A prometida semana urbana com o Honda Fit EXL foi cumprida. Quase 400 quilômetros de muito para e pouco anda na cidade de São Paulo e, como devo sempre lembrar, em uma região onde — exagerando — um cabrito-montês se sentiria em casa. Explico: a garagem onde o Fit “dorme” fica a 805 metros acima do nível do mar, um dos pontos mais altos na topografia da capital paulista, enquanto as famosas “marginais”, seja do rio Pinheiros ou do rio Tietê, estão a pelo menos 70/80 metros abaixo desta marca. Só este desnível, se percorrido diariamente como faço, já causaria um estrago no consumo de qualquer veículo que nem mesmo o mais perdulário dos motoristas dirigindo na plana Brasília conseguiria imitar. Somar ao sobe e desce das pirambeiras paulistanas uma quantidade impressionante de semáforos, valetas, lombadas físicas ou eletrônicas e um cardume de veículos capaz de gerar congestionamentos até durante as madrugadas resulta em… mau consumo, claro!
Este preâmbulo serve para avisar que, dentro desta condições, o Fit EXL se mostrou um veículo econômico, registrando como pior média 8,8 km/l e, como melhor, 9,9 km/l. Tais marcas trouxeram à tona a verdade sobre uma desconfiança sobre o teor do líquido que havia no tanque do Fit no momento da entrega, início do teste. Disseram que o tanque estava cheio de gasolina mas, como sabemos, nem a “gasolina pura” é pura, tendo qualquer coisa entre 25 e 27% de álcool. Como o registro dos primeiros 250 km rodados com o Fit resultou em 7 km/l, tenho certeza que havia bem mais álcool naquele tanque, e que o consumo mais exato deste carro em condições de trânsito ruim (e nesta parte de São Paulo montanhosa) está mais para os 9 ou 10 km/l do que os assustadores 7 km/l que publiquei na semana passada.
Discurso combustível feito, ao resto: na estrada, como o relato da semana passada afirma, o Fit “manda bem”. Contudo é na cidade que ele revela suas melhores cartas. Compacto, com ótima visibilidade, direção rápida, comandos macios, uma transmissão muito bem casada com o motor que responde sem vacilo ao acelerador, é difícil imaginar um rival ao seu nível. Ainda mais somando a isso a ergonomia bem estudada e facilidades como, por exemplo, a câmera que mostra na tela de 5 polegadas do sistema multimídia o que há atrás do Fit assim que se engata a marcha à ré.
Falando em marcha, em câmbio, vale comentar algo mais sobre o tão comentado CVT, sigla para Continuously Variable Transmission. Linhas atrás afirmei sobre a transmissão estar “bem casada” com o motor. Como se percebe isso? Não se percebe, se verifica: em nenhum momento destes mais de mil quilômetros com o Fit tive a impressão de que se o câmbio fosse manual eu poderia fazer melhor. “Ah, mas um CVT é assim mesmo, contínuo, e portanto nunca estará na marcha errada!”, diria ou dirá um de vocês, leitores. Não é bem assim.
O Fit antigo, de 1ª geração, também tinha um câmbio CVT mas ele às vezes me irritava, muito “chicletão”, eláááááááááááááááástico demais. Já o Fit seguinte, com um câmbio automático “quase” convencional — o leitor do AE sabe que o câmbio Hondamatic não é epicíclico —, cumpria a sina de todo carro sem grande potência com uma caixa de poucas relações (cinco, no caso) e com lógica antiga à disposição: chegará uma hora, subindo uma serra animado, por exemplo, que ele vai passar marcha quando o certo seria retê-la, ou o oposto descendo a serra. Recorrer à posição D3 ou a 2 ou até mesmo a 1, posições que limitavam a caixa a essas marchas, era o recurso no Fit passado.
Neste Fit de 30 Dias a volta do CVT merece aplauso por resultar em maior economia de combustível (segundo a Honda, inclusive com vantagem em relação à caixa manual) se comparado à caixa automática anteriormente usada, assim como é um câmbio CVT nada “chicletão”. O motor parece sempre estar na faixa ideal quando o pé se estabiliza no acelerador. E quando chamado às ordens, ao acelerar fundo, há uma efetiva progressão com uma sensação de embreagem patinando mínima. O mérito é da aplicação do conversor de torque como elemento de ligação entre motor e transmissão em substituição à embreagem automática do Fit com CVT de primeira geração.
Na cidade, coloque em D e esqueça, literalmente. As opções S ou L servem para, basicamente, oferecer respostas ao acelerador mais dinâmicas (S) ou produzir um efeito de redução maior (L). Como câmbios CVT não têm engrenagens, mas duas polias em “V” com uma corrente especial que leva movimento da polia motora (do motor) para a polia movida (diferencial e daí para rodas motrizes), com os dois “V” variando contínua e inversamente sua abertura e desse modo alterando a relação de transmissão, essas duas posições, a S e a L, promovem posições pré-determinadas da abertura dos “V”.
Como o leitor pode ver na ficha técnica, a relação de transmissão varia de 2,526:1 a 0,408:1, tudo o que as posições pré-determinadas fazem é limitar esse campo de variação de relação na ponta longa (0,408:1), ou seja, deixar “as marchas” mais curtas. Além disso há agora o conversor de torque, um acoplamento exclusivamente hidráulico, portanto ao contrário da embreagem automática não tem desgaste e nem manutenção, além de ter a propriedade de multiplicar torque (daí “conversor”), aliviando o trabalho das polias do CVT. A combinação conversor de torque-CVT trouxe a esses câmbios um comportamento mais próximo ao dos automáticos convencionais.
A diferença se sente mais quando se tira o pé do acelerador do que acelerando fundo. Para sentir melhor o que oferecem estas opções em termos práticos, a tradicional viagem ao litoral norte paulista será esclarecedora.
No que diz respeito a suspensões, a firmeza do ajuste escolhido é patente, mas desconfortável é uma etiqueta que não cabe. A reação ao passar por irregularidades é sentida na cabine de forma nítida, e em ruas com pavimentação tipo bloquete ou paralelepípedo, quase que dá — exagerando — para descobrir se as ranhuras entre os elementos estão na diagonal ou transversal, tamanha a “sensibilidade”. Mas a culpa disso no meu modo de entender não é tanto do ajuste de suspensões, mas da escolha de medida dos pneus. Esses 185/55R16 não me descem! Com pressão de enchimento acima das 30 lb/pol² (33 nos dianteiros, 30 nos traseiros) os pneus leem demais as irregularidades. O efeito “braille” seria bem menor se a opção fosse por pneus de perfil 60 no velho e bom aro 15, como os de série nas versões mais simples do Fit, as DX e LX. Mas a moda manda o rodão, enaltece os perfis baixos mesmo quando o desempenho — e é bem o caso desse Fit — não justificaria tal opção.
Neste meu convívio de horas a baixa velocidade rodando na cidade houve tempo de sobra para reparar na cabine. Uma das coisas que chamaram a atenção é o painel de instrumentos com luzes que variam de acordo com a rotação e pressão do acelerador. É uma edição simplificada do sistema ECON presente nos Civic, só que sem a tecla e a modificação do dos parâmetros da ECU. Economizando, as laterais do velocímetro ficam verdes, pisando mais, estilo gastador, azuis. Simples e fácil assim. Um aparelhinho cromático que pode ensinar a alguns algo que para a maioria é óbvio: quanto mais se pisa no acelerador, mas se gasta combustível. Quanto à legibilidade, o padrão é correto, tanto de grafismo quanto na iluminação.
Um capricho nos porta-objetos variados seria útil. São vários no console, mas ao menos um deles com tampa cairia bem. O sumiço do segundo porta-luvas, o que ficava mais alto no Fit anterior, é um pecado que não tem explicação, pois o espaço para ele está lá, falta apenas a portinhola. Iluminação nos comandos das portas é desejável, idem uma luz mais forte ou difusa (ou ambos) para ver o que há no console central à noite.
Ajustes de banco são acessíveis e de fácil operação assim como a pedaleira está bem posicionada e há o bom apoio para o pé esquerdo. É particularmente agradável o tato oferecido pelo pedal de freio e, apesar da ausência do disco nas rodas traseiras, a “mordida” me pareceu ao nível do Fit anterior. Aliás, aparentemente melhor o que demandará achar um Fit dos velhos para ter a contraprova (eu sei onde tem um pertinho, pertinho…).
Uma última e não muito boa impressão vem dos limpadores de para-brisa. Na viagem realizada na semana passada um barulho vindo da parte superior do painel me incomodava. Não descobri exatamente de onde vinha, e julguei ser do acabamento de plástico que fica entre o capô e a base do para-brisa. Porém, ajudado por vocês, leitores, ou melhor, pelos que comentaram a primeira semana do Fit aqui no AE, desvendei o mistério: a culpa é das palhetas. Rodando em cidade fica fácil ver como a haste do limpador principal se move ao passar em ruas esburacadas. Todavia o barulho é encoberto pelo ruído de rodagem. Já na estrada, em alta velocidade, a palheta vibra pela pressão aerodinâmica. Se fossem palhetas do tipo mais moderno, “flat-blade”, que equipavam o Fit anterior, talvez esse ruído não existisse. Suposição: será que os braços de limpador de para-brisa do Fit foram projetados para este tipo de palheta mais moderno, não metálica? Talvez… O leitor Ilbirs postou fotos em seu comentário sobre tal tema no relatório da primeira semana do Fit que o AE publicou e ali descobrimos que na Índia e no Brasil o Fit tem palhetas “old fashion”, nos Fit vendidos na Europa (Jazz) e EUA, palhetas flat-blade.
Seja como for, uma coisa é certa: nosso teste de 30 dias chegou à metade e o Fit agora vai encarar a viagem-teste padrão de nosso 30 dias, os quase 500 quilômetros do vai-e-volta a Ubatuba, no litoral norte de São Paulo. Estradas variadas, carro carregado, o mesmo trajeto percorrido há décadas desde os tempos do Fuscão 1500 por este que vos escreve. Semana que vem, o relato.
RA
HONDA FIT EXL
Dias: 14
Quilometragem total: 1.092,5 km
Distância na cidade: 444,5 km (40,7%)
Distância na estrada: 648,0 km (59,3%)
Consumo médio: 9,4 km/l (gasolina)
Melhor média: 11,8 km/l (gasolina)
Pior média: 7,0 km/l (gasolina)
FICHA TÉCNICA HONDA FIT EXL 2016 | |
MOTOR | |
N° e disposição dos cilindros | Quatro, em linha, transversal, flex |
Cilindrada | 1.497 cm³ |
Diâmetro e curso | 73 x 89,4 mm |
Potência | 115 cv (G), 116 cv (A), sempre a 6.000 rpm |
Torque | 15,2 m·kgf (G), 15,3 m·kgf (A), sempre a 4.800 rpm) |
Taxa de compressão | 11,4:1 |
Distribuição | 4 válvulas por cilindro, comando no cabeçote, corrente, variador i-VTEC de fase e levantamento conjugados, coletor de admissão variável |
Formação de mistura | Injeção no duto Honda PGM-FI |
TRANSMISSÃO | |
Tipo do câmbio | Automático CVT |
Conexão motor-transeixo | Conversor de torque |
Relações de marchas | Frente 2,526:1 a 0,408:1, ré 2,706:1 a 1,382:1 |
Relação de diferencial | 4,992:1 |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | Independente, McPherson, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra estabilizadora |
Traseira | Eixo de torção, mola helicoidal e amortecedor pressurizado |
DIREÇÃO | |
Tipo | Pinhão e cremalheira, assistência elétrica indexada à velocidade |
Voltas entre batentes | 3 |
Diâmetro mínimo de curva | 10,3 m |
FREIOS | |
Dianteiros | Disco ventilado Ø 262 mm |
Traseiros | Tambor Ø 200 mm |
RODAS E PNEUS | |
Rodas | Alumínio, 6Jx16 |
Pneus | 185/55R16 |
Estepe | Temporário, roda de aço 4Tx15, pneu T135/80D15 |
CONSTRUÇÃO | |
Tipo | Monobloco em aço, monovolume, 4 portas, 5 lugares |
DIMENSÕES | |
Comprimento (mm) | 3.998 mm |
Largura (mm) | 1.695 mm |
Altura (mm) | 1.535 mm |
Distâncias entre eixos (mm) | 2.530 mm |
Bitola dianteira/traseira (mm) | 1.482/1.472 mm |
Distância livre do solo (mm) | 145,3 mm |
PESOS E CAPACIDADES | |
Peso em ordem de marcha | 1101 kg |
Capacidade do porta-malas | 363 L (906 L c/banco rebatido, 1.045 L c/banco traseiro rebatido, dianteiros todos à frente |
Tanque de combustível (l) | 45,7 litros |
CONSUMO (INMETRO/PBE) | |
Cidade | 12,3 km/l (G), 8,3 km/l (A) |
Estrada | 14,1 km/l (G), 9,9 km/l (A) |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | |
v/1000 em D (km/h) | 54,8 |
Rotação a 120 km/h D (rpm) | 2.200 |