Desta vez um causo sobre uma “Velha Senhora” desafiando a Lei da Gravidade certamente vai intrigar nossos caros leitores. Este é mais um causo do em amigo Tito, aliás, José Carlos Carlini Pereira, que já tem vários causos apresentados nesta coluna.
UMA KOMBI EM TRÊS RODAS
Por Tito Carlini
Nosso querido e saudoso irmão Luiz Fernando Carlini Pereira, engenheiro agrônomo e servidor público do estado de São Paulo, quando funcionário do antigo Dema – Departamento Estadual de Máquinas Agrícolas, na cidade de Franca, órgão hoje extinto e ligado à Casa da Agricultura do estado, narrava um caso inusitado ocorrido na década de sessenta do século passado (quem diria!) com uma Kombi daquela Secretaria e proporcionado por um velho e experiente mecânico-chefe de sua equipe.
Dizia ele — o mecânico, que infelizmente não guardei o nome — certa vez, quando voltava numa das visitas de rotina a uma das propriedades agrícolas da região, viajando já ao anoitecer por estrada vicinal de terra, foi surpreendido com o furo de um dos pneus traseiros da perua e, para seu desgosto, ao retirar o estepe que ficava alojado na parede divisória entre o banco dianteiro e o salão, verificou que o mesmo estava vazio também, por puro desleixo do Genivaldo, seu mecânico auxiliar, o outro motorista da Kombi, que esquecera de mandar consertar o pneu-reserva.
Sozinho e cansado naquele lugar ermo, longe da civilização, sem alternativa, depois de prestar respeitosa mas impronunciável homenagem à senhora progenitora do seu auxiliar negligente, o experiente mecânico, profundo conhecedor das características de suspensão da sua Kombi, não se apertou, tirou a roda dianteira do lado do acompanhante e passou-a para a traseira no lugar da que estava com o pneu furado.
Como os amantes da Kombi sabem, esse veículo que tantos serviços prestou ao Brasil, projetado na Alemanha do pós-guerra nos finais da década de quarenta, tinha como particularidade a carroceria montada sobre plataforma de aço formando um conjunto monobloco rígido, bem diferente do conceito do carro americano da época, montado sobre chassi convencional — até o Fusca tinha esse tipo de construção.
Essa característica peculiar e inovadora, aliada ao sistema de suspensão independente nas quatro rodas por barra de torção em vez dos tradicionais feixes de molas, propiciava um conjunto mecânico extremamente leve e robusto, porém não sendo muito compatível com as irregularidades das nossas estradas de terra da época, cheias de “costelas de vaca” e erosões.
Quem dirigiu Kombi — como eu, por muito tempo — sabe que ela “pulava que nem cabrito” e muitas vezes ao passar por um desnível, uma das rodas traseiras ficava suspensa, perdendo momentaneamente a tração e pregando um enorme susto no motorista desavisado, isso quando não parava de vez, quando o desnível era muito grande, com a roda dianteira num buraco, por exemplo.
Pois bem, voltando ao nosso “causo”, a seguir o diligente mecânico cuidou de remanejar o máximo de carga para trás e para o lado esquerdo do veículo, colocando tudo o que era material, inclusive a roda com pneu furado e o inservível estepe, mais o macaco e ferramentas que ficavam sob o banco dianteiro, no compartimento de bagagem sobre o motor. O chofer (é, naquele tempo ainda se falava chofer…) viu que seu raciocínio estava certo, o tambor de freio dianteiro direito não estava mais tocando solo, embora estivesse perto.
Para garantir, soltou o banco do meio (operação fácil na Kombi, é tirar quatro porcas-borboleta) e o colocou emborcado sobre o banco traseiro. O tambor de freio ficou um pouco mais distante do chão. Sabido como ele só e vendo que tudo consistia em equilibrar forças, abriu a tampa do motor, que na horizontal ajudaria mais na composição de forças contrárias ao peso na dianteira do que se estivesse fechada.
Mas tinha o peso dele, o chofer, como ficaria o equilíbrio? Com cuidado sentou-se ao volante, mas em vez de se posicionar corretamente no banco, grudou-se com tudo à porta, ocupando o amplo espaço que havia na Kombi entre banco e porta. Sentiu que o equilíbrio não foi tão alterado. E pôs a Kombi em marcha, completando o percurso até ao Dema com a heroica Kombi cambeta andando (quase) normalmente com apenas três rodas.
Só não conseguiu foi alcançar o cretino do Genivaldo, esse pulando e correndo também como cabrito, porém com suas duas pernas…
AG