Os freios atuais chegaram a um nível tal de eficiência que nem percebemos mais. Longe vão os tempos em que requeriam atenção ao dirigir, se por sua pouca potência, seja por seu funcionamento errático. A operação de mecânica “regulagem de freios” virou página da história.
Gosto de exemplificar a potência do freio comparando aceleração proporcionada pelo motor com a desaceleração fornecida por ele: um carro leva 10 segundos para ir da imobilidade a 100 km/h e 3 segundos para parar vindo à mesma velocidade. O freio de um carro é muito mais potente que o motor. Portanto, usar freio-motor numa “tocada esportiva” também é passado, mas ainda vejo muitos o fazerem, inclusive alegando “dar prazer”.
A maior evidência de que o freio-motor acabou quando se dirige rápido está o ano praticamente todo na telinha (ex-telinha…) do televisor, treinos e corridas de F-1. Basta notar uma aproximação de curva o piloto ir dando borboleta esquerda em sucessivas reduções: será que alguém acha que a cada redução o motor ajudou a frear o carro? Teve tempo para fazê-lo? Óbvio que não.
![redhot1](https://www.autoentusiastas.com.br/ae/wp-content/uploads/2016/03/redhot1.jpg)
Por razões construtivas, os câmbios robotizados (e automáticos sob comando manual) têm de passar marchas em sequência. No tempo da alavanca seletora padrão “H” era comum pular marchas durante a desaceleração, como de 5ª para 2ª. O inverso também, como no método 1ª-3ª-5ª para deixar o motor funcionar com mais carga e se obter redução de consumo.
Ao pular marcha na redução faz-se a aceleração interina — que muitos chamam equivocadamente de punta-tacco. Esta aceleração, sempre recomendada por igualar rotação do motor com a velocidade do veículo quando a marcha inferior for engatada (e a embreagem acoplada), não se faz apenas enquanto se freia. Pode ser numa subida ou passar para a marcha inferior antes de efetuar uma ultrapassagem, por exemplo.
O punta-tacco, acionar freio e dar a aceleração interina, usa-se durante a aplicação do freio antes de uma curva ao reduzir — mas não para “segurar” o carro, isso é função exclusiva do freio — e sim para deixar o motor na rotação correta para retomar velocidade na curva ou depois dela.
Veja neste vídeo como Ayrton Senna desacelera o Honda NSX no freio e prepara o câmbio para a curva seguinte, bem com o impecável trabalho de pé direito do nosso segundo tricampeão de F-1 (o primeiro é Nélson Piquet):
Aliás, o freio-motor numa desaceleração forte prejudica mais que ajuda. Por isso existe a função de a borboleta de aceleração abrir ligeira e automaticamente nas reduções (MSR) justamente para evitar que o freio-motor provoque algum desequilíbrio no carro por excesso de freio nas rodas motrizes como vimos na recente matéria “Acelerador elétrico, segundo melhor amigo do homem“.
Poucos sabem, mas quando o ABS entra em ação nos carros de câmbio automático, a marcha em uso é desacoplada justamente para o motor (freio-motor) não complicar as coisas num momento normalmente crítico.
Populariza-se cada vez mais a aceleração interina automática, não importa se o câmbio é automático, robotizado ou manual, dispensando o motorista/piloto de “torcer o pé” para alcançar o acelerador. Exemplos recentes disso com câmbio manual são Corvette e o Nissan 370Z.
Outra aplicação muito útil do punta-tacco é arrancar num subida, dispensando a técnica ensinada na autoescola de segurar o carro no freio de estacionamento enquanto os pés se encarregam de começar a acelerar e a soltar o pedal de embreagem. Dispensa-se até os hodiernos freios automáticos (auto-hold) e assistentes de partida em rampa.
Freio-motor é útil? Claro que é. Substitui quase totalmente o freio de roda quando não se precisa de desaceleração forte, com a vantagem de poupar o material de atrito do freio de roda (pastilhas e lonas de freio). Outra utilidade do freio-motor é manter o carro em velocidade compatível nas descidas de serra, dispensando o freio de roda desse trabalho que, por sua natureza, a acaba superaquecendo discos e tambores de freio (ao frear a energia cinética é transformada em calor), quase invariavelmente levando à redução ou perda de ação do freio, o chamado fading, palavra do inglês que significa sumiço, desaparecimento gradual. Essa perda de ação nunca é repentina, o que ajuda ao motorista perceber que o freio está aquecendo além do normal.
Quando, num filme, vemos a imagem ir sumindo aos poucos, isso se chama fade-out. Ou o inverso, a imagem vai-se formando aos poucos, o fade-in.
Falando de freio-motor, quem já dirigiu um carro híbrido motor a combustão-elétrico ou um elétrico puro pôde observar como o motor elétrico passa a gerador ao levantar o pé do acelerador e como o carro freia bem, a ponto de se dispensar o freio de roda em praticamente todas as situações. No começo se estranha, requer reaprender aliviar o pedal do acelerador, mas depois que se pega o jeito é notável e agradável o efeito. No Mitsubishi Outlander PHEV há cinco intensidades desse tipo de freio-motor à escolha do motorista.
Deve ser lembrado que assim como uma andorinha só não faz o verão, o freio sozinho também não. Aí entram uma série de itens que garantem a controle do carro, como pneus, geometria de direção, distribuição de peso dianteir0-traseiro, controle dos movimentos da suspensão, modulação do freio, entre outros.
Portanto, na hora do aperto é o freio que deve ser admirado — e usado.
BS