A matéria de ontem do Bob Sharp sobre sua viagem pela Via Dutra com um Porsche 911 Carrera RS me fez lembrar da notícia de algum tempo atrás, que mostrava já existirem em experiência um sistema de câmeras para medir a velocidade média em trechos de estradas.
A notícia de cerca de três anos atrás falava sobre instalação em caráter experimental, de câmeras para medição de velocidade média em trechos de estradas do interior paulista, se não me falha a memória na rodovia SP75 Santos-Dumont, nas proximidades de Indaiatuba e Salto. São Paulo é o estado da federação onde circula mais dinheiro, e o lugar onde as piores novidades no que tangem as restrições de uma circulação livre e eficiente são sempre o primeiro lugar a serem implementadas, depois se espalhando para outros estados, quando se confirma o aumento da arrecadação com multas.
Mas esse sistema de medição de velocidade entre dois pontos num trecho não é contemplado pelo Código de Trânsito Brasileiro e tampouco pelo Contran; consta que se encontra em estudos.
Infelizmente, a realidade desses sistemas já existe em lugares teoricamente mais evoluídos do que o Brasil, um deles a Austrália. No Reino Unido é famosa a rodovia A9 na Escócia, a primeira a ter um grande trecho de 99 milhas (159 km) entre as cidades de Inverness e Perth vigiado por 27 câmeras atuando em ambos sentidos.
Se o leitor ainda não sabe o que são as câmeras de velocidade média, entenda que para poder andar acima do limite das placas por um trecho, é necessário andar abaixo dele em outro, e isso entre duas câmeras. Se o motorista for detectado acima da velocidade permitida em apenas um trecho dos vários que há nessa estrada, mas andar bem devagar em todos os outros, será autuado mesmo assim.
A autoridade de transporte escocesa mostra com dados numéricos que os acidentes sérios diminuíram 59%, os leves 40%, as mortes 25%, o número de pessoas feridas caiu 55% e que 70% dos usuários se sentem mais seguros agora em 2016, comparado a 2012, quando as ASC foram instaladas — isso me lembra as “estatísticas da CET”… Óbvio, andando mais devagar, as batidas são menos contundentes. Se andarmos apenas a pé e dentro de casa, não sofreremos acidentes de trânsito. O homem pré-histórico já sabia disso. Se ele não saísse da caverna, não levaria um coice do mamute.
ASC significa Average Speed Cameras (câmeras de velocidade média) e constituem, em minha opinião, no maior prejuízo à capacidade do motorista em se aprimorar à direção, usando o tão valioso bom senso para percorrer caminhos em velocidades compatíveis com as condições de piso, visibilidade, clima e quantidade de veículos ao redor.
Uma análise desse tipo de equipamento está na edição de agosto/setembro da revista britânica Traffic Technology International, de onde tirei os números acima, publicação que trata de metodologias e equipamentos para controle de trânsito, cuja assinatura é gratuita em traffictechnologytoday.com, e que leio regularmente, de forma a entender que a restrição à liberdade sobre rodas é um fenômeno quase mundial, liderado por poderes contrários ao cidadão de bom-senso.
E por que digo cidadão de bom-senso e não todos os cidadãos?
Porque todos nós sabemos quem são nossos conhecidos que abusam de velocidade em locais inapropriados, às vezes sendo nós mesmos, no meu caso em um passado não muito distante. Hoje sou veladamente conhecido pelos amigos como um moralista, pois não apoio andar de pé no fundo todo tempo, algo que considero de grande falta de responsabilidade adulta. Mas também não concordo e abomino os limites idiotamente baixos e aqueles que acham que está bom assim, esses dotados de uma falta de inteligência, bom senso e um mínimo de coerência, ou apenas com preguiça de pensar que a violência e atraso de vida que é andar muito devagar. Pior é que essa maioria acredita que pode ficar na esquerda a 50 km/h, só porque esse é o limite. Esses não sabem nada sobre trânsito, e melhor não me estender nisso, pois nossos leitores não são esse caso.
O que eu sempre defendi foi andar na maior velocidade possível, com a maior margem de segurança admissível. E isso não é um número, é uma conjugação de fatores que muda a cada metro percorrido em uma via qualquer, e depende de tudo que está ao redor.
Como não dá para separar o joio do trigo, as autoridades estabelecem limites sempre baixíssimos em qualquer via, para garantir que seja reduzido ao máximo a chance de acidentes. Mas, por outro lado, há a “vantagem” de muitas multas virem a ser emitidas e que o faturamento com elas será muito alto, pelo fato dos limites serem velocidades irreais e antinaturais. Elas capam a velocidade de fluxo natural, aquela em que nos sentimos bem e tranquilos ao dirigir.
O resultado é uma tensão constante em não ultrapassar o limite, e seja pela atuação do motorista, ou por dispositivos como controlador de velocidade de cruzeiro ou alarme de limite de velocidade que alguns carros possuem, se anda mais devagar do que o necessário, numa autêntica “febre do pé no freio”.
Como nem todo país nivela por baixo seus motoristas, existe a Alemanha para provar que se pode andar de forma fluida sem causar tragédias a todo momento.
Na Alemanha
Estive recentemente na terra dos Porsches, Audis, BMWs e Mercedes pela primeira vez, e claro, dirigi em autoestradas (Autobahnen), famosas pelas ausências de limite de velocidade. Entre Frankfurt e Colônia ida e volta, e depois indo por locais ao redor de Colônia, e até Dusseldorf, pude viver por alguns dias uma realidade completamente diferente do Brasil.
Primeiro de tudo, a ausência de limites não é total. Na verdade são trechos não muito longos onde se pode acelerar tudo que o trânsito permitir. Por não ser um país com área gigantesca como o Brasil, há muitas cidades pequenas e vilarejos próximos, e entradas e saídas da estrada são comuns, mas não em grande quantidade. Logo, são locais de maior movimento concentrado, e neles há limites, às vezes baixos, de 80 ou 90 km/h. Se houver muitas curvas, também há limites.
O que se nota, porém, é que prevalece um bom-senso geral, que permite andar acima do que as placas indicam sempre que possível, e todo mundo faz isso, por entender como dirigir bem, e praticar a habilidade ao volante. E esse “acima” é algumas vezes de fazer sorrir um brasileiro que por lá dirige pela primeira vez. Uma placa de 120 km/h não faz quem vem a 140 frear de repente, desde que haja espaço e visibilidade. O pé fica no acelerador, mas certamente a atenção do motorista é ampliada. E, claro, não há uma câmera ou radar logo após a placa, já que isso é um desrespeito ao cidadão.
Pelo que pude perceber, o fator mais importante para andar rápido para os alemães é a disciplina de faixas ser algo rígido, uma prática simples mas que requer cérebro e ausência de ímpetos animalescos. Caminhões andam na direita, e só saem de lá para ultrapassar se houver espaço para ele na faixa ao lado sem atrapalhar quem vem mais rápido. O mesmo acontece com qualquer outro veículo. Não se procura uma brecha para sair de trás de um carro mais lento se atirando na frente de um mais rápido. Se espera haver espaço suficiente para ir para a esquerda sem fazer ninguém frear, sem impor macheza ou arrogância. O motorista alemão entende que o trânsito é um ente grupal, coletivo, e só funciona bem dessa forma, não um lugar para demonstração de personalidade (ou desvios dela).
E como perfeito apenas Deus, claro que há erros de vez em quando, distrações ou falta de habilidade que podem causar problemas. Como isso é humano e natural, há um reforço nos limites em locais mais arriscados, como próximo de túneis e pontes, ou cidades de grande movimento de veículos. Uma placa grande com um triângulo de advertência com um ponto de exclamação dentro e outra placa junto desta com a palavra “Radar” está em alguns lugares, para ficar evidente que o hábito de andar acima da velocidade estipulada por lei é proibido naquele lugar. Eu não vi muitos, não mais de meia dúzia em cerca de 600 quilômetros de estrada por onde dirigi, mas tenho certeza que devem arrecadar bem pouco com multas.
Nas cidades, regras de bom senso também. Ruas muito estreitas e com grande circulação de pedestres têm limite de 30 km/h, porque realmente é necessário. Em muitas delas se pode estacionar com duas rodas na calçada, desde que sobre espaço para o pedestre. E não é necessário estacionar na mão, há carros parados na contramão mesmo, já que ninguém sai de uma vaga sem olhar, alucinadamente.
Onde há mais largura de via, 50 ou 60 km/h, tudo dependendo de análise séria, pois não se percebe velocidades antinaturais, e ninguém anda abaixo do limite se houver espaço. Algumas vezes, procurando por endereços ou acomodando o carro para as faixas para ir em frente ou virar à direita ou esquerda, eu andava mais devagar que o limite, e era imediatamente ultrapassado por muita gente. Em todo lugar há sinalização para organizar o trânsito por faixas, de acordo com o trajeto.
Há também os bondes, mas com vários vagões, como se fosse um trem de superfície. Eles andam em meio aos carros, pelo centro da via, e tem trechos segregados ou exclusivos. Mas em ruas mais estreitas, dividem espaço com os carros e motos, sem problema. A organização é tão boa que há até mesmo conversões à esquerda para eles e os carros, tudo tranquilo e comandado por semáforos para cada um.
Estacionar sobre as calçadas é bem normal, mas apenas onde permitido, não em qualquer lugar, e não atrapalhando pedestres e bicicletas, que existem aos montes e andam em faixas normalmente sobre as calçadas, delimitadas por linhas tracejadas ou, onde mais movimentado, piso pintado de vermelho. Isso tudo dividindo espaço com pessoas. As bicicletas só descem das calçadas onde não há mesmo espaço para elas e os pedestres. Nos cruzamentos, semáforo para carros, pedestres e bicicletas.
Sim, os ciclistas precisam esperar a luz verde para atravessar a via dos carros, sem a palhaçada paulistana geral onde ciclista só tem direitos. Também não há locais de estacionamento de carros “roubados” por faixas para bicicleta. Para ajudar a vida, os canteiros são nivelados com o leito carroçável, para que pedestres e ciclistas não precisem subir e descer dessas ilhas. Este é outra ótima solução, que ajuda muito a quem tem dificuldades de locomoção. Todas as esquinas tem guias rebaixadas e ângulo suave, para ajudar os cadeirantes e pedestres.
E rodízio? O quê??? Nem pensar.
Há uma placa azul com seta branca que está em todos os pontos em que o motorista tem um obstáculo como uma ilha ou canteiro de avenida. Instalada sempre bem próxima do solo numa posição mais visível que o normal das placas em postes na calçada, ela ajuda a enxergar rapidamente onde colocar o carro em uma situação mais difícil como uma conversão à esquerda em ruas de mão dupla, e evita alguém que não conhece o local entrar numa contramão, placa que também existe, na altura normal que conhecemos no Brasil. Aí está uma solução que deveria ser copiada por aqui.
Em toda distância que rodei, não vi um único buraco nas vias. Há remendos e algumas ondulações em ruas de muito movimento, mas nada absurdo, de chacoalhar os ocupantes de forma violenta como aqui, e sempre muito pequenos, nada de quarteirões inteiros remendados.
Valetas, nada. Esse absurdo para escoar água é exclusividade brasileira, e inútil em sua essência. Lombadas não existem, o obstáculo mais próximo é um cruzamento elevado, um pequeno platô, aplicado apenas em ruas pequenas e estreitas. Você vem dirigindo, vê a placa, sobe suavemente em um piso um palmo mais alto, percorre o cruzamento e desce do outro lado, sem trancos, sustos ou pancadas.
Nas estradas, tudo liso e com sinalização perfeita, sem pegadinhas, e sem falta de sinalização horizontal. Um paraíso, certamente.
Para todos os políticos e autoridades de trânsito desse Brasil tão amado, eu sugiro visitar e aprender como se faz, e gostaria muito de acompanhar nosso prefeito-eleito João Dória Jr. a uma visita à Alemanha, para entender na prática como se faz uma cidade melhor para todos no assunto mobilidade.
Vamos até lá, Dória?
JJ