Essa matéria nasceu por acaso. Não estava no programa, como se diz. Sua semente foi a publicada ontem sobre limite de velocidade ser mesmo necessário, que gerou um número expressivo de comentários e, ao responder ao leitor “Fat Jack” vi que a resposta ficaria longa demais. Resolvi, então, escrever uma matéria a respeito.
O título não é exagero, é correto. O inimigo são as autoridades de trânsito que estão fazendo o possível e o impossível para arrecadar, avançando sobre o bolso do cidadão, num autêntico desrespeito a quem lhes paga o salário com nossos impostos.
Mas não que sejam “inimigos” na acepção da palavra, pelo contrário, mas o são porque as velocidades regulamentadas no Brasil são, em regra, baixas demais. Muitas são verdadeiras armadilhas.
Vou tentar ser o mais claro possível, pois o assunto é relativamente complexo.
A autuação por excesso de velocidade tem regras bem definidas no Art. 218 do Código de Trânsito Brasileiro em vigor desde 23 de setembro de 1997. Essas regras separam as vias em duas classes: rodovias, vias de trânsito rápido e vias arteriais. Estão são as avenidas que interligam bairros e não são identificadas como tal, uma falha do código. É um direito saber o tipo de via utilizada.
A outra classe de vias é a que compreende todas as que não enquadram na classe acima.
Para a primeira classe citada o Art. 218 dizia que quando a velocidade fosse excedida em até 20% era infração grave, que debita 5 pontos na carteira de habilitação e gera multa de R$ 127,69 [a partir de 1.11.2016: R$ 195,23].
Se excedesse em mais de 20%, infração gravíssima, 7 pontos e multa de R$ 191,54 [a partir de 1.11.2016: R$ 293,47] porém com peso 3, ou seja, R$ 880,41 e, pior, suspensão do direito de dirigir.
Para as demais vias, exceder o limite em até 50%, grave, os mesmos R$ 195,23 e 4 pontos na CNH. Exceder em mais de 50%, gravíssima, igual ao caso de rodovias, vias de trânsito rápido e as tais vias arteriais.
Modificação
Em 25.07.06 a Lei nº 11.334 modificou o Art. 218 e a tipificação das infrações por exceder o limite de velocidade mudou bastante.
Desapareceram as tais duas classes de vias, ficou uma coisa só. Veja as diferenças:
Ultrapassar o limite em até 20% é multa média (era grave). Como tal, 4 pontos na CNH e multa de R$ 85,13 [a partir de 1.11.2017: R$ 130,16]. Melhorou bem para nós. Um descuido com o pé direito deixou de ser falta grave.
Acima de 20% (e até 50%) é que passou a ser infração grave, 5 pontos e R$ 195,23.
Só acima de 50% é que entra na gravíssima (era acima de 20%), 7 pontos, suspensão da CNH e R$ 880,41 (mas esse terceiro caso mudou em 2008, para pior, veja adiante).
Com essa modificação a coisa ficou melhor para nós.
Imagine estar na cidade numa rua de 40 km/h. Antes da mudança “escorregar o pé” e ir, digamos, a 45 km/h, era infração grave (até 50%). Agora, esse teor de punição só se for entre 49 e 60 km/h: até 48 km/h é infração média.
O problema é que acima de 50% é gravíssima, como passar a 61 km/h pelo controle, qualquer um de nós pode cometer esse erro. Convenhamos que tachar de “gravíssima” a velocidade de 61 km/h é uma piada, e está cheio de ruas de 40 km/h na cidade. Nas lombadas eletrônicas de 20 km/h a coisa é ainda mais feia: 31 km/h = gravíssima.
Portanto, todo o cuidado na cidade é essencial.
O que mudou em 2008 foi a “lei seca”, a de número 11.705, de 19.06.08, que alterou o Art. 291 do Código, de maneira que lesão corporal em terceiros, em caso de acidente, será considerado crime doloso, não mais culposo.
Aproveitando a tolerância
A autoridade de trânsito é obrigada, conforme a Resolução nº. 396 do Contran, de 13.12.11, Art. 5º, Inciso III, § 1º e 2º, aferir velocidade, é obrigada a considerar o erro máximo do equipamento previsto na legislação metrológica, que é de 7%.
Para velocidades de até 100 km/h a tolerância é de 7 km/h. Desse modo, por exemplo, numa via de 90 km/h só haverá infração acima de 97 km/h. Se o carro for flagrado a 98 km/h, para fins de velocidade considerada par autuação subtrai-se 7 km/h de 98 km/h, igual a 91 km/h, portanto o limite da via, 90 km/h, foi ultrapassado e enseja atuação.
Mas a velocidade que o equipamento registra é velocidade verdadeira, como a que o GPS fornece. No velocímetro é mais, em média 5% para cima, em que 98 km/h é lido quase 102 km/h (101,85 km/h).
Essa é a razão da minha preferência pelos velocímetros de leitura digital, num relance têm-se a velocidade do carro.
Para velocidades acima de 100 km/h o erro metrológico máximo de 7% é aplicado por porcentual sobre a velocidade. Assim, para exemplificar, 120 km/h é considerado 120 x 1,07 = 128,4, 129 km/h arredondado (arredondamento matemático). A velocidade considerada é 129 – 9 = 120 km/h. Se o carro passar pelo controle a 130 km/h, 130 – 9 = 121 km/h, o que resulta em autuação.
No caso da velocidade máxima nas autoestradas, 120 km/h, tabela constante da citada Resolução do Contran mostra que para resultar nessa velocidade o carro tem de passar pelo controle a 129 km/h (velocidade verdadeira, pelo velocímetro e seu erro médio de 5%, 135 km/h). Se passar a 130 km/h (verdadeira) a velocidade considerada será de 121 km/h, levando à multa.
Como o erro do velocímetro é médio, varia de carro para carro, é melhor confiar no GPS, que não erra. À falta deste, ficar só no velocímetro, por segurança.
Nota da redação: ver a matéria publicada quatro dias depois desta com tabela de velocidade medida e velocidade considerada.
O bom da reclassificação do grau das infrações de velocidade é que não se entra em gravíssima (7 pontos e suspensão da CNH), no caso de limite 120 km/h, indo, usando a tolerância e conforme a tabela, até 194 km/h (velocímetro, 203,7 km/h), o que dá boa dose de tranquilidade. Antes da mudança, bastava chegar a 130 km/h para ficar sem a carteira.
Esse raciocínio aplica-se para todas as velocidades. Se o leitor tiver alguma dúvida, pergunte nos Comentários.
Por a maioria dos motorista não conhecer esse mecanismo é que é altamente irritante ver as colunas de tráfego nas estradas de 120 km/h rodando a essa velocidade nos velocímetros e que, com total certeza, é fator de congestionamento nas grandes migrações associadas a fins de semana com feriado encostado.
Espero, com essas explicações, ter ajudado o leitor a enfrentar o inimigo — legalmente.
BS