Participei no dia 6 de março de 2018 da Festa de Abertura da Temporada Auto Show Collection 2018, realizada no tradicional endereço que é o Sambódromo do Anhembi, em São Paulo, SP. Fui na boa companhia do Eduardo Gedrait Pires — presidente do Sampa Kombi Clube, que tinha me convidado para este evento.
Lá eu estive com o Marcos Antônio Camargo Jr., que é o organizador destes tradicionais eventos das noites de terça-feira no Sambódromo. Batemos um longo papo e ele me falou da história do VW Gol do avô dele, um belo causo. Aí eu o convidei para enviar este causo para que fosse publicado nesta coluna, e ele concordou.
Abaixo uma foto daquela noitada, quando estávamos falando com dois irmãos venezuelanos que estão explorando a América do Sul a bordo de uma Kombi 94, brasileira em versão de exportação, transformada para motorhome por eles mesmos. Eles partiram da Venezuela, passando pela Colômbia e desceram pela costa brasileira e vão até o Ushuaia; de lá subirão até a Venezuela pelo lado do Pacífico.
Agora vamos ao causo do Marco Antônio:
O VW Gol do vovô
Por Marcos Antônio Camargo Jr.
Falar sobre o primeiro automóvel em que andei na vida é falar sobre uma intimidade que faz compreender minha própria paixão pelos veículos de quatro rodas. O Gol L 1980, produto da primeira série fabricada e vendida no Brasil, ainda com motor a ar, foi a grande novidade daquele ano. Meu avô, depois de uma vasta experiência com velhos modelos importados dos anos 1950, Oldsmobile, Mercury e tantos outros, chegou à década de 1970 experimentando a facilidade e economia dos compactos Volkswagen a ar. Custavam mais caro que um Chevrolet Bel Air, mas não ferviam na estrada e sua manutenção era simples.
E assim, após centenas de milhares de quilômetros rodados a bordo de Fuscas, em 1980 o lançamento do Gol brilhou nos olhos do seu Antônio. Design retilíneo, interior moderno, espaçoso e mantendo o motor boxer que era a qualidade do velho Fusca, o Gol deixou a concessionária Caraigá no final de 1980 com gosto de novidade. O motor 1300, no entanto, tinha desempenho decepcionante. Se a intenção era viajar com o carro, o seu Antônio logo desanimou e se viu em um Fusca usado com motor “milleseicento”, seu novo companheiro de aventuras. E lá ficou o Gol para deslocamentos na cidade (não compensava vender e perder dinheiro). E o tempo passou…
Algumas fotos que mostram o Gol participando da vida da família:
Quando o primeiro neto dele nasceu, em outubro de 1983, foi no banco de trás que o bebê foi acomodado para voltar do Hospital Santa Marina, bairro do Jabaquara, em São Paulo. Meu pai deve ter voltado no banco da frente, segurando, como faz ainda hoje, a alça cujo nome é impublicável enquanto minha mãe me levava no banco de trás.
Esse Gol amarelo sempre esteve ali ao longo do tempo. Chegaram e foram muitos outros modelos, sempre Volkswagen, que eram os carros de uso do seu Antônio, mas o Gol foi se tornando o xodó. Lembro que por volta da Copa de 1990, meu pai lhe presenteou com o toca-fitas CCE, que está instalado no painel até hoje.
Nos anos 1990 já era um Golzinho experiente, mas sempre usado apenas em pequenos deslocamentos; ao mercado e ao médico, levando meus avós e compras, e geralmente os netos que vieram depois. Habilidoso, lavava e encerava o carro todos os finais de semana, mas sem preciosismo. Era prático e dedicava algum tempo com a manutenção, mas não muito. Apenas tinha ciúme, normal de pai para filho. Além de colocar lençóis para cobrir o Gol na garagem fechada, punha velhos tapetes sobre o carro permitindo que os gatos da minha avó pudessem ali ficar.
Nos anos 2000, minha paixão por carros despertou a atenção do seu Antônio que chegou a permitir que eu levasse o carro para uma boa lavagem e polimento. Antes, ninguém havia dirigido o carro além dele. A idade chegou e o tempo de parar de guiar chegou, o que lhe causou muita dor após décadas de experiência ao volante.
Os tempos de guiar antigos carros importados ficou para trás, deixando o Sr. Camargo com a experiência viva de andar com os modelos VW, sempre muito precisos e de baixa manutenção. Quando comprei um Gol da quinta geração, nos idos de 2014, disse ao meu avô que não havia gostado do carro e ele protestou: “não é bom, mas não dá problema, é Volkswagen, não dá problema”. Da minha pequena coleção de carros antigos, os três VW são seus modelos preferidos: Fusca, Kombi e agora o Gol. Mas como ele veio parar em casa?
Seria natural, pois sou o único neto fã de automóveis apto a cuidar do Gol. Após deixar de dirigir, o seu Antônio emprestou muitas vezes o carro para familiares, seja por necessidade, seja para uso cotidiano. Em pouco tempo, o brilho do carro se apagou. Ganhou rodas de tala larga, ganhou também alguns ralados, uma batida dianteira que amassou o capô, e os reparos feitos por outras pessoas sem muito critério deixou o motor em final de vida útil, para dizer o mínimo.
Em 2015, após um lobby interno entre os familiares, meu avô me entregou a chave e documento e com lágrimas discretas me disse: “deixe o carro bonito como você faz com o seus”. E assim, o carro saiu dali, encostou em uma oficina, e foi restaurado ao longo de um ano.
O motor teve que ser retificado, a primeira retífica ao longo dos seus 50 mil quilômetros originais. As rodas trocadas foram recolocadas, seguindo o padrão original, assim como as lanternas que já eram paralelas após uma batida em um pequeno poste. O trabalho ainda não terminou, mas é certo que o carro foi salvo de um trágico final. Amor para ele, não vai faltar.
Logo que o Gol saiu da oficina eu o levei para mostrar para meu avô e este momento de felicidade para ele foi registrado tanto na foto de abertura, uma selfie, como nas fotos abaixo, quando o Sr. Antônio conferia os detalhes da reforma:
Como eu disse o trabalho de restauração do Gol ainda não terminou, mas ele já está bem apresentável, tanto que já participa dos eventos do Sambódromo, como o da foto abaixo:
Com este causo é feita uma homenagem ao avô do Marcos, Sr. Antônio Camargo, contando a sua história com seus automóveis. Agora este Gol faz parte de uma coleção, mas certamente ele ocupa um lugar especial no coração do Marcos, já que é um carro que faz parte da família desde zero-quilômetro.
Perfil: o Marcos Camargo Jr é empresário na agência Flatbox e atua como jornalista no segmento automobilístico no Jornal A Tarde e também na Matel Produções, empresa que organiza o Feirão Auto Show e o Auto Show Collection.
AG
Créditos e Notas
(1) – Foto de Alexander Gromow
(2) – Fotos de Marcos Antônio Camargo Jr.
(3) – Foto de Glauco Barão
Agradeço ao Marcos Antônio Camargo Jr. por ter concordado em enviar o material para mais este causo aqui na coluna Falando de Fusca & Afins.
Reitero o convite aos caros leitores e leitoras que tiverem seus causos para que os enviem para a nossa análise e eventual aproveitamento aqui na coluna; para tanto coloco o meu e-mail à disposição:
[email protected].