Essa matéria foi originalmente publicada no blog Autoentusiastas em 23 de junho de 2011, e atendendo a pedidos está sendo republicada no site, com pequenos ajustes e a adição do vídeo.
A famosa expressão punta-tacco passada do italiano para o português ficaria ponta-salto. Curioso é em inglês a ordem ser invertida, heel and toe, como também a nossa conhecida caixa de direção de pinhão e cremalheira, que na língua de Shakespeare é rack and pinion.
Eu soube do punta-tacco ainda adolescente, ao ler o famoso livro de Piero Taruffi, “Pratica e Tecnica della Guida Automobilistica da Corsa”, de 1958. Imediatamente assimilei a técnica, que é simples porém requer entendimento de por que pode e deve ser usada.
Como falei em um post antigo, que está lá no AE Classic, Troca de marchas no tempo, nas reduções faz-se necessário elevar a rotação do motor para promover a sincronização entre engrenagem a ser engatada e seu par correspondente, ou entre engrenagem a ser engatada e a luva de engate. Até aí é fácil entender que basta um toque no pedal do acelerador para se obter essa elevação de rotação que no caso de troca de marcha em um câmbio qualquer se chama aceleração interina ou intermediária. Em inglês, interim acceleration.
Ao dirigir, frequentemente nos deparamos com a necessidade de frear antes de uma curva; numa corrida, sempre. Nada mais simples: aplicam-se os freios pelo pedal do meio — nos carros de câmbio manual, evidentemente, embora já tenha havido monopostos de Grand Prix em que o acelerador ficava no meio, como os Alfa Romeo da pré e pós-guerra. Mas isso é exceção e não regra, felizmente.
Numa aproximação de curva em que se freia, e sendo necessário reduzir marcha para que no momento em que se for acelerar de novo o motor esteja na rotação adequada para potência, como fazer esse freia e acelera ao mesmo tempo, se temos dois pés e são três os pedais? Tem jeito: punta-tacco.
Como mostram a foto de abertura e a animação abaixo, o pé direito aciona os dois pedais girando-o em torno da ponta (punta) de modo que o calcanhar (tacco) chegue ao pedal do acelerador. Na prática, nem é o salto propriamente dito que movimenta o acelerador, mas o lado do pé, mais fácil ainda.
Nesse ponto os italianos são imbatíveis. Seus carros têm nos pedais a quintessência do punta-tacco, uma espécie de orgulho nacional. Assim que dirigi o primeiro Fiat 147, em setembro de 1976, no lançamento, notei o precioso detalhe.
Para quem nunca fez o punta-tacco, comece experimentando com o carro parado e motor desligado. Depois, com motor ligado. Exercite bem até conseguir, com o freio de serviço acionado, dar a aceleração interina. O próximo passo é fazer a operação com o carro em movimento. Escolha uma rua ou local sem movimento e treine, sem se preocupar em passar marcha, só frear com punta-tacco. Quando você estiver craque, comece a fazer o punta-tacco e reduzir ao mesmo tempo. A prática logo vem e a operação será tão natural quanto caminhar. Você a aproveitará na plenitude, no seu dia a dia. Em quê?
Ao arrancar numa subida, por exemplo. Você poderá dizer adeus para sempre ao freio de estacionamento para manter o carro parado enquanto aceleraria para arrancar e soltaria o freio “de mão” ao mesmo tempo. Ou, se quiser, arrancar na frente e dar uma lição ao espertalhão que se espremeu entre o seu carro e a guia da calçada, quando a rua tem leve aclive e é preciso usar o freio para o carro não andar — como numa largada em corrida em pista não totalmente plana.
Mesmo que os câmbios sejam totalmente sincronizados faz um bom tempo — todos, a partir da década de 1970 — a aceleração interina continua necessária para um dirigir suave, pois evita o leve tranco ao tirar o pé da embreagem depois de reduzir. Esse tranco, porém, pode levar ao efeito frenante pelo motor, indesejável quando o piso estiver escorregadio, especialmente nos carros de tração traseira — motoristas de picapes médias, atenção.
Não menos importante, quem “aprendeu” a não dar o tranco, soltando o pedal de embreagem devagar, está na verdade impondo desgaste adicional ao disco de embreagem com a patinagem frenante.
Aceleração interina automática
Nessa era da automação a da eletrônica, com a borboleta de aceleração acionada eletricamente e sob regência do módulo de controle eletrônico do motor, ficou fácil criar aceleração interina automática, independentemente de o câmbio ser manual, manual robotizado de uma ou duas embreagens, ou automático convencional.
O primeiro automático convencional a ter aceleração interina automática foi o Porsche 911 turbo, em 2005, depois estendida ao PDK robotizado de duas embreagens. O Nissan 370Z é o primeiro carro a ter o recurso associado a câmbio manual e todos os robotizados, até os dos carros nacionais, incorporam a aceleração interina.
Na Fórmula 1, foi a Ferrari a primeira a usar câmbio robotizado, de uma embreagem, com trocas por borboletas atrás do volante e aceleração interina automática, em 1989. Quem viu o GP do Rio de Janeiro daquele ano deve se lembrar de Nigel Mansell, que liderava, parar no box para o trocar o volante, que deu problema, voltar à pista e vencer a prova.
Qualquer pessoa pode aprender a utilizar o recurso do punta-tacco, mas é bom saber que os tênis, de uso disseminado hoje, apesar de bastante confortáveis, podem dificultar ou impedir a operação. O ideal para dirigir — e para fazer o punta-tacco — são calçados estreitos e de sola fina. Por exemplo, o clássico mocassim italiano.
Antes que o leitor ache que essa singela recomendação é “coisa de véio”, incluímos no nosso vídeo um trecho do fantástico Ayrton Senna dirigindo um Honda NSX-R em Suzuka, um filme promocional da Honda de 1992. Senna participou ativamente do desenvolvimento do NSX e isso aumentou ainda mais o afeto da Honda e dos japoneses por ele. Observe o nosso tricampeão efetuando punta-taccos perfeitos — e também o que ele está calçando. O “véio” Senna só tinha 32 anos…
BS