Que o Porsche 911 é um dos carros de corrida mais bem-sucedidos de todos os tempos, não há dúvida. Venceu praticamente em todos campeonatos de que participou, em quase todas as pistas do mundo e por décadas é tido como um dos melhores carros esporte do mundo. E tudo isso com o motor pendurado atrás do eixo traseiro. Isso até pouco tempo atrás, quando o modelo de corrida inaugurou a geração 991 do RSR, a versão mais sofisticada para as pistas.
Nas temporadas atuais dos dois principais campeonatos de endurance do mundo, o FIA WEC mundial e o IMSA norte-americano, o RSR já corre com a configuração de motor central, abandonando a mais tradicional e emblemática característica do 911. Convenhamos, a Porsche conseguiu fazer o 911 competitivo com motor traseiro por muitos anos, o que já é um grande feito.
Mas o que levou a marca de Stuttgart a mudar a principal característica do carro? A resposta é bem simples: competitividade.
A concorrência nas pistas hoje não é fácil. Os principais rivais da Porsche em diversas categorias de ponta espalhadas pelo mundo são Ferrari, Ford, Audi, Corvette, BMW e Aston Martin. Os três primeiros foram concebidos com a configuração de motor central, enquanto que Aston, BMW e Corvette possuem motor dianteiro, mesmo que muito recuados para trás do eixo dianteiro.
Por mais que a Porsche sempre valorizasse seu motor traseiro pela melhor capacidade de tração, uma vez que há mais peso nas rodas traseiras, o que ajuda na aceleração com menos perda de aderência, os efeitos cotovelo de maior momento polar de inércia e distribuição de peso irregular sempre existiram, mas a engenharia alemã conseguia contorná-los.
O que mudou de pouco tempo atrás para agora? A concorrência está ficando cada vez mais forte e o 911 já estava em seu limite. O jeito de aprimorar mais ainda o que já era bom tinha que ser com alguma mudança mais radical, e a posição do motor foi o alvo da vez.
Com o motor montado no centro do carro, à frente do eixo traseiro, a Porsche conseguiu melhorar alguns pontos:
– a distribuição de peso
– o momento polar de inércia
– a aerodinâmica
A questão do peso deixou o carro mais equilibrado, o que significa que o peso no eixo dianteiro não é tão diferente do peso no eixo traseiro. A distribuição mais equilibrada é favorável em diversos aspectos, como desgaste de pneus e melhora na dirigibilidade. O momento polar de inércia melhorou, pois não há mais uma grande concentração de massa atrás do eixo traseiro. Todos os componentes pesados ficaram entre os eixos.
Talvez o principal ganho tenha sido na aerodinâmica. Sem o motor no lugar tradicional, há mais espaço para que um extrator maior e mais eficiente seja utilizado. Os carros de motor central podem aproveitar melhor a área embaixo do carro no balanço traseiro, pois ali geralmente só fica o final da carcaça do transeixo, e apenas no centro do carro.
Um outro ponto que a Porsche mudou para a versão de 2020 do RSR foi o roteiro do escapamento, tirando as saídas traseiras e utilizando saídas laterais, na frente das rodas traseiras. Todo escapamento não precisa mais “encontrar” um caminho para sair do centro do carro, passar pela suspensão traseira e achar uma saída entre a carroceria e o extrator, como é no carro atual.
Vendo o modelo 2019 com os escapamentos laterais pela primeira vez, é de se imaginar que a Porsche voltou atrás e colocou turbocompressores no motor, pois as saídas de escapamento próximos à turbina é um recurso normal em carros de corrida, e geralmente acabam ficando na frente das rodas traseiras. Mas é apenas coincidência, pois o RSR mantém o motor boxer de seis cilindros de aspiração natural.
Não é a primeira vez que vemos um 911 de motor central. Nos anos 90 havia o GT1, mas que, de fato, de 911 não tinha praticamente nada. Contamos a história do GT1 aqui no Ae. Desta vez, o 911 continua sendo um verdadeiro 911, apenas com o motor invertido.
O time de engenharia da Porsche veio trabalhando neste projeto desde 2015, quando Frank Walliser assumiu a divisão de motorsport da empresa. Como nos campeonatos de hoje existe um regulamento que tenta equilibrar o desempenho dos carros, o chamado Balance of Performance (BoP), trabalhar unicamente em potência do motor não resolveria, por exemplo fazendo o RSR ser turbocomprimido, pois o balanço iria cortar os ganhos do turbo.
O resultado de todo o trabalho da Porsche em fazer um 911 nestas condições é visto nas vitórias que o 911 conquistou. Foi campeão da temporada da WEC, venceu em Le Mans e em Daytona, e ainda pode ser campeão da IMSA. Há outros fatores no meio, com certeza, mas o fato do RSR ter este conceito de motor central ajudou muito no desempenho geral.
Para muitos puristas, esse RSR pode ser um sacrilégio, mas para a Porsche, é um vencedor. A marca não faz nenhum alarde sobre o motor central como se fosse um novo milagre da dinâmica veicular, então para quem vê o carro e não tem afinidade com os projetos, nem imaginaria que o motor não está no lugar de sempre. Aos olhos, é um 911 de corrida.
Independente de ser ou não um pecado para os amantes do 911, o RSR é um dos melhores carros de corrida que a Porsche já fez. Teria sido mais fácil usar o 718 que já é produzido com motor central? Sim, mas não seria um 911 de corrida. E um 911 de corrida precisa existir.
E devemos nos lembrar que o primeiro Porsche, o 356/1, de 1948, tinha motor traseiro-central.
MB