Até entrar finalmente em produção, o Fusca precisou passar por bastante desenvolvimento, especialmente na carroceria. Nesta edição da coluna “Falando de Fusca & Afins, toda a história do protótipo final, a Série VW39, um dos veículos utilizados por Ferdinand Porsche para testes de velocidade.
Após os testes bem-sucedidos, análises e interesse público nos carros da série anterior VW38, a próxima etapa do projeto da Volkswagen tinha que começar. Os carros VW38 foram construídos por um ano e teve de 44 unidades fabricadas. Esses carros ainda estavam sendo desenvolvidos à medida que eram produzidos, com inúmeras mudanças sendo introduzidas com base no feedback dos testes.
O VW38/03 (terceiro VW38 produzido) sobreviveu à Segunda Guerra Mundial e hoje está no acervo da Volkswagen em Wolfsburg, Alemanha – sendo o mais antigo carro desta série existente. Encontra-se sobre um pedestal cercado por cartazes vazados com os dizeres “KdF Wagen” escritos em caracteres góticos. Os novos Volkswagens foram frequentemente exibidos em vários festivais e shows. Ao contrário dos protótipos anteriores, os VW30, que não foram mostrados ao público intencionalmente, sendo todos destruídos depois de terem participado do teste para o qual eles foram produzidos. Os carros da Série VW38 tinham a forma definitiva “do carro que todos os alemães deveriam um ter dia…”
Uma das primeiras fotos de divulgação com o VW38 /03 andando em uma Autobahn rebocando um trailer,uma carga grande para seu motorzinho pequeno de 985 cm³ — mas valia tudo. Esse tipo de foto foi muito importante para a campanha publicitária que divulgava o novo Volkswagen como “um veículo versátil capaz de qualquer coisa”. Observe que, como era usual neste tipo de material naquela época, esta foto foi retocada.
Conforme a previsão inicial ,era para serem fabricados 50 carros da Série VW39 no primeiro semestre de 1939, mas isso nunca chegou a se completar. O projeto estava sempre atrasado e apenas cerca de 17 unidades foram feitas entre meados de 1939 e meados de 1940. O início da Segunda Guerra Mundial em 3 de setembro de l939 (data da declaração de guerra da França e da Inglaterra à Alemanha após esta invadir a Polônia dois dias antes) teve muito a ver com isso, mudando também o foco da indústria alemã para os veículos militares.
Não é fácil escrever sobre os carros da Série VW39, pois, ao contrário dos da Série VW38, há muito pouca informação disponível sobre ela.
O VW39 visualmente parecia-se muito com o modelo VW38 (de chassi número 25 em diante) e era quase idêntico aos primeiros carros de produção a partir de 1941 fabricados na fábrica em Fallersleben, que era o nome original da região onde a fábrica foi construída e que hoje faz parte do município de Wolfsburg — nome dado pelos ingleses mal terminada a guerra, que renomearam a localidade onde agora está a primeira fábrica e sede administrativa da Volkswagen na Alemanha.
A diferença visual principal entre o VW38 e o VW39 é o número de fendas na grelha de entrada de ar abaixo das duas janelas traseiras: o VW38 tinha 24 de cada lado; já o VW39 tinha 21 por lado. Também se destacam os seguintes detalhes: o vinco pronunciado na tampa do motor, que depois foi arredondado, as garras de para-choque em forma de chifre e o aquecimento interno melhorado. O VW39 foi concebido para ser a versão final do protótipo e, como já dissemos, ele era, basicamente, o modelo pronto para a linha de produção.
A fascinante foto abaixo mostra um VW39 sendo montado na oficina Reutter. Os componentes estampados de peça única foram dispostos em primeiro plano, mostrando (1) os para-lamas dianteiros sem recorte para o orifício para a carcaça dos faróis. A (2) tampa do motor ainda não foi aparada e com o seu vinco pronunciado. Um (3) capô dianteiro e um (4) para-lama traseiro visto em segundo plano. É muito provável que esses painéis tenham sido estampados pela empresa Friedrich Volk ESEM – Erzgebirgische Schnittwerkzeug- und Maschinenfabrik – Ferramentaria e Fábrica de Máquinas dos Erzgebirge (cadeia montanhosa entre fronteira da Alemanha e a então Checoslováquia, hoje República Checa) da cidade alemã de Schwarzenberg. Outra curiosidade são os (5) grampos provisórios que prendiam o teto às laterais.
Uma carroceria montada de partes totalmente prensadas que foi exposta na Feira da Primavera de Leipzig realizada entre 5 e 13 de março de 1939 (lembrando que a fábrica Volkswagen passou a fabricar sedãs somente a partir de 1941). Os representantes da empresa Friedrich Volk ESEM posaram orgulhosamente com o resultado de seu trabalho.
A mesma carroceria de VW39 já vista acima, agora sendo usada numa propaganda da Friedrich Volk ESEM que apresenta algumas informações interessantes. A começar pelo desenho da fábrica, no canto superior esquerdo, mostrando que era uma empresa grande. Os dizeres do logotipo, indicado com a seta vermelha, são, no mínimo, curiosos: “Fr. Volk” onde o “Fr.” certamente queria dizer “Friedrich”, só que a abreviação “Fr.” normalmente é usada para “Frau” — que é senhora em alemão (!?!). Já a tradução da frase circundada em vermelho mais para baixo na ilustração é: “As amostras de chapa metálica da carroceria KdF expostas foram fabricadas nas nossas próprias prensas com as ferramentas de nossa fábrica sem retrabalho”, o que certamente era um indicativo da qualidade do trabalho desta empresa
A carroceria do VW39 também foi montada à mão nas oficinas da Reutter, do outro lado da rua em relação à firma de Engenharia de Ferdinand Porsche. Esta carroceria era construída inteiramente a partir de componentes estampados, enquanto a carroceria dos VW38 era composta der componentes conformados à mão. Nesta fase, porém, havia motivos para se acreditar que as últimas carrocerias de VW38 já foram construídas, pelo menos parcialmente, com componentes estampados.
Na atarefada oficina da Reutter era feita a montagem de algumas das últimas carrocerias de VW38. Observe, na foto abaixo, as 24 aberturas nas grelhas entrada de ar (1) abaixo das janelas traseiras da carroceria em primeiro plano; bem como o (2) recorte para a maçaneta da porta em estilo “geladeira”, de puxar, detalhes que nos indicam que estas carrocerias eram para os carros de chassi número 25 e mais novos. Parece que a foto é um pouco encenada, pois ela mostra muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. E é fascinante de se ver um funcionário segurando (3) as laterais traseiras do carro em posição no fundo da foto, enquanto outros três trabalham (4) nos arcos do teto interno de outra carroceria à sua direta na foto. Naquela época não havia nenhum gabarito de carroceria “extravagante” naquela oficina, era tudo feito de maneira artesanal mesmo.
Nos carros da Série VW38 houve um notável redesenho da carroceria a partir dos carros 25 e 26, com algumas pequenas alterações introduzidas em alguns dos carros anteriores (lembrando que eram carros praticamente “feitos à mão”, fabricados individualmente o que facilitava a introdução de alterações):. um painel com um novo estilo, com porta-luvas sem tampa e sem que a coluna de direção o atravessasse; novo design do capô dianteiro e da tampa do motor (com cantos arredondado, semelhantes aos dos carros de produção posteriores); maçanetas tipo “geladeira” e saídas de aquecimento nos cantos do para-brisa são algumas das mudanças mais óbvias.
A empresa Friedrich Volk ESEM se orgulhava de ter sido selecionada para produzir as ferramentas de estampagem e os primeiros componentes estampados para o Volkswagen. Especula-se que esta empresa produziu os componentes estampados da carroceria para os primeiros 100 KdF antes de que as prensas de estampagem na fábrica em Fallersleben tivessem sido instaladas e estivessem plenamente funcionais.
A foto abaixo é fascinante, pois ela mostra uma carroceria que tem todas as características de um VW39. Tem para-lamas (1) dianteiros de estilo suave, a (2) saia dianteira de estilo mais avançado, completo com batentes de borracha; recessos (3) para a maçaneta da porta de estilo “geladeira” e o que parece ser uma dobradiça (4) do capô dianteiro do tipo de aparafusar ao capô. Nos VW38 a dobradiça era soldada ao capô e não era ajustável. Ainda está faltando o painel (5) de fechamento do teto; ao que tudo indica, nesta fase do desenvolvimento o teto ainda não era feito de uma peça única:
Até o inicio da produção em Fallersleben os carros eram montados na oficina da firma de Porsche em Stuttgart. Observe na foto abaixo o chassi com dois botões de puxar para o afogador e aquecedor — indicados pelas setas vermelhas. O chassi do VW38 tinha apenas o botão do afogador. sugerindo que estes chassis podem ter sido para os VW39 ou mesmo para os primeiros carros de produção do KdF-Wagen.
Em outra foto deste carro. é muito interessante ver os funcionários da Reutter assim de perto. O jovem em primeiro plano, à esquerda, não parece ter mais que 18 anos. O painel do teto ainda não tinha sido instalado. O cavalete para a montagem da carroceria era uma simples estrutura de madeira. Chama a atenção o tipo de reforço instalado dentro do para-lama, indicado pela seta vermelha. Isso só esteve presente no VW38 e, também, nos carros VW39. Os KdF de produção não tinham mais isso.
Em outra foto do mesmo carro, o tal funcionário jovem agora aparece perto do capô dianteiro. Observe que o capô ainda tinha que ser trabalhado para retirar o excesso de metal da estampagem. No lado direito da foto se vê o painel do teto sendo trabalhado.
Vista de outro ângulo, a carroceria está sendo preparada para receber o teto que também está sendo preparado para esta etapa da montagem.
Há alguns anos, algumas amostras de gabaritos de alguns componentes foram encontradas na fábrica da Friedrich Volk ESEM. Estes gabaritos seriam usados para o VW39, que ainda eram protótipos, bem como para os primeiros carros de produção. A lateral traseira esquerda apresenta algumas anotações como: “Fensterausschnitt nicht nach diesen teil” (Recorte da janela não segundo esta parte) e “Für lochwerkzeug Kom.147.” (Para a ferramenta de furação Kom.147).
Outra parte encontrada foi a chapa de cobertura externa do teto, que, curiosamente, apresenta um recorte para um grande teto solar de enrolar (tipo roll-back)
Os tetos solares tipo “roll-back” eram muito simples e grandes: como neste VW38 com este tipo de teto:
Uma curiosidade dos tempos de guerra: os faróis dos carros vinham com uma cobertura de “black-out” para não serem detectados por aviões inimigos à noite,. como se pode ver na foto em aparece o VW39 chassi 1-04, motor 39/109 que recebeu a placa IIIA-43036. Este carro, que estava aos cuidados do Ministério da Aviação do III Reich, foi um famoso “garoto-propaganda” e apareceu em inúmeras fotos; como nesta na qual se pode ver a cobertura de “black-out” dos faróis:
Nestes carros a luz de freio atuava na luz de placa e era bastante forte, o que levou à necessidade de se usar uma cobertura de “black-out” nela, como se pode ver na foto abaixo — indicada pela seta vermelha — os KdF de produção tinham um desenho diferente que contornou este problema:
Falando de fotografias promocionais e como elas foram usadas: na foto abaixo vê-seuma vitrine de promoção do KdF decorada com fotos. A foto à esquerda é do carro VW38/23 e no centro parece ser a foto do carro IIIA-43036, um VW39, com esquis no teto. Como esta havia milhares de vitrines semelhantes espalhadas pela Alemanha:
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Assim terminamos a apresentação da pouco conhecida Série VW39, antecessora imediata dos KdF de produção.
Mas, numa próxima matéria vamos falar do VW39/03, placa IIIA-43028, o único desta série que ainda existe e cuja foto esta na imagem de abertura desta matéria; já tendo passado por muitos problemas graves dentre eles um devastador incêndio da coleção na qual ele estava — ele foi totalmente danificado pelas chamas. Talvez este seja um excelente e raro exemplo de “Fênix” automobilístico!
AG
Desta vez o meu agradecimento vai para o Undis Kanepe especialista nos protótipos dos primeiros tempos da Volkswagen.
O Undis liberou o material que ele havia postado no site The Samba e no Facebook, além de responder perguntas específicas que fiz por e-mail.
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