Com o relatório do Roberto Agresti sobre o Teste de 30 Dias nesta sexta-feira veio à discussão o que é melhor, carro subesterçante, que sai de frente, ou sobreesterçante, que sai de traseira, com opiniões divergentes nos comentários, inclusive a questão de sair de traseira ser “esportivo”. Então é bom falar um pouco sobre isso.
O “ser esportivo” tem várias interpretações e certamente não tem a ver com a atitude do carro na curva. Um bom exemplo está na equipe Willys quando corria com os Interlagos berlineta nos anos 1960. Havia dois pilotos principais, o Bird Clemente e o Luiz Pereira Bueno. O Bird tinha o jeito dele, fazer as curvas de lado (veja na arte da abertura), enquanto o Luiz as fazia “no trilho”. Os resultados nas corridas era equilibrado, os dois ganharam muitas. Acho que ninguém duvidará de que ambos estavam dirigindo “esportivamente”, correto?
Portanto, atitude do carro não conta para essa definição, isso é mais que óbvio. Mas é bonito de ver um carro fazendo a curva de lado, direção contra-esterçada? Sem dúvida que é, ou não existiria a modalidade do drifiting — que para os carros assumirem aquela atitude extrema, só dando um baita puxão na alavanca do freio de estacionamento…
Muita gente boa confunde traseira para fora com carro saindo de traseira, o que é falso. Veja nesta foto como a traseira está ligeiramente para fora mas o carro está saindo de frente, como se pode ver na direção pouco esterçada para dentro:
Isso acontece porque as rodas traseiras não têm esterço e com o ângulo de deriva (slip angle) se manifestando a traseira fica para fora, mas as rodas dianteiras também estão sob atuação do ângulo de deriva e têm de ser esterçadas para contra-atacar o efeito.
Trazendo para o nosso mundo, já ouvi muitos dizerem que o Escort XR3 saía de traseira. Ledo engano. Mesmo andando no limite nunca se precisava contra-esterçar, mas esterçar, prova que saía era de frente — pouco, mas saía.
Quero que alguém me diga se viu nos últimos 20 anos um F-1 fazer curva saindo de traseira: não existe. Acho graça quando o Galvão Bueno diz que o carro está saindo de traseira, embora seja mais comum ele dizer que está saindo de frente, erroneamente.
O que os pilotos de F-1 relatam é tendência a sair com um outro eixo, não o sair efetivamente.
Numa resposta a leitor ontem falei no Porsche 911 que não sai de traseira nunca, e explico que isso se deve principalmente à suspensão traseira multibraço adotada na série 993, de 1993, a 4ª geração, antes por braço semiarrastado. A suspensão recebeu o apelido de Weissach em homenagem ao centro tecnológico da Porsche na pequena cidade de mesmo nome, que inclui o campo de provas.
Mesmo antes disso, em determinadas situações a frente saía para valer. Me lembro que chegando a São Paulo, vindo do Rio, em 1974, com um 911 Carrera 1973 de um amigo, ao acessar a Ponte das Bandeiras (aquela da pegadinha da CET) tive que fazer a curva com direção toda esterçada para dentro, braços cruzados, tanto que a frente saiu.
O tão aclamado “dirigir esportivamente” não nada a ver com atitude do carro na curva, muito menos com o tipo de tração, se dianteira ou traseira, ou os carros de tração integral estariam numa espécie de “zona de indefinição” nesse aspecto. O leitor deve se lembrar do teste “no uso” do Renault Mégane R.S. aqui no Ae, um tração-dianteira de comportamento exemplar, que se repetiu agora no novo Audi TT cupê.
Corri muito de DKW-Vemag e de Opala e Maverick, o prazer de dirigir “esportivamente” era exatamente o mesmo. Onde a tração estava era irrelevante.
Ao dirigir “esportivamente” o que vale mesmo é sentir a aceleração lateral agindo no corpo, cabeça principalmente, é o verdadeiro prazer de andar rápido. É por isso que não gosto de jogos de computador versando sobre automobilismo ou “pilotar” em simuladores, não existe a bendita força g nos dois planos. É por isso que curto frear forte, sentir a desaceleração (que evito com acompanhante a bordo por causar enjôo).
Como complemento a esse bate-papo — vou fazer uma sessão de webcast sobre isso, com o AK, o PK e o MAO, tive a idéia nesse minuto — vem a questão da “direção comunicativa”, em que muitos aqui e mundo afora criticam a assistência elétrica de direção por suprimir essa “comunicação”. Para mim isso não tem nada a ver, uma vez que o que me interessa é a resposta à direção e a aceleração lateral. Não preciso dessa comunicação, absolutamente.
Esse conversa é antiga, via-a na revistas americanas dos anos 1960 e 1970, e sempre achei estranha essa questão. Talvez por ter brevê de piloto de aeronaves de asa fixa (helicóptero é de asa rotativa), em que tudo nos comandos do avião é expresso em pressão no manche e nos pedais, nunca movimento. É pela pressão nos comandos que se avalia a velocidade do aparelho, em que quanto mais rápido mais pressão é necessária. Não preciso “me comunicar” com o ar.
Isso aí, tenha bom domingo e leia mais tarde, às 4 da tarde, mais uma História de Leitor.
BS