Este assunto já chama a minha atenção há um bom tempo, desde que vi algumas fotos mostrando Kombis com estruturas envidraçadas ou tipo bolha de acrílico no teto. Hoje vamos ver o que estas Kombis faziam.
Em várias partes do mundo, e até no Brasil, Kombis foram adaptadas para servirem como unidades de auxílio à aviação, como torres de controle móveis. Seja para locais desprovidos de estrutura, seja para o acompanhamento local de atividades aéreas como o treinamento de pilotos de uma maneira mais individualizada. As aplicações foram tanto civis, em aeroclubes, quanto militares.
Na Austrália
Na costa sudoeste da Austrália há duas bases aéreas da Royal Australian Air Force (RAAF) separadas por uns 50 quilômetros, as bases de Pearce e Gin-Gin. Nelas é feito o treinamento de cadetes do ar com supervisão direta de controladores acomodados em veículos especiais colocados ao lado da pista.
Um das fases importante do treinamento é o controle de aproximação para o pouso. Para isso utilizavam um veículo preparado para esse trabalho chamado, apropriadamente, de RAAF LAMV (Landing Approach Monitoring Vehicle, Veículo de monitoramento de aproximação de pouso da RAAF: uma Kombi!).
O veículo ficava estacionado num ponto predeterminado dotado de energia elétrica e comunicação telefônica com a torre de controle. Havia espaço dentro da cúpula de acrílico para duas pessoas. O calor era atenuado por ar-condicionado que em algumas Kombis era um equipamento acoplado à vigia traseira e alimentado por energia elétrica externa.
Naquela região da Austrália havia três Kombis LAMV, uma para cada base e a terceira rotativamente em manutenção. Na foto de abertura uma das Kombis junto a dois aviões daquela base aérea. Note que neste caso se vê o enorme aparelho de ar-condicionado dependurado atrás da Kombi.
Os LAMVs eram operados por dois controladores, de voo, que eram instrutores e monitoravam cadetes em treinamento durante as suas aproximações para aterrissagem. As portinholas de onde saíam os cabos de energia e telefonia (a Kombi tinha um ramal telefônico a partir do PABX da base) eram monitoradas por interruptores de fim de curso (tipo os das portas dos automóveis, em que a menos que estejam totalmente pressionados fazem acender a luz interna), que disparavam a buzina caso o motorista arrancasse com a Kombi-torre sem que as portinholas estivessem devidamente fechadas e travadas, isso para evitar que se tentasse sair com os cabos ainda ligados ao solo.
Na maioria das vezes, a buzina soava ao ligar a ignição porque os fechos das portinholas não tinham sido apertados o suficiente (ou algum “amigo da onça” inteligente, geralmente outro técnico de rádio da Base, só de farra desfazia, às escondidas, a conexão da chave de fim de curso quando a Kombi se encontrava estacionada em algum lugar que não a sua baia de operação, provocando um disparo inesperado da buzina ao se dar a partida).
Os LAMVs tinham velocidade limitada (embora não fossem controlados) a cerca de 40 km/h. Era bastante assustador para os controladores se arrastarem pela pista de taxiamento até a baia de estacionamento ao lado da pista ativa a esta velocidade liderando uma procissão de aviões, muito maiores que as Kombis, e com pressa de chegar à pista da base!
Conta uma testemunha de época: “Em outra ocasião, um LAMV desfilou pela avenida St George’s Terrace na cidade de Perth, que fica do outro lado da Austrália a mais de 4.000 quilômetros de distância da Base Aérea de Pearce por rodovia. Foi um grande desfile que envolveu as três armas. A RAAF foi representada por cerca de meia dúzia de tropas em seu uniforme completo, um destacamento de cadetes em trajes de voo com capacetes sob os braços (tudo muito estilo Top Gun), equipamentos de terra, um sobrevoo de seus aviões e… um LAMV! Se não me falha a memória, a equipe do LAMV naquele dia era Paul Fedec e Tim Collins. A viagem de Pearce a Perth teria sido dolorosamente lenta (e perigosa, considerando os enormes caminhões que circulam por lá, os chamados road trains, cavalos-mecânicos puxando dois ou mais reboques), mas acredito que Tim aproveitou ao máximo sentando-se dentro da ‘bolha’, com um fone de ouvido, acenando para as crianças e, por meio de gestos, indicando para ‘os pilotos alvos para um ataque aéreo’— os automóveis… O tal Tim Collins não perdeu tempo e logo aproveitou para fazer o seu show durante o caminho…”
Abaixo mais uma foto de um LAMV, mostrando alguns detalhes do equipamento que ficava dentro da “bolha”, como um equipamento de rádio, um indefectível telefone, duas poltronas e um pequeno púlpito de controle. Neste caso se pode ver o equipamento de ar-condicionado na traseira da Kombi:
Outro modelo australiano
Ainda na Austrália, um colecionador encontrou num ferro-velho um outro tipo de Kombi adaptada para servir como apoio a aeroportos sem infraestrutura, desta vez com uma estrutura envidraçada (com vidros tonalizados e inclinados para fora para não darem reflexo do que estava no interior) como nas torres de controle de aeroportos. Abaixo duas fotos de como este exemplar foi encontrado:
Este colecionador restaurou esta viatura e passou a participar de eventos com um bom destaque. A restauração ficou assim:
Seguramente este modelo oferecia uma excelente visibilidade para os seus operadores também, além de um bom espaço interno. Um interessante uso das Kombis na aviação.
Exemplo brasileiro
No Brasil, entre as aplicações especificas da “Kombi modelo 102 Militar”, destaca-se aquela equipada com uma torre de controle, uma versão modificada para a Força Aérea Brasileira em fins da década de 1960 com a inclusão de uma torre de observação com seis janelas basculantes de vidro para emprego em aeródromos desprovidos de estrutura mínima de apoio a controle de voo.
Outro exemplo brasileiro
Publicada a matéria eu recebi um gentil e-mail do 2º Sargento da FAB – Força Aérea Brasileira, Leonardo Garcia Gaedke, que enviou a foto abaixo com mais um exemplo brasileiro de Kombi personalizada para serviços em aeroportos e campos de pouso.
Esta viatura pertencia à Academia da Força Aérea, em Pirassununga, SP, e foi retratada no meio dos anos 70. Segundo relatos esta Kombi servia como base de controle em curtos deslocamentos das aeronaves nos aeródromos da região, especialmente com os aviões a jato de treinamento Cessna T-37 da FAB.
É interessante a pintura xadrez em preto e amarelo, que, ao contrário do camuflado padrão ou do azul-celeste, tinha a intenção de ficar bem visível aos instrutores de voo e cadetes. A bolha acrílica no teto é mais parecida com os modelos da RAAF apresentados nas três primeiras fotos do que o exemplo dado pelo Sr. Cesar do Rosário Ferreira.
Fica aqui o agradecimento ao Leonardo Garcia Gaedke por enriquecer a matéria com a sua contribuição.
As demais aplicações de Kombis em aeroportos são um capítulo à parte e estou recolhendo material sobre este assunto para a elaboração de uma matéria. Caso você tenha algo neste sentido pode enviar para mim pelo e-mail [email protected]. Aí valem fotos (de preferência com legendas explicativas), relatos, reportagens, etc. sempre com os devidos créditos.
AG
(Atualizada em 14/04/21 às 23h15, inclusão de mais um foto de Kombi “torre de controle” com texto descritivo)
A matéria sobre Kombis de aeroportos é uma sugestão do Maycon Correia que também está recolhendo material. Na presente matéria ele colaborou com a indicação de um Site de onde retirei a foto do exemplo nacional de Kombi torre de controle, agradeço a ele por esta ajuda.
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