Em 2004, quando surgiram os primeiros indícios de que a Volkswagen do Brasil iria encerrar a fabricação do último motor boxer da marca em produção no mundo — o Fusca mexicano havia deixado de ser produzido em 30/07/2003 —, iniciamos um movimento para que a fabricante promovesse uma cerimônia de despedida à altura do acontecimento.
Para milhares de amantes da marca este momento da despedida da Volkswagen do último elo que a ligava ao grande gênio Ferdinand Porsche tinha um grande significado. Este motor foi desenvolvido pela equipe de Porsche e foi finalizado por Franz Xaver Reimspiess, que acabou resolvendo um problema de aquecimento no quarto cilindro através da adoção do radiador de óleo, viabilizando o uso deste motor no Fusca, visto que havia outras alternativas não tão adequadas em estudo.
No contexto da campanha de despedida do motor boxer eu resolvi elaborar um logotipo para marcar o acontecimento, o mesmo pode ser visto na imagem de abertura. Estabeleci o conceito do logotipo, definindo o que deveria ser reverenciado e contei com a ajuda da designer gráfica, fotógrafa e amante de Volkswagens, a sul-africana Heide-Marie Van der Au, que assumiu a execução da parte gráfica resultando num design muito interessante. O contato com a Heide-Marie foi feito através de um amigo da África do Sul, o John Lemon — com quem eu também havia discutido a questão da despedida do motor boxer. Quando falei da ideia de fazer um logotipo de despedida ele lembrou da Heide-Marie e nos apresentou.
Este logo apresenta à esquerda uma silhueta da fábrica Volkswagen de Wolfsburg onde o motor VW boxer foi inicialmente fabricado. No centro está o motor em sua versão inicial ainda com um cano de escapamento, modelo que equipou os Fuscas até 1953, primeira série. Na direita está a foto de Ferdinand Porsche, o mentor do desenvolvimento do projeto do Fusca que incluiu o fantástico motor VW boxer, arrefecido a ar. Na bandeirola inferior está a era deste motor desde o seu desenvolvimento até a sua despedida das linhas de montagem no Brasil, nada menos que 70 anos.
A Heide-Marie também executou o novo logotipo do Dia Mundial do Fusca, com uma versão para a festa de 20 anos desta data realizada em 2015 em Bad Camberg. E neste ano ela está organizando um grande evento para comemorar esta data na África do Sul:
Mantive contato com a Volkswagen do Brasil desde 2004 em relação à conclusão mundial da fabricação deste motor. Reiteradamente eu disse que:
“O que se pretende é que o motor VW boxer, este ícone ainda presente em centenas de aplicações pelo mundo inteiro, tenha uma despedida honrosa, proporcional à sua importância no cenário automobilístico mundial e ao que ele representou e continua representando para os milhões de brasileiros que usaram e ainda continuam a usá-lo.”
Como em movimentos anteriores, nos quais foram estabelecidos dias comemorativos para o Fusca, que culminaram com o lançamento do Dia Mundial do Fusca, o movimento por uma despedida honrosa para o motor VW boxer foi capitaneado por mim a partir de um site dedicado a este motor: “VW BOXER AIR-COOLED ENGINE 1935-2005“.
Neste site, constituído em 2005, e que teve um precursor na antiga rede social Orkut, cartas em 6 idiomas começavam com a seguinte frase, escrita em letras maiúsculas:
A ERA DO VELHO E FIEL MOTOR PROJETADO PELO PROFESSOR FERDINAND PORSCHE ESTÁ PRESTES A CHEGAR SILENCIOSAMENTE A UM FINAL. NÓS NÃO DEVEMOS PERMITIR QUE ISTO ACONTEÇA SEM UM TRIBUTO RESPEITOSO E SIGNIFICATIVO DE TODOS OS AMANTES VOLKSWAGEN DO MUNDO INTEIRO!
E havia uma razão para isto. O motivo desta angústia toda era a intenção de influenciar positivamente para que no caso da despedida do motor VW boxer não viesse a ocorrer algo semelhante ao que foi feito pela fábrica na parada de fabricação do Fusca em 1986. e que muitos consideraram um desrespeito à sua própria origem e a milhões de usuários brasileiros como foi a propaganda que a Volkswagen do Brasil veiculou para comunicar a parada de produção do Fusca.
Certamente a frase abaixo ainda está na memória de muitos brasileiros:
“Às vezes o avanço tecnológico de uma empresa não está no que ela faz. Mas no que deixa de fazer”, numa referência ao Fusca e com a silhueta dele no fundo da propaganda, porém sem a sua imagem — como se a Volkswagen do Brasil estivesse tentando “apagá-lo da história”.
Eu faço parte daqueles que se sentiram atingidos negativamente por esta propaganda, tanto que coloquei isto claramente, a partir da página 65 de meu livro “EU AMO FUSCA – A história brasileira do carro mais popular do mundo”.
Um exemplo de minhas comunicações com a Fábrica pode ser visto em PDF no seguinte link: “Por uma despedida respeitosa do motor VW Boxer das linhas de produção em nível mundial.”
No final das contas, todo o clamor dos aficionados pela marca, que participaram da campanha de envio de correspondência para a VW do Brasil pleiteando que fosse feita uma festa condigna para a despedida do motor VW boxer, não conseguiu convencer a fabricante, que retirou o motor de linha no dia 23 de dezembro de 2005 seguindo burocraticamente o seu planejamento. As Kombis passaram a ter motor 1,4-litro de quatro cilindros arrefecido a água.
Abaixo uma foto de um boletim interno da Volkswagen mostrando uma homenagem “singela demais” para a importância do motor boxer e considerando os milhões de seus fãs. Um pequeno grupo de operários, ladeados pelo presidente Hans-Christian Maeger e o vice-presidente de operações, Joerg Mueller, ostentou uma faixa onde se lia:
“Dezembro de 2005 – Produção do último motor refrigerado a ar do mundo. 6.282.284 motores produzidos no Brasil desde 1957.”
Observem o motor sobre um cavalete, à direita da foto: a nossa ideia era fundir um motor em epóxi transparente na forma de um cubo, colocá-lo sob um pedestal numa área nobre da fábrica. Seria um “auto-monumento” ao motor boxer.
Para completar, a Volkswagen do Brasil repetiu em sua informação à imprensa (press release) o mote da contestada propaganda que anunciou o fim da produção do Fusca publicado em 1985 (detalhes sobre esta propaganda de 1986 podem ser vistas na parte final da matéria “Mach’s gut, Großer! – Valeu Grande!” — sobre as despedidas do Fusca, na parte que fala sobre a primeira despedida do Fusca no Brasil
O aludido parágrafo do press release foi o seguinte:
Em 1986, ao anunciar a descontinuação do Fusca, a Volkswagen do Brasil e a agência de propaganda Almap criaram um comunicado que se tornou célebre na história da propaganda: “Às vezes o avanço tecnológico de uma empresa não está no que ela faz. Mas no que deixa de fazer”. Mais uma vez, a Volks depara-se com a necessidade de substituir um verdadeiro patrimônio de sua história: o motor arrefecido a ar.
A íntegra deste press release pode ser vista em PDF no link: “Kombi Série Prata decreta a despedida do motor VW a ar”. Na verdade, este título não foi lá muito feliz, pois ele infere que a Kombi Série Prata foi responsável pela descontinuação do motor a ar, quando na verdade ela foi feita para celebrar este motor!
No parágrafo do press release reproduzido acima, a Volkswagen divide a responsabilidade da aludida propaganda com a agência de propaganda Almap, só que não! No dia 19 de dezembro de 2011, depois de ter recebido meu primeiro livro, o Alex Periscinoto me chamou para bater um papo e, como era de se esperar, ele acabou se referindo ao que eu escrevi sobre esta propaganda. Ele me disse com muita gravidade, olhando em meus olhos: “Não tínhamos saída, o tom desta propaganda foi uma exigência da Volkswagen do Brasil.”
Como eu já previa que a conversa poderia ser sobre este assunto, eu tinha levado basicamente o material da matéria “Mach’s gut, Großer! – Valeu Grande!”, com ênfase à simpática despedida do Fusca na Alemanha e a extremamente emotiva despedida no México. Depois de recapitular todo aquele material o Alex, muito triste, disse: “Sim, tínhamos que ter feito uma despedida melhor”.
Um dos pontos mais emotivos desta conversa foi quando eu falei sobre o vídeo que eu tinha recebido do setor de imprensa da Volkswagen do México feito para a despedida do Vocho (confesso que continuo a me emocionar cada vez que revejo este vídeo – duração 01:03):
Voltando à interação com a Volkswagen do Brasil em relação à despedida do motor boxer, eu tinha um excelente contato com o Paulo Sérgio Kakinoff, então diretor de Vendas e Marketing e nós trocávamos ideias sobre a despedida. Foram muitos e-mails e telefonemas que resultaram na Kombi Série Prata. Estes contatos influenciaram a fábrica para o lançamento deste veículo, o que já foi um feito marcante.
Recentemente, em contato com o Kakinoff, eu falei sobre a matéria sobre as Kombis Série Prata e, em 12 de fevereiro último, ele me enviou o seguinte testemunho:
“Naquela ocasião, todo o nosso time de marketing estava diante de uma responsabilidade enorme, que era a de encontrar uma maneira marcante de celebrar o fim da produção da tecnologia que, pelo mais longo período de tempo na história da indústria automobilística mundial, foi o sinônimo da própria marca — o motor VW arrefecido a ar. Dentre várias reuniões e propostas criativas, se destacam em minhas lembranças da época as muitas trocas de ideias com o amigo Alexander Gromow, as quais acabaram por influenciar na configuração da hoje clássica e disputada Kombi Série Prata.”
Hoje em dia o Kakinoff é presidente-executivo da Gol Linhas Aéreas.
Porém, a não realização de uma cerimônia de despedida do motor VW boxer deixou um forte sentimento de tristeza que foi externado em um Fórum de Fuscas e nele, tendo a colaboração de Humberto Horta, de Manaus, presidente do Clube do Fusca da Amazônia, foi lançada a ideia de fazer eventos para marcar a despedida, do ponto de vista dos amantes da marca.
Surgiram os “Roncaços do Motor Boxer” que acabaram sendo realizados em toda a América Latina a partir de janeiro de 2006, este evento esse que veio a se repetir por mais dois anos.
Exemplos de Roncaços do Motor Boxer no Brasil
O evento na Grande São Paulo teve dois “motivadores”, eu e Edivaldo “EDI” Hidalgo Fernandez. Assessorado pelos vários grupos de aficionados, ele levou o evento a cabo, com sucesso. Nós dois dividimos a coordenação de campo. O Edivaldo delegou a direção de seu Fusca à sua esposa e optou por se deslocar em um scooter para ter a mobilidade necessária para poder orientar o evento. Eu ia puxando o cortejo com meu carro e a comunicação com o Edivaldo era pelo celular.
Algumas fotos do Roncaço de São Paulo:
O adesivo do evento paulista trazia o nome de todos os clubes e associações que participaram deste primeiro Roncaço: 288 Club, Aliados Fusca Club, CIA do Fusca, Clã do Fusca, Clube do Fusca Rio Claro, Fuketa’s da Sul, Fusca Clube ABC, Fusca Clube de Mogi das Cruzes, Fusca Clube de São Roque, Fusca Clube do Brasil, Fuca da Frega, Fusca da Pedra, Fuscamania Mauá, Fusca Maniac’s, Fusca Clube Descalvado, Fuscohab, GEX Clube, Hot Club Pirituba, Pirituba Fusca Clube, Scuderia Fusca Club, Sindicato da Fuca, Só Fusca Club, Só Raiz, Szzpeedy Fusca e Toca da Fuca; adicionalmente compareceu a Confraria do Fusca de São Paulo. Isto mostra o poder de aglutinação de amantes que o Fusca possui.
As comitivas destes clubes se reuniram em diversos pontos de encontro de encontro e, de lá, rumaram para o ponto de encontro geral que foi a praça Charles Miller em frente do Estádio Municipal do Pacaembu; uma logística toda especial que movimentou boa parte da cidade para depois inundar a Avenida Paulista de Fuscas — o que mostrou a grande adesão ao evento em homenagem ao motor boxer.
O evento de São Paulo era muito importante para quem lutou por uma festa de despedida e a ausência desta gerou um evento de desagravo que contou com a significativa presença de carros equipados com o motor VW boxer arrefecido a ar. Tanto foi assim que foi elaborada uma camisa especial para o evento:
Um flagrante desta camisa em plena ação na concentração dos carros na frente do Estádio do Pacaembu na manhã do dia 22 de janeiro de 2006. Nesta foto eu estava fazendo a preleção inicial do evento conclamando a todos para uma participação ordeira seguindo as regras de trânsito e a orientação da coordenação do evento:
Para dar uma ideia mais completa do primeiro “Roncaço do Motor Boxer” em São Paulo (depois foram realizados mais dois em anos subsequentes), assista ao vídeo (02:57):
Este evento foi motivo de uma reportagem na edição de março de 2006 da revista portuguesa Topos & Clássicos..
Algumas fotos do evento de Belo Horizonte enviadas por Francisco José do Prado Pizarro Júnior, que também foi realizado no dia 22 de janeiro de 2006 – em conjunto com a comemoração do Dia Nacional do Fusca:
O evento em Poços de Caldas foi na noite de 14 de janeiro de 2006; e as fotos foram enviadas pelo Juliano Dalla Rosa:
Em Manaus, o evento foi realizado na Concessionária Solimões no dia 22 de janeiro de 2006, fotos enviadas por Humberto Horta:
Em Manaus também foram apresentados exemplares da Kombi Série Prata, e a Concessionária Solimões tinha até um pequeno estoque delas:
O evento de Lajeado, RS, realizado no dia 22 de janeiro de 2006, reuniu carros de uma grande região gaúcha; as fotos foram enviadas por Jorge Moeschen:
Na maioria dos eventos o logotipo de despedida foi usado, um exemplo disto foi o cartaz do evento de Curitiba:
No evento de Curitiba, como em vários outros, foram apresentadas Kombis Série Prata, e na foto abaixo se pode ver que o logotipo da despedida do motor boxer foi usado na documentação afixada no para-brisa deste exemplar:
Algumas fotos do evento de Curitiba enviadas pelo Camilo Fontana:
Exemplos de Roncaços em outros países da América Latina
Naquela época eu fiz uma conclamação internacional convidando clubes de outros países para realizarem seus “Roncaços do Motor Boxer” e isto resultou na realização destes eventos em muitos outros países.
Alguns exemplos do Roncaço 2006 em outros países da América Latina, o que demonstrou a abrangência do “protesto”:
Roncaço na Costa Rica foi realizado na noitinha do dia 11 de fevereiro de 2006, e as fotos foram enviadas por Álvaro López Morales:
O evento da Costa Rica foi um Roncaço real, pois ao comando da organização os participantes funcionaram os motores de seus carros e aceleraram por alguns minutos (este procedimento foi repetido no Uruguai, no Peru e em outros países):
No evento do Peru, algumas das fotos enviadas por Miguel Ángel Llaves do evento realizado no dia 29 de janeiro de 2006:
O evento do Peru também foi registrado em vídeo por um canal de televisão local:
Do Uruguai, Juan Gómez enviou fotos de um evento campestre realizado no dia 19 de fevereiro de 2006:
O Rodrigo Kurmen Figueroa, da Colômbia, enviou fotos do evento de lá que foi realizado no dia 10 de abril de 2006 em Santa Fé de Bogotá:
Também houve espaço para um Roncaço solitário como o amigo Guilhermo Müller de Buenos Aires. Ele deu a partida de sua Kombi antiga na base da manivela:
O evento foi realizado em outros países também, mas estes exemplos mostram a pujança dos “Roncaços do Motor Boxer” e demonstram que havia sim espaço para uma grande comemoração de despedida deste motor por parte da própria Volkswagen do Brasil,
Para concluir esta matéria sobre a Kombi Série Prata eu gostaria de apresentar uma intrigante curiosidade. Sabemos que a produção de Kombis com motor arrefecido a ar foi interrompida no dia 23 de dezembro de 2005. Pois bem, isto já estava planejado há um bom tempo; então qual seria o motivo da Volkswagen do Brasil emitir um folheto de Kombis arrefecidas a ar para 2006?
Eis o tal folheto que eu recolhi pessoalmente numa concessionária do Morumbi em São Paulo:
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Com esta Parte 3, que mostra o meu envolvimento na história da Kombi Série Prata, terminamos uma matéria completa sobre este veículo tão especial. A esperança, do André Chun e minha é que esta matéria devolva às Kombis Série Prata o seu real valor e que ela motive a recuperação de alguns exemplares para que voltem a ocupar o seu lugar especial.
Navegador entre as partes desta matéria:
Parte 1
Parte 2
AG
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