Qual o melhor Santana já disponibilizado para o mercado brasileiro? Seria o de primeira geração? Melhor personificado no Brasil pelo Santana Executivo, ou aquele que culminou do projeto Oak and Spruce, em 1991, carro que evoluiu muito após extensa modificação no exterior e interior, porém mantendo — infelizmente — as portas do modelo anterior. Eu poderia também imaginar como eleito o carro que é alvo desta matéria, um Santana GLSi 1996, que já reunia os últimos aperfeiçoamentos adotados nessa segunda geração.
Posso me perguntar também quais seriam os parâmetros para definir o melhor modelo dentro de sua linha no seu tempo total de vida comercial. Podem ser vários, mas uma certeza tenho: o Santana depois de 1996 começou a definhar aos poucos, a morrer a cada dia. pois sua fabricante passou a entender que ele já não tinha condições de brigar com carros de concepção muito mais moderna como o Vectra B e o Tempra por exemplo, e por isso passou a priorizar o Passat GL que era importado (bem como o bem mais caro, VR6 Exclusiv),
Simplificou o Santana até que ele virasse uma sombra do que tinha sido nos seus anos de ouro, um cachorro abandonado nas ruas. Tipo de morte idêntica à que tiveram Fiat Marea, e Tempra, e Monza entre outros. Curiosamente, só o decano Opala Diplomata escapou desse triste desígnio de virar “carro de taxista”, morrendo no seu auge técnico para dar lugar ao Chevrolet Omega.
O primeiro candidato, o Santana Executivo, foi um carro incrível no seu tempo, chegou um pouco antes do Monza E.F. 500 trazendo a grande novidade do final da década de 1980 que era a injeção eletrônica, antes só aplicada ao Gol GTi. Era o sedã da Volkswagen em grande forma: tecnológico, de visual inconfundível, e com detalhes exclusivos de luxo interior que foram feitos para cativar um público naturalmente seleto, de bolsos muito bem fornidos. Como estava — junto novamente com o Monza injetado – no topo dos melhores carros nacionais, posso considerar como um sério candidato ao melhor Santana que tivemos no Brasil.
O Santana renovado de 1991 também tinha status muito semelhante, foi desenhando dentro do Design Center na fábrica de Wolfsburg, tendo como líder de projeto o brasileiro Guenter Hix (Gérson Barone e Luiz Alberto Veiga também foram fundamentais nesse processo). Era um dos carros mais modernos e luxuosos do Brasil mais uma vez, agora um importante passo à frente do Monza que tinha mudado apenas a frente e a traseira, mas que já enxergava com preocupação a chegada do Fiat Tempra que apresentaria algumas soluções muito interessantes de desenho e luxo dentro desse seleto mercado.
Mas outros carros também começaram a chegar ao mercado como o Omega quatro-cilindros e o primeiro Vectra, bem como melhoramentos importantes na linha Tempra e a concorrência do “irmão” Ford Versailles. Todos mirando o segmento do Santana.
A concorrência se mexia de verdade, Após o advento dos freios ABS e finalmente as quatro portas na linha 1992, o Santana começou a receber melhoramentos homeopáticos a cada ano: para-choques pintados aqui, veludo mais espesso acolá, novo alarme, sistema de som melhorado, rodas exclusivas, novo volante de direção, opção de couro nos bancos em nova padronagem, bem como teto solar, enfim, se não evoluía na velocidade dos outros carros, ele sempre foi ganhando um novo tom de sofisticação, crescente até o ano de 1996.
É um Santana desse ano que vou revisitar hoje, um lindo e imaculado exemplar propriedade do meu novo velho amigo Marciano Boaro, por intermédio de outro amigo, Jeison Paim, que já apareceu aqui no AE com o resgate do Santana GLSi que pertenceu à frota da Revista Quatro Rodas, uma história realmente incrível (parte 1 e parte 2). E para entendermos o que perdemos e o que ganhamos com a simplificação desse carro, após cada aspecto importante dele abordado, colocarei em extensos parênteses as características que um Passat GL 1996 apresentava como contrapartida, evolução natural do Santana topo de linha como assim desejava na época a Volkswagen, quando a alíquota de importação estava nos 32%, um automóvel que dirigi por mais de um ano.
Por dentro
Curiosamente, ao contrário dos dois carros de luxo abordados anteriormente (Diplomata e Galaxie), as portas do Santana são de ótimo tamanho na frente, e bem curtinhas atrás. O acesso do motorista então é facilitado e logo ele adentra num ambiente onde o capricho está nos detalhes. O veludo chumbo com muitas matizes coloridas é extremamente suave e quente ao toque, o banco é firme e encaixa bem o corpo, e na frente do motorista, um belo volante de quatro raios de generoso diâmetro dá as boas-vindas.
Ele têm a pega mais anatômica que o modelo usado até o ano anterior, e atrás dele os instrumentos do painel têm fundo branco, nos remetendo a esportividade do Gol GTi que usava o mesmo recurso. O espaço na frente para pernas e cabeça é ótimo e a largura é apenas boa. O entre-eixos de 2,55 metros é tímido perante o comprimento total do veículo. Para termos ideia, um Renault Sandero têm quatro centímetros a mais de entre-eixos e um VW Virtus larga com vantagem de 10 centímetros —os carros cresceram um bocado com o passar do tempo.
Então, não espere muito espaço no banco de trás, os joelhos roçam os bancos da frente com facilidade se você for um pouco mais alto. No entanto, alguns detalhes seduzem quem senta ali (e eu fiz questão de ser conduzido também, não fui apenas motorista): o vidro da janela se esconde todo na porta quando abaixado, algo não mais tão comum, e o encosto do braço central é uma das peças mais macias que eu já experimentei, sinalizando sutilmente o cuidado com o luxo dedicado a esse carro (o Passat GL internamente parece um latifúndio perante seu primo mais velho, sendo essa diferença muito nítida no banco traseiro, o veludo é mais grosseiro mas todo o resto é mais bem desenhado e montado, e não poderia ser diferente, afinal, é um carro mais moderno).
Andando
Primeiro “estágio” da chave virada e se ouve o proverbial sinal da bomba de combustível, o motor acorda em seguida e já caí sereno na marcha-lenta, aquecendo-se aos poucos. E não é só o motor que precisa esquentar, o câmbio melhora muito com o óleo quente, a exemplo do Chevette. Empurre a primeira para cima e solte a embreagem sem maiores cuidados, o pedal não é pesado, mas seu curso se esconde bem lá embaixo na parede de fogo, o motor tira o carro facilmente da inércia e já pede a segunda que é um pouco dura — lembre-se, caixa fria ainda — mais motor sendo solicitado pelo pé e a terceira e a quarta são engatadas com mais facilidade, ainda em percurso urbano. Parar e partir de subidas íngremes é uma tarefa mais facilitada pela potência do motor em giro baixo do que pela razoável progressividade do pedal da esquerda,
os pneus macios e o amortecimento conservador do Santana, bem como o farto material fonoabsorvente do interior, ajudam a ignorar o calçamento rude de paralelepípedo. A direção é um doce de leve e facilita qualquer manobra na cidade. Não é rápida, mas sua pegada é tão boa que enfrentar um trajeto tortuoso virando esquina em cima de esquina é um prazer.
Uma coisa bem curiosa é o nariz longo do Santana, a gente não está mais acostumado com essas coisas nos carros modernos, pode-se ficar perigosamente perto de outros veículos sem ao menos perceber, é preciso de um tiquinho de atenção nos primeiros movimentos com o carro para não levar, no mínimo, um susto.
Na estrada
O comportamento sereno e macio do Santana na cidade repete-se na estrada. A direção não é boba, a assistência hidráulica atua sem folgas no passo da curva a médias velocidades. Aumentando um pouco o ritmo, tem-se a impressão que o eixo traseiro não acompanha mais em 100% o da frente, uma leve impressão de “navegabilidade” surge com a carroceria fazendo alguns movimentos curiosos, “passarinhando”sutilmente. Tudo isso, claro, sem abusar de verdade nas curvas, mas andando rápido o suficiente para capturar suas tendências que devem se amplificar a medida que se dirige mais esportivamente. Parece mais solto que o Santana de geração anterior, “menos europeu”; perto dos sedãs atuais, é claramente menos firme e aderente.
O motor transmite sua potência com suavidade e parece estar sempre muito confortável nos 3.000 giros, tão confortável que parece não querer sair nunca dali. Você começa a esticar a terceira nas ultrapassagens, buscando os 112 cv divulgados, e o ponteiro do conta giros — com alguma dificuldade — passa dos 4 mil, buscando os 4 mil e quinhentos, e dali em diante parece não fazer mais sentido espichar o motor, pois ele vai perdendo a fluidez e fica mais áspero e barulhento, e dá a impressão de não vir mais potência palpável para completar a manobra.
Claro que a essa altura, o Santanão já despachou os carros mais lentos, a velocidade cresce, mas após os 140 km/h sua taxa de aceleração cai muito. Em ritmos mais normais, o AP 2-litros (1.984 cm³) e sua quinta marcha real sobram na estrada para acompanhar o ritmo dos demais, um carro muito atual nesse sentido.
Óleo do câmbio em temperatura ideal, as reduzidas para segunda entram como faca quente na manteiga no momento de tráfego pesado. Em estrada aberta, a gente se pega fazendo uma brincadeira, uma mania: tira da quarta e se reduz rápido para a terceira, pede-se de supetão “mais motor”, e a quarta é jogada mais rápido ainda em seguida. Enquanto no Chevrolet Diplomata testado anteriormente eu fazia isso mais para sentir as respostas do motor grande, aqui o negócio é relembrar como é legal cambiar um Volkswagen. O “H” básico é uma delícia, os engates são curtos e precisos, o peso da alavanca é perfeito, apenas o engate da quinta fica um pouquinho mais distante do que vemos em câmbios atuais da marca como do Polo e up!. É aquele mínimo detalhe que denuncia sua idade.
Um pouco mais de espaço e os 160 km/h surgem no velocímetro, mas o ruído do vento já briga com o do motor e o ambiente sereno do carro vai se dissipando rapidamente, acho que já é hora de aliviar o pedal da direita e tratar o sedã um pouco melhor, e eu também não quero ser deixado na estrada, pedindo carona, pelo seu zeloso dono…
O Passat GL
O Passat GL 2-litros curiosamente tinha uma dirigibilidade quase que oposta ao topo de linha da VW nacional da época: vulgar na cidade, ótima na estrada. Em ambiente urbano era francamente inferior, os 120 kg de sobrepeso não são compensados pelos 3 cv a mais. Sua relação de marchas também parece ter sido “tropicalizada”, pois basta colocar o carro em movimento que ele já fica pedindo mudança, ele não dá tempo e o prazer do motorista dá uma “esticada” longa nas primeiras marchas — notadamente a segunda — e a condução fica menos interessante e mais forçada do que no Santana. O toque da alavanca é bem leve, comando por cabos, mas a precisão não é a mesma em trocas mais animadas, pode enrolar da segunda para terceira se o movimento for muito rápido e a direção é bastante mais pesada nas manobras, a suspensão é mais seca e menos “Landau” que a do primo nacional. Decididamente, na cidade, é um carro mais rude e pesado na tocada, emoção zero, apenas racionalidade alemã. Na estrada ele passa a agradar bem mais, o motor de bielas mais longas (159 mm em vez de 144 mm) sobe de giro com mais alegria, o ruído aerodinâmico é bem menor (Cx de apenas 0,31) e seu grande entre eixos ajuda nas curvas de alta, a carroceria torce pouco nas curvas e sua direção pesada na cidade se acha nas rodovias. Em linha reta e em retomadas, anda no ritmo do carro nacional, só em velocidades realmente mais altas o Passat começa a virar o jogo, mas em condições que já fogem à normalidade habitual de uso. Para viagens, no posto do motorista e sem falar das vantagens óbvias de espaço para passageiros e bagagens, o carro alemão mostra-se um substituto muito competente.
Conclusão
Não tenho como responder a pergunta que ilustra a matéria, posso sublinhar apenas que todo Santana topo de linha, até 1996, é um carro especial. Esse GLSi é um senhor carro de luxo mesmo 25 anos depois de ter saído da fábrica. Seu interior é caprichado, o acabamento é exemplar, tudo que se toca é bem feito, do veludo excepcional dos bancos aos comandos delicados dos vidros elétricos, da alavanca de câmbio que parece feita para nossa palma da mão ao acionamento do botão que ilumina o para-sol direito.
Um carro maduro na estrada, de ir buscar pão na padaria e se descobrir — como por encanto — indo à praia, pelo caminho mais longo se possível; e chegará lá descansado, garanto. E lindo, como é especial nessa cor que fica sólida nas sombras, e se abre como um verdadeiro sol sob iluminação natural; o dirigirmos e ficamos cuidando, com o canto dos olhos, o Santana sendo refletido majestoso nas vitrines da cidade. De forma natural, passamos a procurar lugares, paisagens e construções sofisticadas e clássicas para emoldurar as fotos do carro. Perceba nas imagens como o carro combina com locais que nos remetem a requinte, nesse quesito é bastante similar a carros tão diferentes como Diplomata e Galaxie abordados anteriormente.
E, principalmente, como fico fica feliz, mesmo não sendo proprietário do carro, fico feliz pelo passeio, por conhecer novas pessoas que se tornam imediatamente novos amigos, que se sintonizam quase de imediato, demonstrando mais uma vez que o automóvel — qualquer que seja — é um grande agregador social.
Mais uma vez um agradecimento especial ao Marciano, proprietário da CAR CLINIC, reparadora automobilística que cuida dessa e de outras preciosidades aqui em Bento Gonçalves-RS, e ao “Dr. Santana”, Jeison Paim.
Formula Finesse
Bento Gonçalves – RS
(Atualizada em 16/07/21 às 16h25, inclusão de foto de Passat GL)
(Atualizada em 24/07/21 às 21h25, correção de informação do motor do Passat GL)