Quando falamos de automobilismo e das pessoas que estão envolvidas, logo pensamos em fanáticos por carros, daqueles que passam boa parte da vida trabalhando com automóveis, projetando e colecionando. No mundo da Fórmula 1, não é diferente. Vemos os pilotos e empresários das equipes sempre andando com grandes carros. Mercedes AMG e Ferraris estão sempre em destaques.
Geralmente, estas pessoas trabalham e desenvolvem carros de corrida, criam fortunas e compram seus sonhos de consumo. Mas uma pessoa foi um pouco diferente, que não apenas comprava o que gostava. Ele também ajudou a criar o que temos hoje como merchandise.
Walter Wolf era um apaixonado por carros, e chegou ao topo do automobilismo criando sua própria equipe de F-1. Wolf fez sua fortuna com a exploração de petróleo no Mar do Norte, na Europa, suprindo as necessidades das plataformas e refinarias com equipamentos para perfuração e extração. Nascido na Áustria e naturalizado canadense, Wolf investiu tempo e dinheiro nas coisas que mais gostava. Carros e mais dinheiro.
Wolf participou de corridas como piloto de rali e também em circuitos, mas sua carreira não foi muito longe depois de um acidente mais grave. Não seria possível ser um grande homem de negócios do petróleo e piloto ao mesmo tempo, mas ele não queria abrir mão de seu envolvimento com o automobilismo.
Nos anos 1970, Walter era figurinha conhecida no mundo da F-1, com constantes aparições. Ele era um homem muito bem relacionado e articulado. Fez amizade com Frank Williams e manteve investimentos na equipe. Em 1975, comprou 60% das ações da Frank Williams Racing Cars, mantendo Frank como o chefe da equipe. Em paralelo, a equipe do milionário Lord Hesketh não ia bem financeiramente, e não demorou para Walter Wolf adquirir o que restou da equipe, equipamentos e carros.
Assim nasceu o primeiro carro de F-1 com o envolvimento direto de Walter Wolf, o Wolf-Williams FW05. O começo do Wolf-Williams foi sofrido. Mesmo com pilotos como Arturo Merzario e Jacky Ickx, o FW05 não emplacou. Na verdade, este carro não passava do próprio Hesketh 308C sutilmente alterado, que já não estava competitivo perante os demais. Ao fim da temporada de 1976, o melhor resultado dentre diversos abandonos foi um sétimo lugar de Ickx no GP da Espanha.
O ano seguinte teve mudanças para a equipe, com a demissão de Frank Williams, que junto com Patrick Head, criaram a Williams Grand Prix Engineering, que evoluiu para a Williams que conhecemos hoje. A equipe do canadense assumiu o nome de Walter Wolf Racing, manteve apenas um carro no grid e batizou-o de WR1, projetado por Harvey Postlethwaite, o mesmo que fez os Hesketh. O sul-africano Jody Scheckter foi o escolhido.
Muitos dizem que o WR1 é um dos F-1 mais bonitos de todos os tempos. Desde as linhas do carro até mesmo o esquema de pintura do Wolf Racing 1 foram muito bem desenvolvidas. O chassi de alumínio e motor Cosworth V-8 não tinham nada de excepcional, mas o resultado de um carro bem acertado logo surtiria frutos.
A estrela de homem de sucesso de Walter logo começou a brilhar. Na primeira corrida de 1977, na Argentina, o WR1 número 20 venceu com mais de quarenta segundos de vantagem para o segundo colocado, nosso compatriota José Carlos Pace que corria de Brabham. Vencer a corrida de estréia do carro e da equipe é para poucos. Bem poucos. Naquela temporada, Scheckter venceu mais duas corridas, em Mônaco e no Canadá, e ainda conquistou dois segundos lugares e quatro terceiros lugares. Mesmo com alguns abandonos, Scheckter foi vice campeão.
Em 1978 e 1979, o sucesso da equipe de Walter Wolf enfraqueceu com o passar do tempo. Jody Scheckter conseguiu apenas dois segundos lugares como melhor resultado. As quebras e abandonos eram constantes. Diversas variações do carro foram construídas e testadas ao longo dos anos. O WR1 deu lugar para o WR4, WR5, WR7 e depois em 1979 o derradeiro WR8, que conseguiu terminar apenas duas corridas da temporada. Pilotos como James Hunt, Keke Rosberg e o americano Bobby Rahal não conseguiram vencer as dificuldades da pouca confiabilidade dos carros.
Ao fim destas três temporadas, o sucesso já era apenas uma lembrança recente na equipe do canadense rei do petróleo. As finanças não iam bem e a solução foi vender a equipe com o que tinha de equipamento. Emerson Fittipaldi comprou a equipe e incorporou os equipamentos à Fittipaldi Automotive. Era o fim do sonho da F-1 na vida de Walter Wolf. Mas não o fim de sua ligação com o mundo automobilístico.
Wolf sempre foi um homem de visão, e rapidamente já viu que o sucesso da F-1 poderia desencadear um mercado relativamente novo. A marca Walter Wolf Racing poderia ser usada para promover itens de consumo “civil”, o que conhecemos como merchandise. Um dos itens que mais estão ligados ao mundo das corridas é o relógio de pulso, e foi onde Wolf atacou no começo. Em parceria com a Citizen, o modelo 8110A especial foi lançado no fim dos anos 1970. Era um relógio de destaque, visual moderno. A tecnologia da caixa fabricada em titânio era novidade, e este relógio foi um dos pioneiros. Hoje são bem valorizados pelo valor histórico e raridade.
Outros itens personalizados que levavam o nome da equipe eram as loções pós-barba e perfumes. No começo dos anos 1980, um fabricante espanhol sob a licença das indústrias Wolf fabricavam os produtos que levavam as cores e nomes da marca. Também são itens raros hoje e valem um certo dinheiro para colecionadores.
As motos também foram alvo do merchandise do canadense, com as versões especiais das Suzuki RG250, RG400 e RG500 vendidas nas cores da equipe de F-1. O motor era um dois-tempos de dois cilindros e 250 cm³ com 45 cv de potência arrefecido a água para o modelo RG250, enquanto que no RG500 o motor tinha quatro cilindros e gerava 95 cv.
Walter também ligou-se com a empresa croata Adris no fim dos anos 1980 para fabricar cigarros que levavam o nome Walter Wolf, uma marca conhecida na Europa até hoje e colecionável para os admiradores de maços de cigarros. Wolf colocou seu nome até em rodas especiais para carros de corrida e carros preparados.
Mas não apenas de fama da sua época de F-1, fortuna e merchandise Water viveu, ele também deu sua contribuição para o mundo automobilístico. Ele sempre foi um apaixonado por carros, e de muito bom gosto. Walter era cliente de carteirinha da Lamborghini e amigo de Enzo Ferrari, com quem trocava informações e admirava seus carros.
Depois de ter alguns Lamborghinis em sua garagem, sendo alguns Miuras, Walter comprou um dos primeiros Countach fabricados, um belo LP400 branco. O Countach foi um ícone desde o dia de seu nascimento. Era um carro ousado, intrigante, literalmente de cair o queixo. Seu V-12 central longitudinal de 380 cv era brutal, e Walter era um apreciador da boa mecânica, e logo viu espaço para melhorar o carro.
Ele dizia que os pneus eram pequenos demais para lidar com o motor, e a suspensão poderia ser aprimorada. Coisa que poucos se atreveriam a dizer sobre um carro como o LP400. Mas Ferruccio não era rígido como Enzo foi com ele quando recebeu suas reclamações sobre o Ferrari que comprara. Gian Paolo Dallara era o engenheiro responsável pelo Countach dentro da Lamborghini, e Wolf teve a liberdade de tratar direto com ele sobre os pontos que gostaria de melhorar no carro.
Dallara ajustou a suspensão do carro de Walter conforme ele solicitou, mas ainda assim precisaria de pneus melhores, o que não existia na época. Mas este detalhe não foi uma barreira para Wolf. Ele simplesmente entrou em contato com a Pirelli e negociou com eles a fabricação de pneus especiais. Assim nasceram os enormes pneus traseiros de 335 mm.
Junto com rodas especiais e um kit de carroceria com os pára-lamas mais largos, o carro de Wolf foi o primeiro Countach a receber a inconfundível asa traseira em delta com efetivo aumento de downforce, a força vertical descendente. O carro agora já estava mais ao gosto de Walter.
Depois do carro branco, um azul foi comprado e já na fabricação recebeu as melhorias do anterior, além do motor com cilindrada aumentada para 4,8 litros. Já que o carro tinha pneus maiores e maior arrasto por conta da asa traseira, mais potência deveria suprir as perdas.
Um terceiro carro foi feito, azul marinho, com todas as melhorias anteriores, porém com um motor de 5 litros e quase 500 cv. Este carro recebeu também um novo sistema de direção mais rápido e freios com pinças de oito pistões e regulagem na mão do motorista do balanço frente/trás do poder de frenagem. Todos os carros modificados para ele tinham a bandeira do Canadá pintada na carroceria. Wolf era um canadense naturalizado porém muito patriota.
O tempo investido e dinheiro gastos nos Countach especiais não duraram apenas enquanto ele comprava os carros, mas Dallara usou o que descobriu nos carros de Wolf para evoluir o projeto da Lamborghini. Assim nasceram os modelos LP400S e o LP500S, todos com as melhorias que os carros de Wolf tinham.
Não apenas dois novos modelos vieram da influência de Wolf, mas a própria sobrevivência da Lamborghini. Desde os tempos de consumidor da marca, Walter investia consideravelmente nos carros da Lamborghini. A compra de seus Miuras e os investimentos nos seus Countach foram altos, ele não poupava despesas para ter a máquina que desejava, e isso ajudou a manter a Lamborghini viva. Em tempos de crises financeiras, o dinheiro de Wolf era muito bem-vindo e ele pessoalmente ajudava em algumas negociações para manter a fábrica rodando com o pouco dinheiro que tinham para sobreviver.
Ele poderia ter comprado a Lamborghini? Sim, poderia, mas não o fez. Ele ajudou a manter a marca viva nos tempos difíceis da forma mais honrosa, comprando seus produtos e ajudando a pagar investimentos em desenvolvimento para aprimorar os carros da marca e assim alavancar as vendas. Poucos fariam isso para manter uma empresa rodando por apreciar seus produtos.
Nem tudo na vida Wolf foi tão honroso como sua posição perante a Lamborghini. Um grande escândalo em 2008 envolvendo lavagem de dinheiro e propina em uma licitação entre governo da Eslovênia e a empresa finlandesa Patria de armamentos e veículos militares envolveu o nome do canadense. O caso ainda não foi concluído, mas as acusações sobre Wolf de supostamente repassar dinheiro entre as partes caíram pesado sobre ele, já um senhor de idade.
O nome Wolf voltou ao automobilismo nos anos 2010, quando uma equipe italiana chamada Avelon Formula comprou os direitos de marca e imagem e os usou para lançar o modelo Wolf GB08, um protótipo com chassi de compósito de fibra de carbono e motor Honda 2-litros para disputar os campeonatos europeus de protótipos com bons resultados e algumas vitórias.
O poder e a distinção de Walter Wolf podem ter desaparecido ao longo dos anos, mas talvez ele foi um dos homens mais marcantes da história do automobilismo mundial. Podemos também dizer que se não fosse pela sua paixão pelos carros, hoje não teríamos a Lamborghini como a conhecemos. Wolf realmente tinha muito bom gosto.
MB