Uma olhada no cenário do início da temporada de Fórmula 1 pode levar os mais supersticiosos a pensar em mandinga: três das 10 equipes já anunciaram trocas de pilotos para um campeonato cujas dez primeiras etapas foram canceladas ou adiadas e o início das atividades pode ser sob chuva. Não bastasse tudo isso, o GP da Áustria domingo que vem, em Spielberg (foto de abertura) marca uma nova fase na história da categoria: será o primeiro evento sem qualquer ligação oficial com Bernie Ecclestone, o inglês que durante as últimas cinco décadas consolidou a modalidade como um dos maiores eventos do planeta.
Atividade extremamente técnica a ponto de empregar o maior número de engenheiros por metro quadrado de autódromo, a F-1 começa a viver na Áustria muito mais que o 71º campeonato mundial de sua história. Com restrições severas com relação às únicas pessoas admitidas no autódromo, a corrida em Spielberg terá que comprovar que o protocolo sanitário em prática é funcional; em que um resultado positivo dará sinal verde para as demais sete provas já confirmadas e facilitará a divulgação de outras etapas.
Mais: se o trabalho não for prejudicado certamente haverá cortes permanentes no número de pessoas que cada equipe envia a cada GP. Estima-se que os gastos de viagens, estadias, alimentação, seguro e uniforme de cada integrante da equipe varie entre US$ 80 mil e US$ 100 mil por ano. Em época de vacas e calendário magros e entrada em vigor de limite de gastos em 2021 (US$ 145 milhões), o Covid-19 é um bode expiatório por excelência.
![](https://esportes.estadao.com.br/blogs/wagner-gonzalez/wp-content/uploads/sites/448/2020/06/20200630-coluna-redbull-alphabernie-chase_300620204358.jpg)
Nos boxes do circuito da Styria não faltarão novidades: a Honda, por exemplo, entregou motores de última geração para seus dois clientes, por acaso duas equipes que em última análise pertencem ao mesmo proprietário do autódromo, o bilionário austríaco Dietrich Mateschitz. A Renault também vem com melhoramentos desenvolvidos em computadores e a Brembo desenvolveu discos de freio dianteiros que possuem entre 800, 1.250 ou 1.480 canais de ventilação para ajudar a dissipar o calor gerado nas freadas. Num fim de semana de temperaturas amenas para o verão austríaco deverá ser usada especificação média em conjunto com discos traseiros com 800 canais; estes últimos podem têm uma versão com 1.250 canais. Os canais de ventilação só podem ser vistos com a roda retirada.
![](https://esportes.estadao.com.br/blogs/wagner-gonzalez/wp-content/uploads/sites/448/2020/06/20200629-new-mercw11-44_300620204406.jpg)
Tecnicamente, o asfalto local é um elemento que se espalha por um traçado liso em 4.218 metros de subidas, descidas, três freadas consideráveis e apenas uma curva de baixa velocidade nas montanhas da Styria, ao lado de um vale onde existe um aeródromo militar. Uma volta em Spielberg percurso dura pouco entre 67 e 68 segundos, tempo comparável aos anotados em Interlagos. No que toca ao desgaste dos pneus — disponíveis em compostos duro, médio e macio — o ponto nevrálgico é o esforço nas frenagens; tração esforço lateral e carga aerodinâmica são outros pontos que demandam atenção para que se faça apenas uma troca nas 71 voltas da prova.
![](https://esportes.estadao.com.br/blogs/wagner-gonzalez/wp-content/uploads/sites/448/2020/06/20200630-coluna-vettel-sainz-ricciardo_300620204404.jpg)
Três das cinco equipes principais já anunciaram mudanças importantes em suas formações para 2021, situação que terá impacto direto nas disputas desta temporada: a Ferrari optou por dispensar Sebastian Vettel e contratar Carlos Sainz Jr, cujo lugar na McLaren será ocupado por Daniel Ricciardo, atualmente na Renault. Pode-se esperar boas performances do alemão, que correrá sem pressão, circunstância que representa perigo para o atual queridinho de Maranello, Charles Leclerc. McLaren e Renault já deixaram claro que Sainz Jr e Ricciardo terão tratamento igual aos seus companheiros deste ano, respectivamente Lando Norris e Estebán Ocón. Vale a pena conferir. Mercedes e Red Bull ainda não bateram o martelo sobre a continuidade de Valtteri Bottas e Alex Albon: se o anglo-tailandês está perto de ser confirmado, o finlandês nem tanto.
![](https://esportes.estadao.com.br/blogs/wagner-gonzalez/wp-content/uploads/sites/448/2020/06/20200630-coluna-leclerc-norris-ocon_300620204402.jpg)
Se este ano o mercado de pilotos foi movimentado de forma intensa e fora de época, o que dizer dos bastidores? Enquanto FIA, Liberty Media e pilotos como Lewis Hamilton e Daniel Ricciardo clamam por atitudes que contemplem a igualdade sem distinção de qualquer espécie, a Mercedes e Bernie Ecclestone tornaram-se trending topics neste início de semana. Como que a confirmar que seu discurso contra preconceitos de qualquer espécie, a equipe alemã optou por pintar de preto seus flechas de prata; já Bernie Ecclestone emitiu opiniões que bateram de frente com os discursos de Hamilton e da Liberty e acabou descobrindo que seu cargo de presidente de honra da F-1 caducou em janeiro passado.
![](https://esportes.estadao.com.br/blogs/wagner-gonzalez/wp-content/uploads/sites/448/2020/06/20200630-coluna-bernie-chase_300620204400.jpg)
Coincidência ou não é a data na qual expirou seu período de quarentena pessoal: a venda os direitos comerciais da categoria para a empresa americana, em 2017, garantiu a ele três anos de salários para ser o que ele mesmo chamou de “rainha da Inglaterra da F-1”: tinha o título mas não mandava em coisa alguma. A partir de agora, Ecclestone só deverá ter acesso a algum circuito se algum amigo dono de equipe ou muito poderoso o convidar para assistir uma prova. Há controvérsias se alguém estaria disposto a isso correndo o risco de provocar Chase Carey, o executivo-chefe da Liberty Media e é quem manda agora. Seu prestígio pode ser medido pelo empréstimo que a categoria conseguiu junto à holding controladora dessa empresa: US$ 2,9 bilhões foram liberados para enfrentar a queda de receita deste ano e ter fôlego para enfrentar 2021 e pagamentos que só começam em janeiro de 2022.
Mugello e Portimão próximos de serem confirmados
Os circuitos de Mugello, na Itália, e Portimão, em Portugal, deverão ser confirmados nos próximos dias como outras duas etapas desta temporada. Um movimento para incluir Imola como sede de uma terceira prova no território italiano nessa lista chegou a ser ensaiado, mas ontem a prefeitura da cidade praticamente encerrou as negociações para levar a F-1 de volta ao Autódromo Enzo e Dino Ferrari. Ao interditar quaisquer atividades nessa pista durante os meses de julho e agosto, inclusive eventos que já estavam confirmados e anunciados, causou revolta na região que, nesta época do ano, recebe um bom número de turistas. O GP do Brasil, previsto para 15 de novembro, ainda não foi confirmado. Caso isso aconteça é possível que a data seja antecipada em uma semana. A relação cada vez mais conturbada entre a Liberty Media e Bernie Ecclestone, porém, colabora para que o País possa ficar fora do calendário deste ano.
WG
A coluna ~Conversa de pista” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.