A existência deste protótipo tão peculiar veio à tona recentemente por aqui em algumas publicações no Facebook; e o que vamos ver nesta matéria é a sua história pouco conhecida.
Esta é uma história única que vamos desvendar juntos e que conta sobre a construção de um protótipo feito de maneira independente para concorrer com o projeto que estava sendo desenvolvido por Porsche e sua equipe.
Para organizar nosso relato vou dividir o trabalho em capítulos. Primeiro vamos falar sobre como o carro foi recentemente encontrado e sua história foi levantada e quem a descobriu. Depois vamos falar do carro em si. Numa terceira parte vamos falar do engenheiro projetista e inventor com várias patentes registradas, Diplom Ingenieur Friedrich Eugen Maier (Diplom Ingenieur, ou Dipl. Ing., quer dizer engenheiro diplomado), que decidiu fazer este protótipo que sobreviveu muitos anos em silêncio e que agora vê sua história.
Aquele que “descobriu” o construtor do carro
O carro em questão foi “descoberto”, mas não se sabia muito sobre ele e foi necessário fazer uma pesquisa detalhada para descobrir sua origem, quem o projetou e fabricou. Abaixo vamos inicialmente descrever a formação do nosso descobridor, para depois contar o processo que ele seguiu para chegar às suas conclusões:
Jörg-Michael Jansen, nasceu em 1964 em Krefeld e cresceu em Düsseldorf. Depois de concluir o ensino médio, ele inicia um estudo de aprendiz na concessionária Moll, no departamento Porsche. Após o exame para oficial mecânico, em janeiro de 1983, ele fica na empresa Moll, onde passa a trabalhar.
Enquanto consertava caminhões nas Forças Armadas Alemãs em Düsseldorf-Hubbelrath em 1984, ele iniciou a restauração de veículos Porsche 356 em Neuss, na “La Maison des Amis”. Em 1986 e 1987, trabalhou Fuchs & Wadenpohl Mercedes-Benz em Düsseldorf e na Noelle Mitsubishi + Simca-Chrysler , também em Düsseldorf.
Em outubro de 1987, Jansen inicia a escola de mestre, que ele conclui com sucesso em julho de 1988 (ele seguiu a carreira de estudo técnico que forma mestres profissionais). Um mês depois, ele começa com a atividade de peritagem em Mönchengladbach. Em abril de 1993, ele funda a empresa especializada em peritagens, a Jansen & Partner mbH, existente até hoje.
Seus hobbies, desde os 15 anos de idade, são pilotar motocicletas de motocross, competir em provas de motocross com motos veteranas. Ama tanto veículos antigos quanto atuais, bem como a sua profissão. Mas, desde 2008, o seu maior hobby é a busca por informações sobre o “Leichtbau Maier” (nome do protótipo de Maier e da empresa dele; Leichtbau = construção leve); como o tal carro é chamado.
Linha do tempo da pesquisa
De não saber praticamente nada dobre um protótipo até descobrir detalhes preciosos, Jörg Jansen teve que batalhar e pesquisar muito e em muitas frentes, como descreve a cronologia abaixo.
2008 Jörg Jansen recebe a oferta para comprar o protótipo. Localização: o carro estava no Lackierbetrieb Krefeld (Oficina de pinturas Krefeld). Este foi o primeiro contato dele com um veículo até então desconhecido para ele.
2008-2012 Conversa com Sven Bratke do Museu Prototyp de Hamburgo. Contata o historiador suíço Hans-Peter Bröhl; através dele contata o Sr. Heinz Vogel da coleção de automóveis Gut-Hand. A localização do veículo desde a posse pela empresa de itens para filmes (que ficou com este carro por algum tempo) até hoje pôde ser completamente rastreada.
05.07.2013 Apresentação do protótipo no Schloss Dyck Classic Days (evento de carros clássicos no Castelo Dyck, localizado em Bontenbroich 1, na Alemanha). Contato com Markus Herford; decidiu-se mostrar o veículo ao público pela primeira vez. O holandês Herman van Oldeneel encontra o nome completo do projetista deste protótipo: Dipl. Ing. Friedrich Eugen Maier. Por telefonema com o Escritório de Patentes em Berlim se descobriu que 30 patentes foram publicadas, em nome desta pessoa; na Alemanha, Grã-Bretanha e Estados Unidos. Foi descoberto um endereço: Sömmeringstraße 30 em Berlim-Charlottenburg.
01.08.2013 Pesquisa de Jörg Jansen em Berlim na Sömmeringstraße em Berlim onde nada mais existe dos tempos do Sr. Maier. Visita ao Museu Técnico: nada se sabe sobre o projetista Maier e sua empresa. O jornal Berliner Zeitung promete publicar um artigo sobre Friedrich Eugen. Maier pedindo informações a quem o tenha conhecido.
2014 Primeira matéria no jornal Berliner Zeitung escrita por Christine Dankbar buscando informações sobre Friedrich Eugen Maier, publicada em 2 de janeiro de 2014: “Quem conhece Friedrich Eugen Maier?”. Foi aberta uma entrada na Wikipedia com o título “Leichtbau Maier”. Reportagem e entrevista na rádio RBB, no programa “O motorista de domingo”. Contato com os arquivos federais e estaduais. Contato com Jacqueline Tschorr, da Hereditas, pesquisadora de ancestrais e sobreviventes: conseguindo mais informações sobre nome, data de nascimento e local de residência do Friedrich Eugen Maier. A Sra. Nass, da funerária central de Berlim, fornece informações estarrecedoras sobre a morte de Maier: ele estaria sozinho e empobrecido. Ficou morto em seu apartamento por semanas. O Serviço de Assistência Social pagou pelo funeral. Com isto o local de residência da filha pode ser determinado!
02.04.2014 Primeiro encontro com a filha de Maier.
10.04.2014 A filha de Maier lembra mais detalhes e envia o diploma a Jörg Jansen.
04.09.2014 Outra grande reportagem de jornal do Berliner Zeitung é publicada.
03.10.2014 Após quase 80 anos, o protótipo “Leichtbau Maier” está de volta à rodovia A9 na semana de recordes em Dessau. Sua localização atual é o Museu Hugo Junkers, em Dessau, sob o abrigo da asa de um Junkers JU 52, avião apelidado de “Tia Ju 52”.
Jörg-Michael Jansen conta, com detalhes, como a pesquisa foi feita
“No começo de 2008, recebi uma ligação de um bom amigo. Devido a dificuldades financeiras, um pintor em Krefeld teve que vender alguns veículos. Exceto por um carro, os demais pareciam não ter nada de especial, mas esse carro tinha algo de bastante bizarro.
Ele disse que era um protótipo qualquer dos anos 1930 e desde que eu era tão louco por carros, eu definitivamente deveria ver aquele carro. Claro, eu faria isso! Meus olhos não saíram mais do espanto quando vi o carro pela primeira vez. Fiquei fascinado, estarrecido e entusiasmado. Fiquei arrepiado ao tocar o carro pela primeira vez. Sem brincadeira!
Ainda estava incompleto e desmontado, mas o carro me encontrou e me envolveu em seu feitiço. Bem, não se ganharia um Concours d’Elegance com ele, mas era único, considerando o ano de construção, 1935, era como se tivesse vindo de outro mundo e anos-luz à frente de seu tempo.
Além de uma placa de identificação de latão com o número do carro, LM0501/35, e alguns dados técnicos, não havia nada. Havia muita especulação, mas nem uma única pista ou algo do gênero que pudesse ter algo a ver com a história do carro. Mas isto eu descobri apenas depois que as especulações foram “processadas”. Para mim, era importante que eu tivesse adquirido um exemplar único, parte preciosa da história da mobilidade, um original e o testemunho do trabalho de um brilhante construtor de veículos.
Perguntei ao pintor por que o veículo foi pintado em vermelho. Ele havia tomado a cor de um dos três protótipos do Fusca, que a VW tinha reconstruído como modelo. Os carros pareciam surpreendentemente semelhantes e, portanto, era óbvio pintar o “Leichtbau Maier” em vermelho. No entanto, o “Leichtbau Maier” foi desenvolvido três anos antes do Fusca, cujo protótipo definitivo foi apresentado em 1938!
Quando lidei com a carroceria, descobri detalhes interessantes. Se você se senta no veículo, por exemplo, tem uma enorme sensação de espaço à frente, como o que conhecemos hoje em nossos carros. No início dos anos 30, as pessoas se sentavam muito eretas em frente de para-brisas planos. O “Leichtbau Maier”, no entanto, tem uma vista panorâmica magnífica. O para-brisa consiste, em princípio, de quatro lâminas individuais. Naquela época, não havia vidro panorâmico e o vidro arqueado não se tinha como pagar.
A carroceria é rebitada principalmente com chapas de alumínio, embora na época anterior à guerra usualmente as chapas de aço fossem pregadas a uma moldura de madeira e a estrutura resultante fosse colocada sobre um chassi em forma de escada. Através do uso de rebites, diferentes materiais podiam ser unidos, alguns dos quais não podiam ser soldados uns aos outros.
A aparência externa da carroceria nunca foi muito alterada desde a construção, mas muitas patentes foram testadas no veículo. Várias aberturas foram criadas, outras fechadas ou reforçadas.
Com base na placa de identificação, o carro era originalmente dotado de um motor de 20 cv e 692 cm³. Quando entrei com a relação de curso e diâmetro de 76 mm x 76 mm, a internet indicou um motor DKW F4, que foi instalado, entre outros, nos DKW Meisterklasse F7/F8 de 1935-1940. Como essa motorização foi oferecida apenas a partir de 1934, o construtor deve ter tido boas relações com a DKW. Obter um novo desenvolvimento da DKW para concluir o protótipo já representava um projeto que apresentava um enorme potencial para a DKW, então já parte do conglomerado Auto Union AG..
Vale ressaltar que o construtor colocou a unidade DKW arrefecida a água e seu transeixo, originalmente para tração dianteira, na traseira. As aberturas em venezianas da grande tampa traseira não apenas trouxeram um bom resfriamento adicional ao radiador montado na frente do motor, mas também proporcionaram uma boa visibilidade para trás.
Infelizmente, no final da década de 1970, depois de participar das filmagens do filme “Tadellöser e Wolff” (série em duas partes produzida para a TV falando sobre a época da Segunda Guerra Mundial), metade do painel do piso da parte traseira foi recortada, e a tecnologia DKW foi substituída pela tecnologia VW do Fusca, a fim de possibilitar ao veículo andar por meios próprios novamente. Nas fotos amareladas da empresa de itens para filmes, ainda está instalada a tecnologia DKW e se vê uma enorme coluna-amortecedor de suspensão independente na traseira.
Para mim, estava claro que eu devia completar o veículo e fazê-lo funcionar. Paralelamente às pesquisas e buscas na internet, completei o veículo até o ponto que ele pudesse andar por conta própria.
Na sequência resultaram alguns contatos: primeiro no Prototyp Museum em Hamburgo, que passou as informações de um historiador suíço especializado em protótipos, Hanspeter Bröhl. Ele tinha algumas fotos do filme “Tadellöser e Wolff” e da empresa de itens para filmes, além do endereço de um dos proprietários do veículo, Sr. Heinz Vogel de Gut-Hand em Aachen. Ele poderia me dizer onde comprou o carro e para onde o vendeu. Vogel chegou a ter fotos dos anúncios de vendas e do próprio carro tiradas em sua propriedade.
Até 2013, eu realmente não progredi muito na pesquisa da história do Sr. Maier. Então veio o evento do Schloss Dyck e lá ocorreu o contato com o Sr. Herman van Oldeneel. Ele encontrou o nome completo do construtor do carro e, com isto, conseguimos lançar alguma luz sobre a criação deste automóvel único. A história de vida do Sr. Dipl.-Ing. F. E. Maier é outra história emocionante…”
Os caros leitores e leitoras devem ter percebido que começamos com um certo grau de mistério sobre o “Leichtbau Maier”, contando como sua história foi penosamente sendo descoberta. Mas eu achei importante mostrar como a maneira incansável com a qual o Jörg Hansen conduziu sua pesquisa levou ao conhecimento desta história.
Na parte 2 vamos falar do carro e, na parte 3, entraremos na biografia do construtor deste inusitado carro, bem como alguns exemplos de suas patentes.
Não se pode afirmar categoricamente, mas parece que o Maier foi contratado por pessoas ligadas à DKW para fazer um protótipo independente de um “Volkswagen” para concorrer com o projeto de Porsche pelo então rico quinhão de produzir o “Carro do Povo” alemão.
Navegador das três partes desta matéria:
Parte 2
Parte 3
AG
Como esta matéria será publicada em 3 partes, as referências de pesquisa serão indicadas na parte 3.
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