O motor de Fusca também é usado para aviões pequenos, uma aplicação pouco conhecida e que é desvendada através de um exemplo prático: uma matéria que ensina a fazer em casa um avião monomotor e monoplace (só o piloto).
Trata-se da reprodução da matéria originalmente escrita por Kevin V. Brown e desenhos técnicos de Fred Wolff, publicada no Brasil na revista Mecânica Popular — edição em português da revista americana Popular Mechanics (daí algumas indicações em dólares), da década de sessenta. Lembrando que esta revista era especializada em “do it yourself” — faça você mesmo. Abaixo a capa desta revista que trazia a foto do avião com motor de Fusca em pleno voo:
O artigo original foi publicado pela Popular Mechanics no exemplar de maio de 1968, e para se ter uma noção da evolução dos preços, em 1968 o preço de capa desta revista era de US$ 0,50 e o preço atual é de US$ 4,99. Kevin V. Brown era o editor de Aviação da revista.
A matéria, traduzida
Toda vez que parece que alguém estabeleceu a última palavra em alguma coisa, surge logo outro que, com a sua novidade, deixa a anterior em segundo plano.
É o que acaba de acontecer no campo de construções de aviões por amadores. A média do custo de um avião de construção caseira, nos Estados Unidos, estava orçada em torno de mil dólares e era considerada boa, tendo-se, em conta que o trabalho haveria de ser basicamente executado em madeira e tela. Temos, agora, um novo projeto, provindo de Daphne, no Alabama, pelo qual o custo do avião, todo construído em metal, e que qualquer principiante poderá montar, fica, apenas, em 600 dólares.
Suas características principais são:
- Motor Volkswagen, paradigma de confiabilidade e baixo custo;
- Construção toda de metal. Fácil disponibilidade de peças sobressalentes e ferramentas
- Um avião de fácil pilotagem, não muito veloz, porém esportivo;
- Projeto de simples execução por um só homem, sem necessidade de equipamentos ou técnicas complicadas.
Tudo isso surgiu dos esforços e da imaginação de Calvin Parker, engenheiro-chefe de uma estação de rádio da Mobile e que aprendera a voar em 1946. Construiu alguns aviões baseado em desenhos de outros, mas sempre foi de opinião que haveria de existir um método mais simples e que por ele pudesse ser executado. Durante o tempo em que esteve trabalhando para uma grande fabricante de aviões na Costa Oeste, conseguiu, depois do expediente, o auxílio de colegas de escritório, com os quais procurou calcular quais seriam os metais mais leves e resistentes para usar com absoluta segurança no seu projeto.
Depois que todos os cálculos foram realizados, decidiu que usaria o dobro dos números relativos aos materiais, dando início, então, a sua empreitada do “Jeanie’s Teenie” (devido a Jeanie, sua filha, que o ajudou a iniciar a construção, e Teenie, que corresponde a algo pequeno)..
Visitei Parker na sua torre de rádio e ele me como o “Jeanie’s Teenie” foi construído. Mais tarde, fui ao aeroporto e plotei o primeiro avião.
“Eu o projetei em torno do motor Volkswagen,” disse ele, enquanto me mostrava filmes do “Teenie” em ação, “e creio que é a primeira vez que é usado metal. Alguns aviões feitos em casa foram adaptados para o VW, mas eu comecei já pensando no VW. É leve, confiável e relativamente barato. Também, muitos kits de conversão tornam-no facilmente adaptável para uso em aviões.”
Como qualquer construtor amador sabe, a chapa de metal tanto pode ser uma bênção como uma maldição. Teoricamente, um avião de metal deveria durar eternamente, enquanto que um de madeira e lona tem a sua vida limitada, exceto nos casos em que tenha recebido um cuidado todo especial. Todavia, trabalhar com chapa de metal não é para qualquer um, pois exige o uso de equipamento complicado e ferramentas caras, acrescendo ainda a necessidade de se aprender a lidar com as idiossincrasias do metal.
Parker resolveu a maioria de seus problemas fazendo o desenho do avião baseado em metais que pudessem ser facilmente adquiridos em qualquer loja do ramo e que também pudessem ser cortados e formados com ferramentas simples, tais com um martelo de cabeça de plástico e tesoura de cortar chapa.
Por exemplo, a maior parte da fuselagem e das asas, incluindo as longerões e as nervuras, foi construída de folhas de alumínio tipo 2024 T3, nas espessuras de 0,020 e 0,040 polegada (a propósito, as espessuras correspondem ao dobro do que Parker e seus amigos calcularam como sendo o mínimo requerido para a segurança do avião). Os tirantes inteiriços para as superfícies de controle — uma das maiores inovações de Parker, que eliminam as complicadas polias e cabos —além das saliências de reforço e de ligação, são peças padronizadas que podem ser obtidas com facilidade.
UM MÍNIMO DE CONHECIMENTO
Para a construção do avião se exige apenas um mínimo de conhecimentos técnicos. O trem de pouco e a barra do leme, por exemplo, precisam de algum trabalho de solda e o cubo da hélice necessita de alguma usinagem, casos estes que podem ser entregues a alguma oficina mecânica. Para o restante, Parker mostrou como a maioria das peças foi formada.
“Não é preciso nenhum gabarito especial ou limitador,” disse ele, colocando uma chapa de alumínio e fixando-a simplesmente entre blocos de madeira de 2 por 4 polegadas, com um grampo “C” (“sargento”) e seccionando-as
Neste ponto Kevin disse: “Observando-o trabalhar, notei que uma tira de cerca de uma polegada encontrava-se saliente e ele começou a martelá-la suavemente com um martelo de plástico.”
No que o Parker explicou: “Começo de um lado e sigo até o fim. Quando se bate com muita força, a chapa pode rachar ou rasgar, de modo que é preciso realizar a operação diversas vezes, para lá e para cá, com suavidade, para que a chapa possa ser dobrada sem danificá-la.”
Para dobrar pedaços maiores, tais como as chapas que irão formar o bordo de ataque das asas ou as peças para o conjunto da cauda, o processo usado para arquear as chapas foi prender um bloco de madeira sob a chapa, no meio dela, e depois ficar de pé sobre as extremidades. As nervuras para as asas necessitam de cuidado especial. Foram executados cortes nas bordas, uma vez que as dobras teriam que ser feitas em curva. Foi preparada uma matriz de compensado para formar as nervuras e, depois, com o que sobrou da madeira e que coincidia exatamente com a matriz, fabricou-se a placa de vedação da asa, no próprio local, enquanto estava sendo rebitada às nervuras e ao longerão.
Todas as rebitagens foram feitas com rebites pop, evitando dessa forma as complicações que podem resultar do uso dos rebites convencionais.
O CUSTO
Junto com Parker, o Kevin preparou uma relação dos diversos custos para determinar em quanto ficaria o avião. Como em outros casos de aviões construídos por amadores, o custo varia de acordo com a habilidade individual e o emprego de peças conseguidas em ferro-velho. Aqui, porém, está uma estimativa média razoável [lembrando que esta matéria é dos anos 60]:
Motor Volkswagen — US$ 250
Chapas de alumínio e hastes— US$ 200
Instrumentos (grupo básico) — US$ 50
Rodas de kart — US$ 40
Hélice especial — US$ 40
O que certamente poderá ter a maior variação é, sem dúvida, o preço do motor. Nas listas de preços, os motores VW recondicionados, até 34 cv, variam de US$ 160 a US$ 400, dependendo do ano de fabricação.
ESPECIFICAÇÕES E DESEMPENHO
Quanto às especificações do avião, não foi possível obter uma lista completa delas, uma vez que o “Teenie” só tinha 12 horas de voo. A lista das especificações e de rendimento seria, porém, mais ou menos, o que segue:
Motor — Volkswagen ’57
Potência — 30 cv
Rotação máxima — 3.100 rpm
Hélice — Tipo Hegy especial
Envergadura 18 pés (6,49 m)
Comprimento — 11’11” (3,63 m)
Área alar — 3 x 18 pés (0,91 x 6,49 m)
Tripulação — 1 pessoa
Peso bruto — 550 lb (249 kg)
Peso vazio — 285 lb (129 kg)
Carga útil — 265 lb (120 kg)
Capacidade de combustível — 7 gal. (26 l)
Velocidade de decolagem — 40 mph (64 km/h)
Distância de decolagem — 300 pés (190 m)
Razão de subida — 1.000 pés//min (304 m/min)
Velocidade máxima — 85 mph (137 km/h)
Autonomia de voo — 3 horas
Distância de pouso — 500 pés (152 m)
COMPORTAMENTO
Parker assegurou que o seu avião não estola, mas que afunda rapidamente, porém com total controle. A estas alturas Kevin comentou: “Não tive a oportunidade de certificar-me disso. No dia em que fiz o voo de teste, as condições atmosféricas não eram nada boas. Os tornados tinham acabado de passar pela região e tínhamos um forte vento cruzado com rajadas, e um teto de 1.000 pés (304 m). E, como tinha que fazer o voo da melhor maneira possível, a experiência com o avião foi feita de maneira incompleta.
Mesmo assim, aprendi o suficiente para localizar os dois problemas maiores que outros construtores de “Teenies” irão encontrar em seus primeiros voos. O motor do VW que na melhor das hipóteses desenvolve 34 cv, aproximadamente a metade do menor motor padrão de avião, se bem que é perfeitamente adequado ao pequeno “Teenie”. Mesmo assimnão existe muita margem de erro. E, também, devido ao fato de o avião ser tão leve, deve-se estar acostumado com ele, e eu não estava; ele é extremamente obediente aos controles porém muito sensível, característica essa, aliás, peculiar dos aviões de construção caseira.”
E continuou Kevin: “Para completar, na decolagem não consegui levar o acelerador até seu fim de curso. Ele era do tipo trava, e eu estou acostumado ao tipo de atrito, de modo que travou cerca de uma polegada antes do ponto em que obteria a potência máxima. Depois de já ter percorrido mais ou menos um terço da pista, experimentei tirar o avião do chão e ele subiu — saltou — cerca de 10 pés (3 m). Baixei o nariz e aparelho oscilou forte algumas vezes, até que consegui colocá-lo sob controle movimentando menos o manche. Antes que eu notasse a folga que tinha deixado no acelerador, já. havia passado o fim da pista. Liberei a trava e o avião subiu suavemente, sendo que o resto do voo foi simples rotina.”
“Fiquei nas cercanias do campo fazendo voltas, subidas e descidas abaixo de 1.000 pés (304 m), nada verificando de anormal. O “Teenie” respondeu a todos os controles com igual intensidade, tornando-se digno de ser elogiado.” Parker admite, todavia, que teve algumas dificuldades, nos primeiros voos, para ajustar as ligações dos ailerons para que ficassem parelhas. Isso sugere que os construtores de “Teenies” precisem fazer pequenos ajustes, mesmo que tenham seguido à risca todos os planos.
A carlinga aberta — minha primeira vez numa — não me incomodou, mesmo que eu estivesse sem óculos de voo. Parker é de opinião que o “Teenie” poderia ter a sua velocidade aumentada em 20 milhas por hora (32 km/h) se a carlinga fosse coberta, mas mesmo assim nunca será um avião veloz, fora que alguns construtores preferirão a experiência esportiva do céu aberto — capacete, óculos de aviador, echarpe de seda e tudo mais.
ALGUNS CONSELHOS
Kevin concluiu a matéria assim: “Desejo dar aos futuros construtores de “Teenies” alguns conselhos de real importância. Tratando-se de um avião feito quase que exclusivamente à mão, sem a utilização de equipamentos especiais, não poderá haver um serviço mal-acabado. É o único conselho que posso dar aos construtores amadores para seus primeiros voos é que usem potência total na decolagem e sejam suaves nos controles. Estivemos calculando que o meu erro foi de querer subir com apenas 20 cv e conseguir o resto por meio de força muscular.
Caso você seja um piloto com poucas horas de voo, seria aconselhável conseguir o auxílio de um colega mais experiente para fazer os primeiros voos. Resumindo: o “Jeanie’s Teenie” é algo de novo em construção de aviões por amadores. Se você trabalhar nele conscientemente e com bastante carinho, e voá-lo com inteligência, será algo que compensará plenamente o dinheiro investido.”
UM JEANIE’S TEENIE NO USO
A curiosidade de ver um “Jeanie’s Tennie” voando é grande e pesquisando na internet encontrei o vídeo abaixo de um modelo “Teenie Two”, equipado com cabine de acrílico e filmado por várias câmeras. No fim do vídeo o agradecimento do piloto a seu pai, por ter construído o avião. O detalhe é que neste modelo a partida é manual através da hélice, já o avião da matéria tinha um motor de arranque especialmente adaptado:
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Eu tenho um interesse especial em revistas como as Mecânica Popular antigas, mais ainda na sua versão em inglês, e para quem também gosta basta acessar o link Popular Mechanics May 1968 para ter acesso à íntegra deste exemplar em inglês — uma interessante janela para os anos 60 no mundo do” faça você mesmo” nos EUA. Tanto os projetos que eles apresentam, como os anúncios, fazem parte de uma deliciosa volta no tempo.
A utilização de motores de Fusca em aviões é um capítulo à parte que será abordado em uma outra matéria, quando falarei inclusive de vitória em um reide aéreo entre Nova York e Londres num avião com motor de Fusca…
AG
Esta matéria contou com a colaboração do Fernando Asche — do site FusKombi.com — a quem agradeço o envio da matéria em português da Mecânica Popular.
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A coluna “Falando de Fusca & Afins” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
(Atualizada em 23/07/19 às 13h35, inclusão de vídeo mostrando um voo com um modelo Teenie Two)