Coluna 4114 8.out.2014 [email protected]
Maior festa anual do automóvel nos anos pares, o Mondial de l’Automobile, ou Salão de Paris, lá realizado há muitas décadas, sinaliza o mercado europeu e projeta novidades a países periféricos. Nesta edição, além das demonstrações com produtos híbridos, todos em acatamento às novas regras de consumo e emissões, havia poucas novidades — 57. Algumas em tecnologia, outras nos automóveis de maior preço, dedicados a compradores acima de crises de consumo e pane de bolso. Paris mostrou a elevação dos produtos, o Premium do Luxo.
Novidades, porém poucas aparecerão em nosso mercado.
Acima
Num mundo em crise, desarmônico, entre picos e vales, um valor é inatingível pelas crises: o muito dinheiro de quem o tem em grande volume. Assim, a percepção geral é das fabricantes darem mais conteúdo e refinamento aos veículos caros para torná-los mais caros – e cada vez mais diferenciados dos outros, sujeitos às crises. Explica tal caminho o crescimento dos Mercedes versões AMG – venderam-se 32 mil unidades ano passado e o total aumentará neste. E Ferrari, e conceito Lamborghini com quatro portas e quatro lugares, o AMG GT, e Audis implementados, como o TT Concept em suas cinco portas. E Infiniti, e DS, … O mercado dos carros de luxo era 10% do volume global. Está em 11,5%, mostrando tendência ascendente. Quem tem, tem.
Tecnologia
Há duas indissociáveis palavras de ordem na Europa e EUA: consumo e emissões. São o aríete da tecnologia e das providências. Estamos na ponta do rabo deste animal eco-tecnológico. Andamos muito atrás, com nossa legislação concedendo anos para um ganho de 12% em consumo – na verdade, retornar aos níveis obtidos quando se criou o motor flex, um brevê contra a tecnologia e um incentivo ao desperdício energético. Europeus mostram veículos com motor com o dobro da cilindrada média utilizada no Brasil, 1,5, 1,6 litro, fazendo quase o dobro de quilômetros por litro.
Buscam-se tecnologias para economia. De motor tocando gerador de energia alimentando motores elétricos para acionar as rodas, à nova tecnologia da PSA utilizando ar comprimido. Também, a edição revista e melhorada do projeto XL e seu recorde de economia, de andar 100 km com 1 litro de diesel, tem a variante dita Sport Concept da Volkswagen, mudando linhas, acertando suspensões, e motor, bicilíndrico, 1.197 cm³, de motocicleta Ducati, empresa VW. Pesa 800 kg e acelera de 0 a 100 km/h em 5,7 s e faz mais de 100 km/l. Lembra a filosofia Lotus, e é bandeira de tecnologia.
Brasil
Muitos veículos para o mercado mundial, poucos ao nacional, alguns para ser importados, outros, em menor escala, para construção local. Em escala mista, novo Land Rover Discovery Sport com dúvida de ser um dos modelos a ser produzido na usina prometida pela marca em Itatiaia, RJ. Da Jaguar Land Rover, outro cotado para a mesma fábrica, o Jaguar XE, carro de entrada, para concorrer com Mercedes C, BMW 3. Mais refinado e caro disputará com automóveis de maior porte.
Importado em poucas unidades referenciais, o Mercedes C em versão 63 AMG, e o AMG GT, sucessor do Mercedes SLS. Bela peça de engenharia, chassis, carroceria e intenso uso de alumínio, demarra nova família e, para quem gosta de automóvel e desempenho, deve puxar a fila de vendas.
Houvesse bolsa de apostas, apostaria minhas fichas em navio aportando em Pernambuco para viabilizar a produção do Fiat 500X no Brasil. Atende às demandas da Fiat para um novo produto. Dizem-no um crossover, mas para mercado desconhecedor de tal carimbo, tem as formas rotuladas pela superioridade de alguns jornalistas nacionais pela generalidade do termo jipinho. A Fiat precisa de produto novo para ocupar a faixa superior, e para o segmento onde utilitários esportivos regem o mercado. Aí anda de Palio Weekend Adventure.
O 500X tem plataforma e restante da mecânica igual à do Jeep Renegade entrando em produção na fábrica FCA em Pernambuco. É 70% do caminho andado. Aliás os executivos da FCA na Itália seguem trilha comum: será feito na fábrica de Melfi, na mesma linha de produção do Jeep Renegade. E se casa com o esforço para ampliar o rótulo dos carros Fiat deixando de ser vistos apenas como econômicos, bonitinhos, mestres em espaço interno. A alta administração quer torná-los, no jargão do marketing, funcionais e aspiracionais – ou seja objetos de desejo. O 500X abre este caminho.
RODA-A-RODA
Caminho – Nas medidas de sobrevivência adotadas pela PSA Peugeot Citroën, uma foi dar autonomia à DS, então submarca Citroën. No Salão dela havia exemplares, liderados pelo Divine, protótipo de sedã enfeitado. Quer mandar a linha aos EUA, segundo maior mercado mundial.
Foco – Na briga de foices entre cegos que é a indústria automobilística mundial, não há sobrevivência sem vendas em elevada escala. E não há escala aos ausentes no mercado mericano. A Peugeot já esteve lá, mas desistiu em 1991. Retomará em 2020 com vendas nas 30 maiores cidades.
Brasil – Brasileiro, liderando a Aliança Renault-Nissan, dos maiores grupos automobilísticos mundiais, Carlos Ghosn fez evento privado à imprensa mundial. A Coluna não estava lá. Entretanto coleguinhas registraram análise clara da marca no mercado mundial e interpretações da situação do nacional.
Razões – Segundo o executivo. vendas no Brasil devem encolher 10%, queda superior aos números projetados ao início do ano. Entretanto, disse Ghosn aos formadores de opinião, não há razões para isto ante a baixa relação entre habitante e automóveis.
Eufemismo – Disse, a situação é desapontadora e classificou o ocorrido no Brasil como não relacionado à indústria automobilística. Respeitador da imagem do país natal aos estrangeiros, não pintou o cenário de preto mas disse, no momento específico de eleições há fatores desconhecidos, e o país voltará a crescer quando a situação ficar mais clara. O eufemismo aparentemente significa mudança na política econômica e/ou no governo federal.
Exceção – Quanto à Renault, em ascensão de vendas e cravando quase 8% de participação nas vendas, Ghosn disse não reduzir investimentos da marca. Pelo visto, fazê-lo deteria o projeto de crescimento e sedimentação no mercado doméstico.
Foco – Executivos das matrizes das indústrias automobilísticas mundiais que encontrei no Salão tinham perguntas assemelhadas à afirmação do brasileiro Ghosn: o que está acontecendo com a economia do Brasil? E por que o país parou de crescer?
Tropeço – Consciência do refluxo econômico, ao momento não deterá investimentos contratados, pois a indústria projeta a longo prazo. Mas criará um vale a ser ultrapassado até a volta da confiança. Entenda-se deter o crescimento da economia, de emprego, renda, aumento de vendas.
Dobradinha – Sempre alinhando economias brasileira e argentina, com governos peculiares, mercado em queda, inflação aumentando, promessas vãs, moeda desvalorizando e queda diária do valor do patrimônio individual, a região antes vista como alavanca de crescimento da indústria automobilística perderá investimentos para os próximos anos.
Aqui e lá – No Brasil produção caiu 16,8%, e vendas 9,1% nos nove primeiros meses. Na Argentina, redução de 24% na produção, com expectativa de alguma recuperação dentro do programa Pro.Cre.Auto de incentivos e financiamento do banco estatal.
Situação – Maior salão do Ocidente nos anos pares, esta edição mostrou controle absoluto de custos. Os estandes eram corretos, porém hígidos. Shows e atrações, exceto por conjunto musical na Volkswagen, permeando sons aos estandes de suas associadas, nada mais houve.
Freio – Até o material de imprensa, antes peças de grande qualidade gráfica, resumiu-se a, no máximo, modesto pen drive. Na maioria das marcas, pífio cartão com código QR resolvia o assunto.
Outro – Não mostrado no Salão, mas apenas de produção confirmada, o próximo Renault pequeno, para ser carro de entrada, deve aparecer ano próximo na mostra de Frankfurt.
Início – Divide plataforma com Nissan, construção, vendas e operação extremamente econômicas – neste caminho, novo motor três-cilindros, rodas voltaram à assinatura francesa de usar apenas três parafusos – de quatro para três, só aí 25% de economia.
Aqui – Segundo Carlos Henrique Ferreira, diretor de comunicação da Renault do Brasil, apenas será factível no Mercosul se conseguir custar o mais barato da linha, o Renault Clio: R$ 25 mil. Mas são carros incomparáveis.
Prisma – Carlos Ghosn, presidente da aliança Renault-Nissan anunciou sua produção na Índia, a custar menos de 5 mil euros – uns R$ 16 mil. Acenou com a possibilidade de fazê-lo na América do Sul. Situação óbvia, pois o Clio é o mais vendido na Argentina e ganharia no comparativo de espaço e construção. Assim, a seu substituto há apenas o argumento preço menor.
Troca-Troca – Presidentes da Mercedes e da Renault ampliaram sinergias, incrementando de três para doze projetos de colaboração, válidos na Europa, Ásia e América do Norte. De início três veículos com plataforma comum: Renault Twingo, Smart For Two e ForFour, este feito em fábrica da Renault.
Mais – Mantida a pretensão de fazer carros das duas marcas em única fábrica, em Aguascalientes, México. Infiniti, a marca de luxo da Nissan, com motor Mercedes-Benz, em 2017 e, no ano seguinte, os da marca alemã.
Sem pátria – Capital não tem pátria, ditado antigo, muito válido agora. Novos Mercedes Classe C, e o multiuso Vito – a ser feito na Argentina – usam motores diesel 1,6-litro Renault. Mercedes são motores do Renault Twingo e dos novos Smart. E em fábrica da Nissan, em Tennessee, EUA farão motor Mercedes 2-litros turbo para o Infiniti e os Mercedes Classe C.
Leque – Aliança no Japão, entre a Mitsubishi Fuso, de utilitários leves, e a Nissan, farão produto comum para exportação.
Pé na bunda – Repito a expressão do inglês Jeremy Clarkson, o polêmico jornalista do Top Gear, fazendo matérias na Argentina. Habitantes do fim sul do continente não entenderam o humor britânico. O programa quis gracejar com a derrota da Argentina para a Inglaterra na Guerra das Malvinas. População local destruiu os automóveis, botou a equipe numa fuga por sobrevivência.
Ajude a resgatar a história deste Fiat
Parece Alfa Romeo, tem grade de Alfa Romeo, emblema de Alfa Romeo, e acreditado como Alfa Romeo. Mas é um Fiat.
Estava no Museu Paulista de Antiguidades Mecânicas, tido como o Alfa pertencente à corredora francesa Hellé-Nice, protagonista de acidente de monta ao disputar o I Grand Prix de São Paulo, em 1936. Os restos do verdadeiro Alfa 8C 2300 de Nice estavam em galpão adjacente e, sumiu com o passamento do colecionador Roberto Lee, titular do Museu.
O Fiat é um modelo 525, transformado pelo mecânico e piloto argentino Vittorio Rosa em 1928, competindo no Grande Prêmio Cidade do Rio de Janeiro, no Circuito da Gávea, prova brasileira da temporada mundial, em 1934 como bi posto e no ano seguinte como monolugar. Resgate histórico pelo engenheiro Antônio Carlos Buarque Lima, conta estas e outras peculiaridades, como ter sido vendido em 1935 ao ítalo-brasileiro Dante Di Bartolomeu, e sua equipe de competição Escuderie Excelsior, onde competiam Francisco Chico Landi, e seu irmão Quirino. Pilotaram-no em provas nacionais e argentinas entre 1935 e 1938.
Em 1935 Chico cravou sua primeira vitória, no Circuito do Chapadão, em Campinas, SP, participou de prova argentina, e do Circuito da Gávea, e em 1936 mesmo em grande desvantagem liderou o fatídico GP de São Paulo. Em 1939 mudou a estética, com grade inspirada em Alfa Romeo.
De 1938 a 1941 o piloto Santos Soeiro, de Santos, SP, conduziu-o no Circuito da Gávea e Subida da Tijuca. Última referência documentada foi acidente nesta prova em 1941, com o ativo carioca Henrique Casini. Daí em diante, desapareceu, sendo achado ao final dos anos 1960 em destroços num posto de gasolina na base do Retiro das Pedras, hoje chique condomínio da estrada que liga Belo Horizonte ao Rio de Janeiro.
O que fazia em Minas, onde a última corrida fora em 1940 ? Quando chegou ao posto? Que caminhos percorreu como carro de corridas em quase duas décadas entre o acidente carioca e o posto mineiro?
O Fiat é a única referência esportiva remanescente desta marca no Brasil. Conhece uma parte desta história? Ajude a salvá-la. Escreva e conte à Coluna.
RN