Tendo se tornado um alvo estratégico devido à produção de material bélico sensível, a fábrica da Volkswagen se tornou um alvo preferencial para as forças aéreas dos Aliados. No fim da II Guerra Mundial as instalações fabris da Volkswagen constituíam somente parte do planejamento final que permitiria a produção de um milhão e quinhentos mil carros por ano, uma meta megalomaníaca para aqueles tempos. No Salão Internacional do Automóvel e da Motocicleta de Berlim de 1938 foi exibida a gigantesca maquete da futura fábrica do Volkswagen. O conceito básico da construção foi feito pelo escritório de Porsche, com seu detalhamento a cargo dos arquitetos Emil Mewes, Karl Kohlbrenner, Fritz Schupp e Martin Kremmer.
Em outra foto desta maquete eu marquei em vermelho a parte do projeto inicial que estava construída em 1944 e que foi alvo dos bombardeios. Para a orientação na análise das fotos que apresentarei adiante sugiro tomar como referência o Mittlandkanal (1) que na foto abaixo segue ao longo da fachada do prédio, tendo um recesso ao lado da usina termelétrica (2) necessário para a entrada das barcaças com carvão para a usina (outros materiais também podiam ser desembarcados por lá); acredito que procurando estes marcadores nas fotos será possível se orientar nelas:
O primeiro bombardeio registrado da fábrica ocorreu no verão de 1943, mas não houve danos maiores. Mas como a fábrica foi selecionada no final da guerra para ser destruída pela Equipe de Pesquisa de Bombardeio Estratégico dos Estados Unidos, há registros precisos dos quatro principais ataques à fábrica, conforme veremos adiante.
Ocorreram dois outros incidentes. O primeiro deles no dia 18 de abril de 1944, quando um único avião não identificado jogou bombas incendiárias e destruiu uma parte da fachada do prédio. Depois, em 29 de abril às 11h19 da manhã, um avião pertencente à Oitava Força Aérea dos Estados Unidos, que se acredita ter sido uma fortaleza voadora B-17, ao retornar de um ataque a Berlim foi atingido pela defesa antiaérea (a fábrica tinha vários canhões antiaéreos espalhados em pontos estratégicos, muitos em seu telhado). Um motor incendiou-se e a tripulação abandonou o avião saltando de paraquedas, mas o bombardeiro não pilotado voou em direção à fábrica onde, depois de voar em círculos, acabou batendo num dos cantos da Ala 1.
Abaixo a tabela com o registro dos quatro ataques aéreos maciços executados pelo Oitava Força Aérea dos Estados Unidos:
Traduções:
US Eighth Air Force attacks on Volkwagen Factory in 1944: Ataques da Oitava Força Aérea dos EUA à fábrica da Volkswagen em 1944
Date & time of Attack: Data e hora do ataque
Number & Type of Aircraft: número e tipo de avião
Bombs dropped: Bombas lançadas
Type: tipo; Number: número; Size lbs: Tamanho em libras; Tons: Toneladas
Heigh Dropped in Feet: Altura de lançamento em pés
Number of Hits Approx: Número de acertos aprox.
Un-Ex. Bombs: Bombas não explodidas
Wounded: Feridos
Killed: Mortos
High Explosive: Altamente explosiva; Petrol: Gasolina; Magnesium: Magnésio (altíssimo poder incendiário); Incendiary: Incendiárias;
None Reported: nenhuma reportada
A foto abaixo, feita no dia 5 de agosto de 1944, mostra o início do ataque. A fábrica já tinha sofrido três grandes ataques anteriores, conforme a tabela acima — já apresentava severos danos — este foi o “golpe de misericórdia”. Este ataque foi realizado pelo 93º Grupo de Bombas que voava fortalezas voadoras do tipo B-24 Liberator que eram baseadas em Hardwich, Norfolk, Inglaterra. As fortalezas voavam sem a escolta de caças, pois estes não tinham autonomia para voos tão longos (em compensação os B-24 e B-17 possuíam várias metralhadoras e canhões para autodefesa espalhadas estrategicamente pelo avião):
Na foto abaixo a fumaça das bombas se espalha pela fábrica enquanto os alemães tentam protegê-la com uma cortina de fumaça (adiante eu comento como isto era feito). O 93º Grupo de Bombas da Força Aérea Americana reivindicou 300 acertos de bombas de 1.000 libras em 548 lançadas:
Abaixo, passados os bombardeios, o resultado da destruição estimada em dois terços da fábrica, pois, mesmo onde o telhado parece íntegro, o fogo das bombas incendiárias atingiu o interior das estruturas calcinando tudo. Conforme as normas de reconstrução do pós-guerra esta fábrica estava condenada.
Abaixo vemos a Plotagem Mestre de Bombas (produzida pela Equipe de Pesquisa de Bombardeio Estratégico dos Estados Unidos) caídas na fábrica até o final da guerra, acertando o alvo ou não:
Para complementar estas informações uma maquete da fábrica, que estava em exposição no Museu da Volkswagen, mostrava os danos causados por bombas nos prédios durante os severos ataques aéreos:
Para os que se interessarem em ver o vídeo (37:46): “Alvo – Alemanha” Oitava Força Aérea Americana bombardeia à luz do dia na Alemanha em 1945. Ele mostra o clima real dos acontecimentos que se aplicam ao que aconteceu também na Volkswagen:
Não posso deixar de comentar que ainda hoje são encontradas bombas ainda ativas nos terrenos da fábrica da Volkswagen em Wolfsburg; isto geralmente ocorre quando de trabalhos de escavação no terreno para novas construções ou reparos em estruturas existentes.
Estratégia do disfarce por fumaça química
Uma tática largamente empregada por várias forças armadas, em especial na Alemanha, foi o uso de “Nebelgeräte” — aparelhos de neblina, ou de “Nebeltonnen” — barris de neblina — para ser gerada uma pesada cortina de fumaça que atrapalhava a visão dos bombardeiros inimigos. Entre outras coisas, eles continham ácido clorossulfônico altamente corrosivo que em contato com o ar gera grande e espessa fumaça. Se atingissem a água, poderiam ocorrer explosões. Este expediente era usado em todos os lugares em equipamentos terrestres móveis ou instalações fixas,
Uma das aplicações mais espetaculares desta técnica de esconder alvos dos aviões inimigos com uma cortina de fumaça foi o caso do encouraçado Tirpitz (251 m de comprimento total, velocidade de 30 nós = 56 km/h, deslocamento total carregado 52.600 toneladas) que ficava num fiorde ao norte da Noruega à espreita de navios com suprimentos para os russos que passavam perto dali. Apesar do uso de potentes geradores de fumaça, esta que foi a maior belonave europeia acabou sendo afundada por um bombardeiro quadrimotor Avro Lancaster.
Fato é que no caso do Tirpitz foi usada tanta fumaça química repetidas vezes que o meio ambiente foi afetado severamente, as árvores próximas ao local não desenvolveram o anel do ano de 1945 em seus troncos, conforme recentes descobertas científicas.
Vendo todos estes danos infligidos à fábrica da Volkswagen em Fallersleben fica claro o arrojo do major Ivan Hirst em teimar na manutenção da fábrica. Com um remanejamento do layout da fábrica, usando as áreas menos afetadas, foi possível retomar uma limitada fabricação de carros; até o final de 1945 tinham sido produzidos 58 carros.
Esta matéria complementa a matéria “VW Kombi: de 1945 na ocupação dos Aliados até o seu lançamento em 1950” no que se refere aos bombardeios aliados.
AG
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