É impensável hoje um automóvel médio-compacto para motorista mais cinco passageiros cujo óleo do motor precisava colocado no… tanque de gasolina! Pois era assim no DKW-Vemag, lançado em novembro de 1956 começando por uma pequena perua de duas portas com motor tricilíndrico dois-tempos de 896 cm³ e apenas 38 cv a 4.250 rpm. Dois anos e meio depois passou a 981 cm³ e 44 cv a 4.500 rpm, com o torque subindo de 7.5 m·kgf a 2.800 rpm para 8,5 m·kgf a 2.250 rpm.
Para comparação, o motor 12oo do Fusca produzia 30 cv a 3.400 rpm e o do Renault Gordini, 32 cv a 5.200 rpm. O 2-litros do FNM 2000 JK, versão brasileira do Alfa Romeo 2000 sedã (berlina), um belo duplo-comando, era de 95 cv a 5.300 rpm com 15,5 m·kgf a 3.500 rpm.
São números bem baixos comparando aos de hoje, em que motores de 1 litro passam de 80 cv, como o também tricilíndrico Ford que entrega 85 cv com álcool e 80 cv com gasolina, de 6.300 a 6.500 rpm.
Até os anos 1960 nos motores dois-tempos a gasolina a lubrificação era por meio de óleo adicionado à gasolina. A proporção variava de 25:1 a 50:1 ou, em porcentagem, 4% a 2%, respectivamente. No DKW-Vemag era 40:1 (2,5%).
O óleo é miscível com a gasolina e a mistura é estável, uma vez feita se mantém, não há separação mesmo que o combustível fique armazenado anos. Para reabastecer o DKW, primeiro despejava-se o óleo no bocal do tanque e depois colocava-se normalmente a gasolina. Havia entre o bocal e o tanque uma espécie de grade de retenção para o óleo de modo a facilitar a mistura para que já chegasse assim ao tanque.
Sempre foi enorme dificuldade para o proprietário de DKW-Vemag reabastecer respeitando a proporção correta de óleo. Fácil de entender, pois o tanque de 45 litros deveria estar quase vazio para receber 1 litro de óleo e 40 litros de gasolina, e durante bom tempo só havia óleo em lata de 1 litro. Só alguns anos depois passou a haver lata de 0,5 litro.
Antes era complicado reabastecer com 20 litros, por exemplo, usava-se meia lata cujo furo era geralmente fechado com um tufinho de… estopa e deixado no carro.
Mas não era só, havia o problema adicional de naquele tempo 1 litro não ser 1 litro, mas 0,946 litro, exatamente 1/4 de galão (3,785 / 4 = 0,946). Assim, 40 estava para 1 assim como (40 x 0,946 = 37,84) 38 estava para 1. Essa observação sobre o volume de óleo da lata constava do manual do proprietário.
Esse sistema de lubrificação é chamado de perda total (total loss), uma vez que o lubrificante é perdido, não fica no motor para utilização contínua. Troca de óleo, portanto, não existe, mas em compensação há “consumo” de óleo. No caso do DKW-Vemag, que fazia em média 10 km/l, era 10 km por 25 ml de óleo ou 1.000 km por 2.500 ml, ou 2,5 litros por 1.000 km.
Era um consumo de óleo bem alto e muito diferente do de um motor 4-tempos de hoje, apesar de as próprias fábricas especificarem ser normal até 1 litro de óleo por 1.000 km, ou 300 gramas por 1.000 km no caso dos GM, o que dá 0,35 litro/1.000 km. Mas são números mais teóricos do que qualquer outra coisa, por ser comum trocar-se óleo com 10.000 km sem necessidade de completar o nível.
Havia óleos para motores 2-tempos na época do DKW-Vemag, mas a fábrica recomendava óleo comum de classificação API MS/DG, respectivamente o melhor óleo para motores a gasolina e a diesel de então, de viscosidade SAE 40. Mas podia-se usar óleo 2T sem nenhum problema.
Começando pelo Fissore em 1964 e seguindo com o Belcar e a Vemaguet em 1965, surgiu a bomba dosificadora chamada Lubrimat, produto Bosch, em que óleo num reservatório de 3 litros sobre o coletor de escapamento abastecia a bomba, que era acionada por uma pequena correia trapezoidal a partir de uma segunda polia na árvore do ventilador. A bomba mandava óleo para o giclê principal (que tinha derivação para o circuito de marcha-lenta) com vazão variável que dependia de rotação e carga, e proporção gasolina-óleo resultante ia de 40:1 a 200:1 (0,5%), que em média era de 100:1 (1%). Com isso o consumo de óleo caía para 1 litro por 1.000 km e o carro podia rodar cerca de 3.000 km sem reabastecimento de óleo.
As vantagens do Lubrimat eram óbvias: menos produção de fumaça e menos carbonização, fora a comodidade de se poder reabastecer com qualquer carro, no tanque só gasolina. Havia integrada ao marcador de gasolina uma luz-testemunha do Lubrimat, que se acenderia caso a bomba deixasse de funcionar por qualquer motivo ou que acabasse o óleo do reservatório, e que em marcha-lenta acendia por alguns segundos a cada 20 a 30 segundos para indicar que o sistema de aviso estava funcionando.
Um curiosidade é haver já naquela época um forte luz branca junto ao botão do afogador no lado esquerdo da coluna de direção para indicar que estava acionado. O motivo disso é que o circuito do afogador no carburador Solex-Brosol 40 ICB constituía um carburador auxiliar para partida (Startvergaser) integrado ao corpo principal que não recebia óleo do Lubrimat, razão para ser usado o mínimo possível. Essa carburador auxiliar tinha também um circuito para produzir mistura ar-combustível bem pobre de maneira a desafogar o motor se necessário. Correspondia ao botão do afogador puxado pela metade, com uma posição de parada para indicar meio-curso. Era um carburador moderno para seu tempo, em que o enriquecimento de mistura para partidas a frio não era mediante a habitual borboleta de estrangulamento na entrada do carburador. Os circuitos de empobrecimento e enriquecimento eram definidos por uma pequena válvula rotativa.
Havia proprietários, porém, que desconfiavam da eficácia do Lubrimat e colocavam algum óleo “por conta” no tanque. Isso porque houve, de fato, casos de falha da bomba, que logo foi substituída por outra, mais eficiente, chamada R5 (R2, anterior), mas ainda não era tempo de convocação como conhecemos hoje — a primeira seria a da Ford, para o Corcel, em 1970, para corrigir desgaste acentuado dos pneus dianteiros. Mas a rede de concessionárias e oficinas autorizadas Vemag trocava automaticamente a bomba se fosse a R2.
Para poder funcionar com tão pouco óleo, os motores passaram por algumas modificações, especialmente nos nos mancais de biela e nos dos pinos de pistão, que passaram a ser de roletes no segundo caso. Esses motores, introduzidos antes mesmo do Lubrimat, podiam funcionar com óleo no tanque a 60:1 (1,67%) ou mesmo 100:1 (1%), como experimentei diversas vezes por ter-me dito ser segura o chefe de competições da fábrica, Jorge Lettry, um grande amigo já falecido.
Decantação do óleo
Chegou um momento na história das competições na Vemag em que as quebras de motor eram constantes. O mesmo Letty experimentou os mais variados de tipo de óleo, até mesmo da aviação, o Aeroshell W80. Em vão, os rolamentos de agulhas dos mancais de biela travavam. O problema só foi resolvido com a derradeira experiência, o Castrol R-40, à base de óleo mamona. Como esse óleo é o de maior lubricidade conhecida, a experiência provou ser o óleo certo, nunca mais houve quebra de motor. E foi usado também nos transeixos com total sucesso, os poucos problemas que haviam desapareceram por completo.
Só que havia um outro tipo de problema, inexistente com os óleos minerais: o óleo não era perfeitamente miscível com a gasolina, muito menos estável era a mistura. O resultado é que às vezes, sem explicação, o óleo se separava da gasolina e ia para o fundo do tanque, por ser mais pesado. Como o pescador sempre capta gasolina do fundo, somente óleo ia para os carburadores, e o motor não podia pegar.
É por isso que se via a insólita cena de mecânicos da equipe Vemag balançando lateralmente a traseira dos carros de corrida antes da largada para não deixar o combustível parado no tanque, evitando a decantação. Mas quando ela acontecia era preciso afrouxar as conexões de combustível nos carburadores para “sangrar” o sistema!
Tempos heróicos!
BS