A reação de Lewis Hamilton às duas punições que recebeu no GP da Rússia (foto de abertura) tem tudo a ver com as mudanças pelas quais a F-1 está passando, a forma como a sociedade se comunica atualmente e, principalmente, com as características intrínsecas de um campeão. Não se pode esperar que um piloto prestes a se tornar o maior vencedor da história tenha um caráter complacente, muito menos que mudanças nos procedimentos de uma corrida sigam eternamente estáticas muito menos que encobrir manobras equivocadas passem despercebidas num ambiente de competição dos mais tensos.
Ao se dirigir para a pole position na largada em Sochi Hamilton optou por ensaiar duas largadas em locais não designados para tanto. A causa disso foi avaliar a aderência dos pneus de composto macio montados em seu carro, opção mais aderente em relação aos de composto médio que equipavam os carros de Valtteri Bottas e Max Verstappen, respectivamente terceiro e segundo no grid e vencedor e segundo colocado na corrida. Razões para essa desvantagem são a longa distância da largada até a primeira curva, o fato de Sochi ser um circuito de rua (o traçado utiliza as vias públicas do parque olímpico da cidade), o forte calor no domingo que degradava mais rapidamente a borracha macia e as chances de melhor explorar as estratégias de corrida durante as 53 voltas da prova, cujo resultado completo você encontra aqui.
Alguma influência aqueles detetives da literatura e da TV devem ter exercido: por influência de Michael Masi, o diretor de prova da categoria, os dois pontos não foram aplicados porque ele entendeu que a falha foi decorrência de instruções da equipe, não uma decisão tomada pelo piloto. Não fosse isso Hamilton, que nos últimos 12 meses soma oito, estaria a dois pontos de ser suspenso por uma prova… Masi assumiu o cargo no início de 2019, quando Charlie Whiting faleceu às vésperas do GP da Austrália vítima de uma trombose, quadro clínico típico de quem passa muitas horas por ano viajando de avião. Desde então ele imprime sua marca no desenrolar das provas e duas delas são o uso mais intenso do Safety Car e punições mais severas em casos de acidentes e incidentes durante as corridas.
Lewis Hamilton também imprime sua marca na F-1: entre outras coisas, é o primeiro piloto negro a conquistar o título e explora seu protagonismo para promover causas sociais. Além disso, não raramente cria situações constrangedoras para os valores ainda clássicos da categoria e por estar em um nível de eficiência acima dos seus rivais, acaba por imprimir certa monotonia em uma categoria que tem na emoção e disputa um dos seus principais argumentos de venda. Hamilton não é o primeiro a desempenhar tal papel: Ayrton Senna, por exemplo, tinha atitude semelhante e era igualmente agressivo ao defender seus pontos de vista e opiniões sobre o que era melhor e mais seguro.
O que pegou mais fortemente no episódio de Sochi foi Lewis Hamilton ter acusado a FIA de tentar prejudicá-lo e pintar em tons de perseguição as sanções que, direta ou indiretamente, determinaram o desenrolar e o resultado do GP da Rússia. Além de provocar o poder estabelecido e ser algo extremamente difícil de ser provado, trata-se de uma reação até certo ponto esperada de um piloto que está a uma corrida de se igualar a Michael Schumacher como o maior vencedor da história. Não restam dúvidas de que a corrida do último domingo será lembrada quando o inglês conseguir sua 91ª vitória na F-1. Os rivais continuam torcendo para que ele e a Mercedes continuem cometendo erros e equívocos como os de domingo passado.
WG