazia o test drive de um caminhão grande, um superpesado. Ao seu lado, um piloto da fábrica, sempre a postos para evitar besteiras com tantas toneladas a bordo. O caminhão rodava suave na pista plana e começou um pequeno aclive.
Caio já esticou o braço para engatar uma marcha, quando o piloto/acompanhante segurou sua mão.
“Não dá marcha p’ra ele não. Motor diesel gosta de sofrer. Deixa ele chorar mais um pouco.”
JS