Costumo dizer que certas pessoas estão ou vão para o Céu e se sentar ao lado do Senhor. Como o inventor do helicóptero, o russo Igor Sikorsky, quantas vidas já foram salvas devido à capacidade o aparelho de voar com velocidade zero, de pairar no ar. Ou o trio de americanos Bradford Parkinson, Roger L. Easton e Ivan A. Gerrting, que criaram o sistema de posicionamento global, o GPS, em 1995. Há o grande feito do Dr. Martin Cooper, que criou para a Motorola o primeiro telefone celular de mão, em 1973. Esses são apenas alguns exemplos de como a inventividade humana é capaz de produzir coisas maravilhosas. E após essa breve introdução, quero falar de outra invenção que hoje passa despercebida de tão comum que é, mas foi a que tornou viável a tração dianteira como conhecemos hoje e a suspensão traseira eficiente, seja por braço arrastado ou multibraço: a junta homocinética.
Sua aplicação é em árvores de transmissão de movimento quando é necessário fazê-lo em ângulo. Para melhor entendimento, é preciso saber que árvores são elementos mecânicos destinados a transmitir movimento, torque, e normalmente são confundidos com eixos, estes um elemento em torno do qual alguma coisa gira. Portanto, carros, que é o nosso assunto, têm semi-árvores e árvores de transmissão, nosso conhecido cardã; têm árvores de comando de válvulas, não eixos de comando de válvulas.
O mesmo com a árvore de direção, leva o movimento do volante à caixa de direção, comum erroneamente chamada de “coluna de direção”.
O nome ‘homocinética’, até certo ponto estranho, vem do grego homos = igual + kinein = movimento. O nome indica exatamente o que acontece, movimento igual de parte condutora da junta em relação à parte conduzida.
Por isso a junta homocinética é conhecida também por junta de velocidade constante (constant velocity joint ou, abreviadamente, CV joint).
A junta universal (universal joint, U-joint), basicamente dois “U” defasados de 90° e interligados por um pino em forma de cruz, também têm a capacidade de transmitir movimento em ângulo, porém essa transmissão sempre resulta na aceleração positiva e na aceleração negativa entre os “U”. Há como combatê-lo, montando duas juntas universais em série, em que a aceleração positiva de uma se contrapõe à negativa da outra. Mas é um projeto mais caro e complicado, além de aumentar o peso.
O pino em forma de cruz recebe o nome de cruzeta, com mostra a foto abaixo, componente de uma junta universal de árvore de transmissão:
A invenção da junta homocinética é creditada ao americano de descendência silesiana Alfred H. Rzeppa, que trabalhava na Ford, que a criou em 1926 e requereu patente em 1927. Seu conceito e desenho são simples, consistindo de ligação por esferas da parte condutora interna e conduzida externa. Ambas as partes têm pistas onde as esferas se alojam e correm.
A superioridade da junta homocinética sobre a junta universal está na resistência e durabilidade e na capacidade de funcionar em grandes ângulos, que podem chegar a 54°, contra no máximo 38° da junta universal. É fácil entender o benefício dessa capacidade na sua aplicação em semi-árvores de carros de tração dianteira, que contribui em muito para reduzir o diâmetro mínimo de curva.
A junta homocinética não requer manutenção por toda sua vida, sendo necessário apenas certificar-se de que a coifa protetora não esteja furada ou rasgada, uma vez que a entrada de água, geralmente acompanhada de terra, inutiliza a peça em pouco tempo.
Há outro tipo de junta homocinética, muito usadas nos Fiat no lado interno da semi-árvore, a chamada junta tripóide, que recebeu o popular apelido de “trizeta”, derivado da cruzeta.
No DKW
O DKW-Vemag utilizava um tipo de junta universal que sempre era problemática, em que a aceleração positiva e negativa costumava provocar oscilações desagradáveis do volante direção. Conseguia-se minimizar o efeito usando pasta G e graxa BR2S da Molykote, mas era um paliativo apenas.
Certa vez estive no departamento de competição da Vemag e o Jorge Lettry me convidou para darmos uma volta num GT Malzoni, pois ele queria me mostrar uma coisa. Eu saí da fábrica dirigindo e logo notei algo diferente na direção, era completamente diferente. Nada das tais oscilações, o peso da direção era bem menor. Ao que perguntei o que havia mudado, ele respondeu: juntas homocinéticas.
Pena que as juntas homocinéticas não tivessem chegado à produção, o DKW acabou antes.
BS
Nota: recomendo a leitura da matéria sobre um museu no Estados Unidos que conta a história da evolução dos carros com tração dianteira, que só foi possível se concretizar depois do desenvolvimento da junta homocinética. Leia a matéria aqui.